Adeus

Rita Lee nos ensinou que toda mulher quer ser amada e a alegria alheia incomoda

Rainha do rock deixa como legado poesia em forma de canções


Foto de Rita Lee sorrindo e segurando um coração
Rita Lee morreu vítima de câncer na última segunda-feira (08) - Foto: Divulgação

A partida de Rita Lee é uma grande perda não só para a família, os amigos e fãs da rainha do rock, mas para todas as gerações, passadas e aquelas que ainda estão por vir. Isso porque essa grande artista era capaz de transformar poesia em música. "Mulher é bicho esquisito, todo mês sangra. Um sexto sentido maior que a razão. Gata borralheira, você é princesa. Dondoca é uma espécie em extinção."

O ano era 1982 quando a cantora lançou com o parceiro de vida, Roberto de Carvalho, Cor-de-Rosa-Choque. A música que derrubava o mito do sexo frágil foi tema de abertura do TV Mulher, um dos programas mais importantes da televisão brasileira. 

Pioneiro em pautas sobre o universo feminino, mas com um olhar bem mais aprofundado do que a cor do batom do momento ou o eletrodoméstico mais potente, a atração original tinha Marília Gabriela como apresentadora e a participação de nomes como a sexóloga Marta Suplicy, a astróloga Leiloca e o estilista Clodovil Hernandez.

Esta, talvez, tenha sido a primeira música da Rita que eu conheci, provavelmente por causa do programa exibido pela Globo de 1980 a 1986, e que em algum momento da minha vida eu devo ter visto, tocando lá no fundo também minha vocação para o jornalismo. "Se a Deborah Kerr que o Gregory Peck. Não vou bancar o santinho. Minha garota é Mae West. Eu sou o Sheik Valentino."

Por outro lado, acredito que minha ligação com a cantora tenha se fortalecido mesmo com as novelas, outra grande paixão minha. Ao todo, foram cerca de 83 temas de personagens e 9 aberturas embaladas pela voz da roqueira. 

Te Contei (1978), Baila Comigo (1980), Sassaricando (1987) e A Próxima Vítima (1995) são apenas algumas delas, assim como Ti Ti Ti (1985), na voz da banda Metrô e Ando Meio Desligado, canção de Os Mutantes regravada pelo Pato Fu para Um Anjo Caiu do Céu (2001). 

A regravação mais recente foi Chega Mais (1979) na voz da cantora Céu embalando o casal de vilões Regina (Mel Lisboa) e Leonardo Gusmão (Ícaro Silva), em Cara e Coragem (2022).

Entre as minhas preferidas está Flagra!, tema de Final Feliz (1982). Criada por Hans Donner, a abertura era um recorte de cenas de beijos retiradas de  clássicos do cinema, outro xodó meu, como Um Passo da Eternidade (1954)  e Casablanca (1942), entre outros. 

Rita Lee: Quando a ovelha negra pode ser a melhor da família 

Rita Lee nos ensinou que toda mulher quer ser amada e a alegria alheia incomoda

Irreverente, feminista e revolucionária são apenas alguns dos muitos predicados para definir Rita Lee. Rainha do rock quando uma das poucas referências do gênero era Janis Joplin (1943-1970), a cantora falava sobre o amor como ninguém. Não aquele repressor, mas o que liberta. "Lá no reino de Afrodite o amor passa dos limites. Quem quiser que se habilite, o que não falta é apetite."

Taty Bruzzi

Com uma marca que chega a 55 milhões de discos vendidos, Rita Lee é a quarta artista brasileira mais bem sucedida, ficando atrás apenas de Tonico e Tinoco, Roberto Carlos e Nélson Gonçalves.  Um dos maiores sucessos da cantora com quase 60 anos de carreira, Ovelha Negra (1975) fez parte do álbum Fruto Proibido, que vendeu 200 mil cópias naquele ano. Considerada uma das obras-primas da artista, foi composta em forma de desabafo pela sua expulsão do grupo Os Mutantes. 

"Foi quando meu pai Me disse: Filha, você é a Ovelha Negra. Da família. Agora é hora de você assumir. Uh! Uh! E sumir!...". Quem nuca?

Hoje, me despeço de Rita Lee com aquele sentimento de frustração, porque a cantora entra para minha seleta lista de artistas que nunca tive o prazer de assistir a um show, ao lado de Raul Seixas, Cazuza e Cássia Eller. 

Mas trago comigo uma curiosidade sobre ela. No último período da faculdade, acompanhei uma amiga em uma entrevista com Nelson Motta sobre os Grandes Festivais de Música. O jornalista contou que estava com a letra Perigosa (1979) pronta, mas sentia que faltava algo, e pediu ajuda à amiga. "Eu vou fazer você ficar louco, muito louco, muito louco... 'Dentro de mim'". 

 A canção se tornou um grande sucesso na voz de As Frenéticas e, segundo Nelsinho, a Rita [Lee] fez toda a diferença. Então, vá em paz! Porque você fez diferença na vida de muita gente. Inclusive da minha. 

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