"Segundo Sol" reforça intolerância contra candomblé e umbanda; Globo se pronuncia
Na novela, Laureta faz ritual após a morte de Remy
Publicado em 12/09/2018 às 09:26
É correto dizer que a empolgação que se tinha com "Segundo Sol" em seu início morreu, principalmente do fim de junho para cá. A novela de João Emanuel Carneiro rodou em círculos e mostrou ter uma trama central igual aquela fala clássica de Renata Vasconcellos no "JN": coxa, capenga, manca, anêmica, frágil e inconsistente.
Mas no capítulo de segunda-feira (10), onde Remy (Vladimir Brichta) foi morto, algo chamou atenção. Logo após o assassinato do vilão, Laureta (Adriana Esteves) decide fazer uma sessão de agradecimento aos orixás.
O grande problema é que a cena é questionável do início ao fim. Do nada, Laureta fica maluca e não fala coisa com coisa. Mas isso é o de menos. A cena deixa claro que ela agradece ao orixás do candomblé por, supostamente, ter conseguido sua graça pela morte de Remy.
João Emanuel Carneiro está longe de ser expert em retratar minorias. Novamente em "Segundo Sol", ele faz uma espécie de cura gay, como ocorre na trama de Maura (Nanda Costa) e Ionan (Armando Babaioff). Ele gosta de estereótipos, por algum motivo que não sabemos entender.
Na cena específica de Laureta, a novela reforçou um argumento que já existe sobre o candomblé e a umbanda, e faz tempo: a que ela só busca o mal das pessoas. E vindo de uma história que se passa na Bahia, a cena beira a ofensa.
No estado nordestino, o candomblé e a umbanda são a terceira religião mais seguida, perdendo apenas para a catolicismo e a evangélica. Não à toa, muita gente se manifestou contra a retratação, se sentindo ofendida com o que aconteceu.
Procuramos a Globo para enviar uma posição sobre a cena, e a Comunicação do canal disse o seguinte: "Na cena, Laureta pede proteção aos astros, espíritos, orixás... a todo o além, sem se referir a nenhuma religião especificamente. Além de ressaltar, como registramos ao final de cada capítulo, que novelas são obras de ficção, vale ainda destacar que Laureta é uma vilã, dona, portanto, de várias atitudes reprováveis que só fazem sentido no contexto da dramaturgia".
Entendo a postura da Globo de dizer que isso só se faz sentido na ficção, mas quem viu a sequência notou que se tratava claramente de uma religião de matriz africana. "Segundo Sol" é a maior audiência da TV brasileira, e se não serve para educar, também não pode deseducar.
O fato é que "Segundo Sol" é uma bombinha em forma de novela. Apesar da competente e segura direção de Dennis Carvalho e Maria de Médicis, e de boas atuações como as de Emílio Dantas e Letícia Colin, a trama vacila quando precisa ousar. Um erro imperdoável se tratando de seu autor, que ousou tanto no passado. O mesmo autor de "Avenida Brasil" e "A Favorita" parece ser um cosplay dele mesmo na sua atual obra. Uma pena.