Especial Silvio Santos
Coluna Especial

Ex-diretor do SBT, Luciano Callegari conta histórias de Silvio Santos por trás das câmeras

Luciano Callegari trabalhou por 47 anos com Silvio Santos


Silvio Santos no palco do programa Show de Calouros na década de 80
Silvio Santos completa 90 anos de idade - Foto: Divulgação/SBT

Trabalhei com o Silvio Santos por 47 anos. Eu era office boy da Rádio Nacional e ele veio do Rio de Janeiro para fazer um teste de locutor. Fiquei conhecendo ele aí, passamos a ser amigos e comecei a trabalhar com ele. Silvio teve um sucesso muito grande com o Manuel de Nóbrega na rádio que era líder de audiência. Ficou famoso com “O Peru que Fala” porque o Nóbrega tirava muito sarro dele, quando o chamava de o "peru que fala" porque ele ficava muito vermelho e o auditório ria.

Com o tempo, ele aproveitou “O Peru que Fala”, montou uma caravana com 11 artistas e começou a fazer shows em circos. Naquela época existiam muitos circos em São Paulo, então ele fazia shows na sexta, sábado e domingo. Ele me chamou para cuidar desses artistas, atendendo, pagando, dando vale, esse pessoal vinha chorar comigo e ele ficava livre disso. Qualquer problema ele mandava vir falar comigo (risos). Esse foi o primeiro trabalho que fiz com ele.

Quando o Silvio fazia a caravana, também tinha um bar chamado Nosso Cantinho. Era dele e de uma pessoa da técnica nossa chamado D'Angelo Pessutti, pai do empresário da Hebe, o Claudio. O pai do Claudio era o sócio do Silvio desse barzinho em frente à igreja de Santa Cecilia. A gente ia lá tomar aquele famoso pingado (risos). Ele precisava ganhar dinheiro.

Depois de um tempo, com o sucesso que ele fez na rádio, o Silvio ficou conhecido, aí a TV Paulista ofereceu um horário para ele na televisão, e estreou o Vamos Brincar de Forca. Foi um sucesso. A TV Paulista não era uma senhora rede de televisão, não tínhamos satélite. Ela pegava só até Osasco, depois de lá só tinha chiado.

Veio o Baú da Felicidade, do qual o Manuel de Nóbrega era sócio. O Silvio lançou um produto que foi um sucesso inacreditável, e isso ajudou alavancar a carreira dele, o carnê do Baú da Felicidade, o Brasil inteiro comprava. Era o produto e o Silvio era o maior vendedor que eu conheci na minha vida.

Era um produto interessante e o Silvio vendia muito bem. Era incrível. Ele era excelente adorno fora de série, só sei que a gráfica não dava conta de fornecer carnê de tanto que ele vendia. Então, esse foi o pulo do gato.

Ele estava fazendo um programa na Rádio Nacional, quando o Nóbrega se afastou. O Silvio assumiu no lugar dele e fazia o Programa Silvio Santos ao meio-dia, e ele foi convidado para fazer um programa ao meio-dia até as 14h30. Naquela época ninguém fazia programa no domingo, não tinha o hábito. Só tinha programa de crianças e o futebol. Silvio ficou na dúvida: "quem é vai me ver ao meio-dia no domingo?". Eu falei com ele: "Silvio, você não vai perder nada. São duas horas e meia de televisão".

Ele aceitou desde que eu fosse o diretor do programa. Eu já era funcionário da TV Paulista quando o programa começou. Foi indo e foi crescendo. A TV Paulista deu o horário até às 16h30 e foi quando a Globo comprou. O programa do Silvio já era um sucesso de audiência. Então, a Globo chamou o Silvio e fez o primeiro contrato com ele de quatro anos como produção independente. Foi quando eu sai da TV Paulista definitivamente e passei a trabalhar só com ele.

Antes eu trabalhava na Rádio Nacional, na TV Paulista e ainda fazia cachê a parte com ele. Ele me ofereceu um salário que eu não pude recusar. As coisas foram de vento em popa. Com o tempo, a Globo chamou ele de volta e quis assinar um contrato de até 18h.

Ex-diretor do SBT, Luciano Callegari conta histórias de Silvio Santos por trás das câmeras

Histórias curiosas de Waldick Soriano e Clodovil no Programa Silvio Santos

No começo, aconteciam coisas curiosas. Tínhamos um programa chamado Música e Alegria que nós tínhamos uma atração que era um cantor de sucesso seria entrevistado, além de cantar. Naquela semana a gente tinha escalado o Waldick Soriano, que estava estourando nas paradas. Só que ele chegou naquele dia 1 hora e meia antes.

Eu era muito amigo dele e a gente se dava muito bem. Eu falei com ele: "Waldick , você chegou cedo, vai dar uma volta". Ele disse: "Tá, tô lá na padaria. Quando chegar a hora, manda alguém me chamar". O programa continuava e faltavam 15 minutos. Perguntei o que estava acontecendo que o Waldick não estava lá. Fui informado que tinha acontecido uma desgraça e que o Waldick não estava conseguindo levantar. Ele ficou no bar e bebeu todas (risos).

Mandei trazer ele na cadeira. Trouxeram então ele na cadeira e deixaram ele lá na frente. Na hora do comercial, o Silvio vai no bastidor para ver as fichas do bloco seguinte. Então, mandei o contrarregra colocar o Waldick em frente ao microfone. O auditório começou a dar risada com a cena. No final do comercial, Silvio voltou, olhou o Waldick sentado na cadeira e perguntou o que Waldick estava fazendo ali. O Waldick falou: "tô aqui sentado, me colocaram aqui sentado". O Silvio falou: "Ah... já sei o que aconteceu". O Silvio deu um espetáculo, foi um sarro. O Waldick zoando foi a melhor atração ao vivo. Essa foi uma coisa que aconteceu que eu não esqueci mais.

Outra coisa foi com o Clodovil. O Clodovil estava participando de um programa de entrevistas. As pessoas mandavam cartas para entrevistar alguém. Foi sorteada uma senhora que queria entrevistá-lo. A senhora estava sentada lá com o Clodovil e o Silvio intermediava a entrevista. Uma moça lá no fundo do auditório, que estava em pé, ficou cansada e tirou o extintor de incêndio que estava pendurado e sentou em cima. Quando ela sentou em cima, disparou o extintor com aquela fumaça e aquele barulho.

O Clodovil deu um pulo da poltrona desesperado e saiu pelo meio do auditório e foi embora. Dei risada. Fui atrás do Clodovil, segurei ele na calçada, ele tava quase desmaiado. Expliquei que não era nada que foi a moça que tinha sentado em cima de um extintor. Ele pediu para descansar três minutos e voltou. O Silvio ficou batendo papo com a senhora. Quando Clodovil voltou e sentou na poltrona, disse para o Silvio: "Nunca mais volto ao seu programa, eu quase morri, quase tive um infarto". Clodovil era muito gozado. Isso foi inacreditável.

Um diretor musical, que era ritmista no Uruguai, quando via alguém cantar samba, ele ficava se mexendo porque a música estava no sangue dele. Nossa orquestra ficava no balcão. Quando ele soube que vinha um sambista no programa ele foi lá em cima para tocar um instrumento. Só que ele encostou-se à mureta e caiu de quatro metros de altura no colo de uma moça. O Silvio olhou pra ele sentado no colo da moça e, ele receoso, falou para o Silvio continuar e saiu. A moça se machucou um pouco na perna, mas não foi nada sério. Essas coisas aconteciam.

A saída de Silvio Santos da Globo

Ex-diretor do SBT, Luciano Callegari conta histórias de Silvio Santos por trás das câmeras

Quando nós fomos outorgados como aquelas emissoras da TV Tupi de São Paulo, o Canal 5 de Porto Alegre, TV Marajoara de Belém e o Canal 9 do Rio de Janeiro, nós fomos pro ar no dia da assinatura do contrato. O Silvio estava assinando em Brasília e nós estávamos entrando no ar com o SBT. Isso foi uma coisa que jamais aconteceu na história. Quando as emissoras de televisão são outorgadas têm até dois anos para colocar no ar. O Silvio assinou e a emissora começou.

O Boni deve ter ficado preocupado com a saída do Silvio Santos da Globo. Jogou uma programação em cima. Jogou o Moacyr Franco e Pepita Rodrigues pra fazer um programa em cima do nosso logo em seguida e mais alguma coisa que eu não lembro.

O que me assustou e que me fez começar uma briga eterna com Carlos Augusto Montenegro (presidente do Ibope na época) foi o fato que, logo na semana seguinte, a Globo com um programa que nunca ninguém tinha visto, estava dando uma audiência que não deveria ter. Ela já estava com uma audiência boa e que jamais deveria ter. Eu comecei a brigar com Montenegro e ele falava, mas não explicava nada.

A gente ficava sabendo que, na época, o resultado do Ibope saia no dia seguinte. Quando chegava no domingo, não saia na segunda-feira. Todo mundo no Rio de Janeiro dizia que o Montenegro apresentava primeiro para o Boni para depois divulgar. Por que será que só saia no final da tarde? O Ibope foi fundado por um peruano, cubano, sei lá. Todos esses caras eram amigos do Boni. Se eram amigos mesmo, não acha que acontecia isso?

Por mais que a gente brigasse com o Ibope, nunca deu resultado porque o mercado publicitário sempre esteve a favor deles. Como os números do Ibope já eram todos mastigados para as agências, elas não queriam problema, já ganhava dinheiro deles de qualquer maneira. As agências nunca quiseram entrar nessa briga.

Pássaros Feridos após a novela da Globo

O Silvio sabia da realidade de combater a novela da Globo naquela época (década de 80). Qualquer coisa que você jogava em cima da novela, você estava queimando porque ninguém iria deixar de seguir a novela para assistir qualquer coisa. Então, o Silvio usava sempre que deixaria a novela acabar.

A Globo aumentava a novela, com mais um bloco, pra ver o que a gente ira fazer. E botávamos o Pica-Pau, o Tom e Jerry e colocava "aguardem Pássaros Feridos". Se a Globo colocasse dois capítulos de novela seguidos, ele ia com desenho até acabar a novela. Acho que era uma coisa inteligente.

Você não pode pegar um produto de sucesso, como foi Pássaros Feridos, e jogar em cima da novela porque jamais Pássaros Feridos ganharia da novela. A novela dava uma audiência gigantesca. Sempre quando acontecia algo, ou alguma coisa especial, a gente sempre fazia o possível para fugir da novela, porque a novela sempre foi imbatível.

Era um gol. Era uma vitória. Pássaros Feridos foi um exemplo de uma coisa extraordinária. Uma história que agradou demasiadamente o público. Você saia de 8 pontos, para 18, 25, 27 pontos. Era uma coisa incrível. Para nós, o Ibope (alto) sempre foi comemorado.

Nós tivemos até uma sorte. Naquela época, a gente, na verdade, teve até um engano ali da minha parte sobre a despedida do Pelé do Cosmos. Então por intermédio do empresário, nos antecipamos e compramos os direitos de transmissão exatamente no dia da estreia do canal 11 do Rio de Janeiro.

A consolidação da grade do SBT

Nunca tive dúvidas do sucesso do SBT. Eu cheguei a ser fanático por televisão, até mais que o Silvio. Eu torcia muito mais que ele. Claro que ele sempre ficava com uma dúvida e eu sempre falava: "não, vamos fazer. Temos que fazer. Nós vamos conseguir". Realmente nós tínhamos uma equipe mínima e fazíamos milagres.

Então quando aparecia alguma coisa pra fazer, quando a Globo esticou nosso programa até 18h, Silvio se perguntou como ia fazer. Eu falei com ele para criar uma ideia, que eu contrataria diretores, pessoas necessárias. Nossa carpintaria, às vezes, trabalhava 24 horas para fazer cenário que ia estrear no dia seguinte. A gente trabalhava 16 horas por dia, não era brincadeira.

O Silvio também não saia do papel dele, escrevendo tudo o que ele queria e depois passava por telefone pra mim. Telefone é um terror. Hoje eu tenho celular, mas naquela época era 3, 4 horas no telefone.

Nós fizemos tantos programas. O Silvio muda muito de ideia, e quando acontecia isso, ele quer a ideia dele para o dia seguinte. Quando ele tem uma ideia na cabeça, ele fica sonhando como seria aquilo.

O Programa Silvio Santos foi o que carregou o SBT em seu início. Agora, eu acho que os programas infantis foram também muito importantes, porque os programas infantis tomaram conta das manhãs da televisão. Tivemos o Bozo, Mara, Angélica, Eliana e toda parte infantil segurou a criançada na manhã durante muito tempo. Foi uma parte forte porque a criançada daquela época passou a ser o telespectador da geração seguinte.

Também depois tivemos o jornalismo. O primeiro que tivemos foi com o Boris Casoy. Contratei também algumas pessoas da Globo como o Heraldo Pereira, Celso Teixeira e o Roberto Cabrini cobrindo o esporte. Depois do TJ Brasil, lançamos o Aqui Agora, que foi uma marca fortíssima no SBT. Então, quando nós completamos o jornalismo com esses programas, basicamente tínhamos a espinha dorsal do SBT.

Depois tivemos outros programas como Jô Soares Onze e Meia, A Praça é Nossa, Gugu, Hebe... Não vou lembrar de todos. Era uma programação competitiva. Depois que eu contratei o Nilton Travesso, aí começamos a montar as cidades cenográficas e fazer novelas, como Éramos Seis e Sangue do Meu Sangue. Éramos Seis, por exemplo, foi um sucesso tão grande que a Globo fez a versão dela há pouco tempo.

A saída do SBT

Ex-diretor do SBT, Luciano Callegari conta histórias de Silvio Santos por trás das câmeras

Eu pedi para sair do SBT no inicio dos anos 2000 porque eu já estava há muito tempo e tal, e eu estava começando a ficar meio desgostoso com algumas contratações do Silvio para algumas áreas porque eu sabia que as pessoas não eram boas, eram oportunistas, não sabiam de nada. Isso me aborreceu muito. Achei pesado. Não que isso afetasse a minha função de maneira nenhuma.

Como a gente lutava pelo SBT e estava indo muito bem financeiramente, como sou italiano, não deixo de dizer as coisas. Eu falo e não adianta, ninguém me segura. Falava com ele: "Nossa, você está contratando só esses picaretas". As coisas foram ficando muito estranhas, aí achei que chegou a hora e eu estava esgotado.

Eu sei que um dia a gente discutiu e falei que ia sair e falei: "ah Silvio, eu vou sair, aí você faz o que você quiser. Você tem todo direito, o SBT é todo teu, você coloca os seus amiguinhos, e tudo bem. Não vou encher mais seu saco. Eu quero ir embora. Você me paga o resto do contrato e vou embora, senão a gente vai brigar mais. Porque vamos brigar mais? Estamos há 47 anos, estamos ficando velhos e vamos brigar mais ainda". Na verdade, não foi só isso, foram várias coisas. E foi assim que aconteceu.

Fui passar um tempo nos Estados Unidos, mas esse tipo de desavença profissional não elimina todos os anos que nós vivemos muito bem. Somos amigos de fato, família, tudo. A gente se dava muito bem. A gente discutia, mas cinco minutos depois acabou, ficava tudo bem.

Acho que minha vida foi muito boa, não posso me queixar, foi excelente. Poucas pessoas tiveram o privilégio de ter uma vida como a minha. Não digo financeiramente, mas é aquilo que gosta de fazer. Os amigos que consegui, os artistas que conheci... Foi algo que eu jamais vou negar. Tudo isso eu devo a ele, afinal de contas eu trabalha pra ele. Essa desavença da minha saída foi algo normal. Chega num ponto que você vê que não dá mais, que tem que parar.

Fiquei dois anos nos Estados Unidos, quando o pessoal da Record começou a ligar pra mim. Falei "puta que pariu". Eles me encheram tanto que, como é difícil ficar longe da sua terra, ainda mais nos Estados Unidos, a minha mulher também concordou e voltamos. Foi então que assinei com a Record por quatro anos. O Edir (Macedo) me atendeu muito bem, em um almoço com todos os bispos. Foram muito gentis.

Na verdade, a Record, com minha contratação, eles queriam mudar a cara da emissora, que, naquela época, era vista como uma igreja. Eles sabiam que eu ia levar gente de televisão. De cara, eu levei o Walter Zagari que estava desempregado porque tinha brigado com o Silvio. Contratei outras várias pessoas das áreas porque só tinha cara da igreja, não dava como ir pra frente aquilo lá. Foi quando o mercado começou a abrir os olhos para a Record e ver que ela estava fazendo uma televisão de verdade, foi quando ela começou a se levantar.

O legado de Silvio Santos para televisão

O Silvio deixa como legado a própria televisão. Deixa um legado de time, você tem que sonhar e trabalhar porquê você chega lá. Na verdade, nós construímos uma coisa muito difícil de construir e deixamos aí uma rede de televisão que emprega muitos profissionais.

Eu acho o Boni a pessoa mais importante de televisão que esse país já teve. Ele fez a TV virar uma TV profissional, claro que o Roberto Marinho em primeiro lugar porque investiu em tudo que é de primeira linha. Se temos hoje a TV Globo como uma das quatro maiores redes do mundo, deve parte ao Roberto Marinho e ao Boni porque depois dele fomos obrigados a fazer igual, tivemos que melhorar para poder concorrer.  Acho que com o tempo esse padrão de qualidade errou por não ter mudado antes, porque a televisão tem que ser a cara do povo. Acho que nós conseguimos desde o início isso. 


Mais Notícias

Enviar notícia por e-mail


Compartilhe com um amigo


Reportar erro


Descreva o problema encontrado