Pra Sempre Paquitas: Doc do Globoplay enterra sonho de toda uma geração
Série documental relata bastidor de abuso de poder e assédio moral contra assistentes de palco da Xuxa
Publicado em 20/09/2024 às 05:27,
atualizado em 20/09/2024 às 08:05
Pra Sempre Paquitas estreou no Globoplay na última segunda-feira (16). Produzido pelo Núcleo de Documentários dos Estúdios Globo, a série documental partiu da premissa de se contar as histórias das ex-assistentes de palco dos programas da Xuxa Meneghel na extinta Rede Manchete e na Globo.
Com direção e argumento da ex-paquita Ana Paula Guimarães, e argumento de Tatiana Maranhão, ex-paquita e assessora da apresentadora, o doc abre o baú da nostalgia de toda uma geração que cresceu à frente da televisão assistindo à rainha dos baixinhos.
Totalizando cinco episódios, a produção passeia pelos bastidores das atrações apresentadas por Xuxa sob a direção de Marlene Mattos, do final dos anos 1980 até o início dos anos 2000. O rompimento oficial ocorreu em 2002, durante gravação do Planeta Xuxa.
O primeiro episódio aborda a estreia da ex-modelo como apresentadora do Clube da Criança. Se tratando de um programa infantil, percebeu-se de cara que ela, ainda muito jovem, precisava da ajuda de alguém para controlar as crianças no palco. Nascia ali a primeira Paquita, Andréa Veiga.
Com a mudança de Xuxa para a Globo, o Xou da Xuxa exigia uma equipe ainda maior. Andréa Faria (Xiquita), Ana Paula Guimarães (Catuxa) e Louise Wischermann (Pituxa) se juntaram a Paca, formando o primeiro quarteto de Paquitas e oficializando o cargo no mercado.
O fenômeno Xuxa não demorou a estourar e conforme a apresentadora crescia profissionalmente suas assistentes de palco precisavam acompanhá-la para todos os lugares, aumentando as responsabilidades e as cobranças.
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De repente, as paquitas se tornaram sombra da apresentadora, saindo dos palcos do Teatro Fênix, na zona Sul do Rio, para estádios, casas de shows, clubes espalhados por todo o Brasil.
Com a consolidação da marca Xuxa Produções no mercado audiovisual e fonográfico, e a popularização da rainha dos baixinhos pelo mundo, Marlene Mattos previu a necessidade de mais meninas para suprir a demanda.
Garotas cada vez mais jovens no papel de mini-paquitas, que ficariam à sombra das veteranas. A partir dali o que se viu foi mais do que uma profissão, mas um objetivo de vida por crianças que se identificavam com a Xuxa.
Todo mundo queria ser uma paquita, inclusive eu
Pra Sempre Paquitas abriu um baú de grandes recordações, boas e ruins, depoimentos, desabafos e relatos que chocam, que despertam um mix de sentimentos, levanta debates e discussões.
É isso o que se vê nas rodinhas de amigos, nos grupos do trabalhos, nas redes sociais desde que o Doc chegou à plataforma de streaming da Globo. Porque vai fundo nas emoções até de quem não viveu aquela época. Seguindo a história, aos poucos o grupo formado por oito meninas foi sofrendo com a rotatividade. Além da competição interna, muito natural no mercado de trabalho e, às vezes, até saudável, a cobrança foi ficando cada vez mais pesada.
Se engordar está fora, se não souber dançar ou cantar também. Broncas na frente de todos, assédio moral. A necessidade de mostrar todo o tempo que na vida todos nós somos substituíveis. Se isso já é duro quando se trata de um adulto, imagina na cabeça de meninas em processo de formação.
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Nenhuma conversa, diálogos não haviam. Só gritos ou o famoso silêncio que antecede o esporro. Medo, muito medo... Do fim de uma carreira, do encerramento do contrato, da falta que o salário faria dentro de casa, de decepcionar os pais, seus maiores incentivadores, de decepcionar a Xuxa.
Estamos falando de crianças que tiveram suas infâncias roubadas. Não porque foram obrigadas a trabalhar, até porque ser paquita não era um trabalho, era diversão no reino da fantasia. Mas onde estava a fada madrinha?
A própria Xuxa admitiu ter errado quando não enxergou o que aquelas meninas estavam passando, quando colocou uma venda nos olhos e papéis assinados em branco nas mãos de quem ela mais confiava.
Das primeiras paquitas à geração 2000, todas passaram por algum tipo de constrangimento. Todas sentiram o peso do poder. E o mais dolorido nisso tudo é que como acontece com a maioria das pessoas que sofrem qualquer tipo de abuso, em algum momento elas naturalizam.
Eu até poderia entrar mais nesse assunto, mas não vou meter spoiler porque acho que todos deveriam assistir o documentário para tirar suas próprias conclusões e buscar reflexões, o que sempre é muito válido.
Mas sem amarras ou "pré-conceitos", e sim com o coração aberto porque essas meninas, hoje mulheres, já sofreram demais. Estamos falando de 30, 40 anos atrás, e de marcas que permanecem.
E pra quem disse que só estão execrando a diretora e esquecendo as coisas boas que ela fez. Como profissional é inegável que teve o bônus, pena que junto veio o ônus.
Ser paquita era o sonho de todas as meninas daquela geração, inclusive o meu. E o motivo era tão óbvio: estar perto da Xuxa. Mas que preço alto elas tiveram que pagar. Hoje, quem não conseguiu deve estar respirando aliviado e isso é triste demais.