Retrospectiva NT

2018: um ano pouco produtivo para a teledramaturgia brasileira

Colunista analisa 2018 no ramo das novelas e séries nesta Retrospectiva NT


Karola e Laureta em Segundo Sol
Novela de João Emanuel Carneiro teve seu roteiro criticado - Fotos: Divulgação

Enquanto a temporada de 2017 foi bastante rica para as telenovelas, com tramas de sucesso em todos os horários, boas histórias e audiências generosas, a safra deste ano não foi tão boa assim. Boa parte das histórias exibidas este ano ou desandou pela falta de qualidade ou falhou em pretensões ambiciosas, com raras exceções. Em compensação, as séries ganharam investimentos cada vez maiores e, com isto ocuparam lugar de destaque entre as produções de 2018.

Para começar esta retrospectiva, vamos ao símbolo maior desta instabilidade novelística: “Malhação – Vidas Brasileiras”. Com o fardo de substituir a aclamada “Viva a Diferença”, de Cao Hamburger, a temporada assinada por Patrícia Moretzsohn se iniciou em março buscando inspiração na série canadense “30 Vies”, indicada em várias edições do Emmy, e adotando o foco no protagonismo de uma adulta (a professora Gabriela, vivida por Camila Morgado).

Sabia-se que a atual temporada não conseguiria repetir a qualidade da antecessora. No entanto, o enredo fraquíssimo e rasteiro de Moretzsohn conseguiu ir além (ou aquém): conseguiu a proeza de se tornar a pior edição da história da novelinha juvenil. O formato quinzenal de rodízio entre os jovens não funcionou (os problemas surgem do nada e se resolvem magicamente), os personagens mudam de personalidade de acordo com a conveniência do roteiro, o elenco jovem não dá conta do recado – com raríssimas exceções e a própria professora é vista como uma obcecada. A cada semana, a audiência cai mais e mais, a ponto de nos últimos meses ficar em segundo lugar na média geral, atrás do policialesco “Cidade Alerta”, da Record TV.

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O fracasso de “Vidas Brasileiras” por pouco não prejudicou totalmente “Orgulho e Paixão”, a novela mais consistente da atual safra. Baseada nas obras da escritora inglesa Jane Austen, a trama de Marcos Bernstein sucedeu “Tempo de Amar”, de Alcides Nogueira e Bia Corrêa do Lago – iniciada em setembro de 2017 e encerrada no fim de março.

Com um enredo mais dinâmico, solar e ágil, em contraponto ao formalismo e ao ritmo arrastado da antecessora; “Orgulho” construiu uma simpática trajetória, apostando em romantismo, comédia e boas doses de adrenalina, rendendo ótimos desempenhos de atores como Nathalia Dill, Agatha Moreira, Vera Holtz, Rodrigo Simas, Ary Fontoura, Thiago Lacerda, Natália do Vale, Christine Fernandes e especialmente Gabriela Duarte, que ganhou seu melhor papel em anos.Mesmo fechando com dois pontos a menos que a anterior – prejudicada especialmente pelo horário político; “Orgulho e Paixão” conseguia fazer milagres na audiência, apresentando generosas elevações em relação à baixa entrega de "Malhação".

A atual trama das seis, “Espelho da Vida”, não mantém a mesma sorte. Apesar da ousada história proposta por Elizabeth Jhin – mesclando passado e presente em um mesmo ciclo – e do inspirado elenco, no qual brilham Alinne Moraes, Irene Ravache, Felipe Camargo, Suzana Faini, Ana Lucia Torre e a já citada Vitória Strada, entre outros; a novela demorou a pegar ritmo. O excesso de lentidão, aliado ao período eleitoral, o fracasso de Vidas Brasileiras e o horário de verão, fizeram com que a novela das seis também amargasse, em alguns dias, o segundo lugar. De certa forma, é uma pena, pois no atual momento, é a trama que tem algo mais a contar em termos de história.

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Às 19h, “Deus Salve o Rei” foi a primeira novela a estrear rigorosamente em 2018. Encarada como uma das grandes apostas da Globo, graças à sua suntuosa produção e riqueza de detalhes, a trama de Daniel Adjafre decepcionou por sua falta de história. Embora nos meses iniciais muito se falasse sobre a problemática interpretação de Bruna Marquezine (a vilã Catarina) – apontada como robótica em excesso –, a trama sofria com outros problemas, como a antipatia dos protagonistas Amália (Marina Ruy Barbosa) e Afonso (Rômulo Estrela), a falta de função de alguns núcleos e o ritmo lento.

Com a entrada de Ricardo Linhares, a trama ganhou agilidade e passou a apostar em mais cenas de ação – e Bruna mudou sua linha de atuação, protagonizando grandes cenas, como as do julgamento final onde Catarina é condenada à forca. Mas já era tarde. A novela de Adjafre não conseguiu repetir os bons índices da insossa antecessora “Pega Pega”.

O título atual em cartaz na faixa, “O Tempo Não Para”, de Mário Teixeira, embora bem menos pretensioso artisticamente, também tinha lá sua ousadia: a ideia de uma família do século XIX que é congelada em um naufrágio e acorda em 2018, tendo que se adaptar aos costumes e à vida moderna. Entretanto, com o perdão do trocadilho, “o tempo parou”. O trunfo logo se perdeu à medida que os personagens foram se adaptando e a trama parece não ter mais nada pra contar, já que o casal formado por Marocas (Juliana Paiva) e Samuca (Nicolas Prattes) já conseguiu resolver sua vida. Vale pelo destaque dado a Edson Celulari como o divertido Dom Sabino, valorizado como há muito não se via.

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No horário das nove, “O Outro Lado do Paraíso” adentrava 2018 bem embalada com a concretização da vingança de Clara (Bianca Bin) contra seus inimigos. No entanto, o que parecia caminhar pelo suspense em sua primeira fase virou um quase completo show de humor involuntário e situações constrangedoras – que contaram com a cumplicidade da audiência e, bem ou mal, provaram o raro poder de Walcyr Carrasco de ter o seu público nas mãos e vender bem seus produtos, por piores que os mesmos sejam.

As altas doses de vergonha alheia coexistiram com atores em estado de graça, como Marieta Severo, Thiago Fragoso, Fernanda Montenegro, Laura Cardoso, Lima Duarte, Bella Piero e Fernanda Rodrigues, para citar alguns exemplos. Este conjunto rendeu uma média de 38 pontos, a melhor desde “Avenida Brasil”, mantendo em alta uma faixa que havia se reerguido com a aclamada “A Força do Querer”, de Glória Perez (com 36 pontos).

No entanto, tudo começou a desmoronar com sua sucessora “Segundo Sol”. A novela de João Emanuel Carneiro propunha um flerte com o novelão mais tradicional, em contraponto com a imagem inovadora associada ao autor. Colocada em xeque pela pouca representatividade de atores negros – em função de ser ambientada na Bahia –, a trama chegou a empolgar em seu início, mas logo perdeu força à medida que a mocinha Luzia (Giovanna Antonelli) irritava pela passividade em relação às vilãs Laureta (Adriana Esteves) e Karola (Deborah Secco). Já o protagonista, o cantor de axé Beto Falcão (Emílio Dantas), que virava ídolo do nada após uma notícia anunciando sua morte, viu sua trama “morrer” mais cedo do que o previsto. Coadjuvantes roubaram a cena, como a família problemática família de Severo (Odilon Wagner) e a prostituta Rosa (Letícia Colin), mas não impediram que o enredo de JEC decepcionasse, derrubando 5 pontos da trama de Walcyr.

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Para piorar, “O Sétimo Guardião”, controverso título de Aguinaldo Silva, vem agravando ainda mais a situação. Apesar de estar há menos de dois meses no ar, a novela – objeto de uma briga judicial entre o autor e alunos de seu curso de roteiro – não consegue promover um diálogo harmonioso entre o texto popularesco do dramaturgo e a direção cult de Rogério Gomes. O casal protagonista é irritante, alguns núcleos constrangem (como o do delegado Machado – Milhem Cortaz) e a falta de ritmo faz o espectador se cansar. No entanto, ainda há muito tempo pela frente para que a trama consiga encontrar algum rumo.

A faixa das 23h, que foi rebatizada em definitivo de “supersérie”, recebeu novamente George Moura e Sérgio Goldenberg, desta vez com a inédita “Onde Nascem os Fortes” – produzida pelos mesmos autores 4 anos após o remake de “O Rebu”. Ambientada no sertão da Paraíba, a trama foi elogiada pelos impecáveis desempenhos de Fábio Assunção (como o juiz e assassino Ramiro), Jesuíta Barbosa (brilhante na composição de Ramirinho, que se travestia como Shakira do Sertão escondido do pai), Alice Wegmann (fantástica na pele de Maria, uma heroína justiceira); Patrícia Pillar, Débora Bloch e Alexandre Nero (um trio de pura competência); mas chegou a cansar no meio do percurso em função da demora para a resolução do mistério da morte de Nonato (Marco Pigossi), irmão de Maria.

Na concorrência, os ventos mais uma vez sorriram a favor do SBT e nem mesmo as longas durações parecem abalar o sucesso das histórias infantis. A atual, “As Aventuras de Poliana”, tem previsão de chegar até 700 capítulos e começou batendo recordes atrás de recordes. A adorável saga da menina vivida por Sophia Valverde, que tem como costume sempre enxergar o lado bom das coisas, conquistou um forte público fiel e nem mesmo a substituição de Milena Toscano por Thaís Melchior no papel da Tia Luísa – uma péssima ideia do SBT, não pelas atrizes, mas pela resolução rasa em virtude da gravidez de Milena – conseguiu diminuir a força da história.

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Já a Record TV viveu um de seus anos mais apagados em matéria de teledramaturgia. “Apocalipse”, ousadíssimo projeto que propunha levar a mensagem bíblica através dos acontecimentos atuais, sofreu pesadas intervenções da Igreja Universal, controladora da emissora, que custaram até mesmo a saída da autora Vivian de Oliveira. Por sua vez, “Jesus”, que ainda está em exibição, embora não seja um fracasso absoluto, não conseguiu empolgar, mesmo com o forte apelo da história do filho de Deus.

O canal Viva, por sua vez, viveu um de seus anos mais conturbados e o estopim para isto foram os cortes repentinos em “Bebê a Bordo” (1988), de Carlos Lombardi, que irritaram os espectadores da emissora de reprises em função da baixa audiência; e as repentinas substituições de estreias previamente anunciadas: as clássicas “Roda de Fogo” (Lauro César Muniz, 1986) e “Brega e Chique” (Cassiano Gabus Mendes, 1987) foram substituídas por “A Indomada” (1997) – símbolo do realismo fantástico de Aguinaldo Silva – e por uma re-reprise da icônica “Vale Tudo” (1988-89), que completou 30 anos de existência este ano e mais uma vez provou porque é tão aclamada e atual.

Completaram o ano do canal as reprises das temporadas 2006 e 2007 de Malhação, que sinalizam um claro desgaste na fórmula do período “Múltipla Escolha” – a ponto de a “atual” edição ter sido encurtada em três meses na época, mesmo com nomes como Rômulo Neto, Klebber Toledo, Fiorella Mattheis e Giovanna Ewbank seguindo na carreira artística. Curiosamente, mesmo desgastadas, as temporadas ainda conseguem ser mais tragáveis que a atual em exibição na Globo aberta.

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Se nas TVs abertas e no cabo 2018 não foi tão generoso para as novelas, no campo das séries o cenário foi quase totalmente diferente. Disposta a brigar em pé de igualdade com a Netflix – que apresentou a polêmica “O Mecanismo”, baseada na Operação Lava Jato, e a divertida “Samantha”, sátira dos programas infantis dos anos 80 –, a Globo investiu pesado em produções próprias para o Globoplay. O maior destes acertos atende pelo nome de “Assédio”, série de Maria Camargo dirigida por Amora Mautner que destrinchou a saga criminosa de Roger Abdelmassih pelo ponto de vista de cinco mulheres vítimas do médico – ficcionalmente apresentado como Roger Sadala (Antônio Calloni) –, que se unem para buscar justiça após serem cruelmente violentadas pelo asqueroso e poderoso ex-ginecologista.

O diálogo entre o texto impactante da autora e a direção de Amora rendeu interpretações dignas de aplausos, como Antônio Calloni, Adriana Esteves – que dominou especialmente os primeiros capítulos; Jéssica Ellen, Paula Possani, Paolla Oliveira – que vive Carolina, inspirada na atual esposa de Abdelmassih –; Hermila Guedes e Elisa Volpatto – cuja personagem, a jornalista Mira, busca retratar a história destas vítimas e levar a público os crimes cometidos pelo ex-médico.

Outra produção digna de elogios é “Ilha de Ferro”, baseada no roteiro do escritor Max Mallmann (falecido em 2016) e finalizada por sua esposa, Adriana Lunardi. Também exclusiva do GloboPlay, a série retrata a tensão, em todos os sentidos, no ambiente de uma plataforma de petróleo no mar através de seu protagonista Dante (Cauã Reymond), que vive uma relação conturbada com a esposa Leona (Sophie Charlotte, em impecável composição) e se envolve com Júlia (Maria Casadevall), nova supervisora da plataforma. Embora em alguns momentos arrastada, a série chama a atenção pela densidade dos conflitos, quase sempre beirando à explosão, além da avassaladora química de Cauã com suas parceiras de cena.

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Já na Globo aberta, “Sob Pressão” mais uma vez fez por merecer os elogios já conquistados na primeira temporada. E, na nova edição, adentrou ainda mais fundo na questão da corrupção, através da participação de Fernanda Torres como a ambiciosa Renata e Humberto Carrão como Henrique, um médico irresponsável que participa do esquema liderado por ela, que superfatura o hospital com equipamentos caríssimos mas deixa de investir em materiais básicos, o que causa consequências irreversíveis para os pacientes. A equipe de médicos liderada por Evandro (Júlio Andrade) e Carolina (Marjorie Estiano) esteve ainda mais aguerrida, mesmo com o hospital “sangrando” por dentro – uma grande sacada da série de Jorge Furtado (autor), Andrucha Waddington e Mini Kerti (diretores).

Antes, no começo do ano, “Entre Irmãs” (adaptada do filme homônimo, baseada no livro de Frances de Pontes-Peebles) encantou pela emocionante relação das irmãs Emília (Marjorie Estiano) e Luzia (Nanda Costa), separadas por diferentes destinos, mas muito ligadas uma à outra – a primeira se casou e foi morar na Recife dos anos 30, enquanto a outra se envolveu com um perigoso cangaceiro e se juntou a seu bando, sendo caçada pela polícia da época. E “Treze Dias Longe do Sol” (de Elena Suarez e Luciano Moura, em co-produção com a O2 Filmes) propôs discutir até onde os limites do ser humano podem ir através da trajetória de sobreviventes do desabamento de um prédio mal construído, com materiais de baixa qualidade e mão-de-obra não qualificada.

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2018, por tudo que apresentou para a teledramaturgia, não foi um ano generoso para as novelas. Na maioria de suas produções, os defeitos foram maiores que as qualidades e a recepção do público, de certa forma, pareceu refletir esses cenários negativos. Ainda assim, o produto novela como um todo está longe de perder o fôlego. Muito pelo contrário. As séries, embora tenham evoluído bastante e sinalizem novos caminhos para uma boa dramaturgia brasileira, não acabaram e nem acabarão com o folhetim tradicional.

Fica a esperança para que 2019, com “Verão 90”, “Órfãos da Terra”, “Nos Tempos do Imperador”, “Bom Sucesso”, “Dias Felizes” e “Topíssima”, entre outros projetos, tragam uma safra mais inspirada e atraente.

Boa sorte a todos e um Feliz 2019, repleto de paz, alegria, saúde e sucesso, para todos os nossos leitores!

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