Os bastidores de Sintonia, tão interessante quanto a série
Publicado em 23/10/2019 às 09:51
O nome dele é Konrad Cunha Dantas, mas é mais provável que você o conheça simplesmente como kondZilla. Ou será que você só achava que Kondzilla era uma marca? E não uma pessoa física? Filho de um pedreiro e de uma funcionária pública, Konrad, Kondzilla, ou para os íntimos, "o Kond", foi nascido e criado na comunidade Vila Santo Antônio, localizada na cidade paulista de Guarujá. Quando a sua mãe morreu por causa de um aneurisma cerebral, Konrad passou a receber uma pensão de R$ 1.600 por mês.
"Era agora ou nunca", ele pensou. Com o dinheiro da pensão, ele decidiu cumprir a promessa que ele tinha feito à sua mãe - de virar um cineasta. E se lançou dirigindo clipes caseiros de funk e, numa daquelas coisas do destino, se tornou cinegrafista da banda Charlie Brown Jr.
Mas o tempo passou, e Kond foi pegando as oportunidades. Ele se tornou o responsável por um dos maiores canais de YouTube do mundo - fazendo de seus clipes de funk, um verdadeiro império. Mais do que uma assinatura, "kondZilla" passou a ser um dos maiores representantes da cultura periférica brasileira.
Hoje em dia, kondZilla é uma marca que engloba vários setores - é uma plataforma de jornalismo, uma loja de roupa, uma gravadora, uma agência de publicidade, e é claro, uma produtora de conteúdo audiovisual. E se o plano é uma penetração total na cultura pop, era só questão de tempo até a kondZilla virar série em serviço de streaming.
Sintonia é uma série sobre três jovens que estão tentando realizar os seus sonhos na periferia de São Paulo. Doni, Rita, e Nando são amigos de infância que, como o titulo diz, compartilha uma única "sintonia". Donizete, ou MC Doni, sonha em ser um MC de Funk, enquanto Nando, um precoce pai de família, acaba se enveredando na vida do crime. Rita que faz os seus corres para morar sozinha, batalha para sobreviver no dia a dia – por causa de um incidente logo no começo da série, ela se vê envolvida com uma instituição que ela não esperava se envolver tão cedo - a igreja evangélica.
E, assim, a série acaba formando três núcleos narrativos: o funk, o crime, e a igreja - algumas das saídas mais óbvias de uma vida difícil na quebrada. E uma das coisas mais interessantes de Sintonia é ver como esses ambientes e personagens se entrelaçam. O funk é, naturalmente, o fio condutor da série. Mas você não precisa ser um fã particular do ritmo musical para curtir a história tensa e humana de Sintonia.
A vontade do kondZilla de fazer esse conteúdo veio do fato que, apesar das comunidades periféricas consumirem muitas séries de televisão, o Kond achava que estava faltando uma série sobre a favela, feita por ela mesmo. A primeira temporada, de seis episódios, foi filmada durante 50 dias em São Paulo.
Os roteiros foram construídos com base em muita vivência pessoal de seus colaboradores - desde os eventos que acontecem, até as gírias faladas pelos personagens. E se você ficar de olho, você vai ver várias personalidades do funk dando as caras pela série - tipo o MC Kevinho e o MC Hollywood.
O próprio ator que interpreta o MC Doni é o MC Jottapê, um funqueiro que teve a sua ascensão como um artista do Kondzilla, lá em 2017. Ou seja, foi a escolha perfeita para o papel.
Cristian Malheiros, o ator que interpreta o Nando na série, está dando o que falar no mundo do cinema. Antes de Sintonia, ele interpretou o jovem Sócrates no filme de Alex Moratto. Um filme tenso e dramático regido completamente pela performance de Malheiros, o filme chegou a concorrer a alguns prêmios no Independent Spirit Awards, uma premiação que se equivale a tipo um Oscar do cinema independente.
Não precisa nem dizer que ele tirou de letra o personagem do Nando, que é responsável pelas cenas mais tensas da série.
Completando essa trinca de ases, Sintonia revela para o grande público a talentosa Bruna Mascarenhas, que faz o papel de Rita. É difícil de acreditar, mas é o primeiro papel de expressão nacional da atriz, que, na verdade, é de Niterói, e foi escalada duas semanas antes do começo das filmagens. Uma das partes mais difíceis, segundo ela mesma, foi pegar o sotaque. Mas, como dá pra ver na série, ficou imperceptível.
O que começou com uma ideia de um curta-metragem do Kondzilla, sobre como três jovens da periferia se viravam pra comprar um tênis de mil reais, virou o começo de uma saga de favela que, com certeza, vai dar muito o que falar.
Uma das frases que o Kondzilla gosta de usar quando ele termina as suas apresentações é "A Favela Venceu". Com a sua série, "Sintonia" sendo exibida em 190 países é difícil não concordar com essa afirmação vitoriosa.
Das quebradas de São Paulo para o resto o mundo, Sintonia é uma série leve, acessível, e extremamente viciante – uma extensão natural dos vídeos com milhões de visualizações em seu canal no YouTube.
SÉRIE: Sintonia
DIREÇÃO: Guilherme Quintella, Felipe Braga, Konrad Dantas
ONDE ASSISTIR: Netflix