3ª temporada de Sintonia é um oásis na Netflix Brasil
Série mostra que a plataforma sabe fazer coisa boa e levanta a pergunta: por que não faz?
Publicado em 16/07/2022 às 19:43
A Netflix Brasil não sabe fazer dramaturgia. Essa afirmação já foi dita várias vezes e em muitas situações diferentes, quase sempre uma dura crítica, mas real. Acontece que Sintonia, desde 2019, se mostrou ponto fora da curva da plataforma que costuma produzir séries que beiram o amadorismo no país e agora, com a terceira temporada liberada nesta semana, a afirmação passa a ser meia verdade.
A Netflix Brasil sabe fazer dramaturgia e Sintonia é a prova disso. A série da Kondzilla mostra uma maturidade que poucas séries brasileiras conseguem atingir ao longo de novas temporadas. Seja no texto, seja na evolução das personagens ou mesmo na produção, tudo cresceu e atingiu novo patamar na dramaturgia que teve apenas seis episódios, mas que prende a atenção do primeiro ao último minuto.
Se nos EUA a plataforma assombrou o mundo com o novo ano de Stranger Things, a Netflix parece investir todo seu talento em outros países, como a Coreia, com séries como Round 6, primeira produção de língua não-inglesa a ser indicada ao Emmy na história. No Brasil, éramos obrigados a suportar a falta de expertise com resultados constrangedores, como O Escolhido.
Mas Sintonia sempre foi um ponto fora da curva e desde a primeira temporada mostrou que a produtora sabe como e onde gastar o dinheiro, que anda curto pelas bandas da Netflix. Na nova leva de episódios os cenários são ainda mais realistas, e as locações ganharam ares ainda mais profissionais, mesmo quando gravados em veículos em movimentos, o que mesmo para emissoras de TV, é difícil fazer, exceção, claro, à Globo.
A narrativa dos três protagonistas cresceu e não ficou estacionada girando em torno do mesmo lugar como as séries brasileiras - mesmo as da Globo - costumam fazer. Qualquer produção com mais de uma temporada costuma compilar a mesma história e avançar muito pouco - dois exemplos claros são Sob Pressão, que narra os mesmos dramas todos os dias há anos ou mesmo Aruanas, a ótima produção do Globoplay, mas que não consegue fugir da própria narrativa, uma armadilha comum.
Nando (Christian Malheiros) passa longe de ser o mesmo da primeira temporada. Agora, como chefe do tráfico, ele tem outras nuances e outras características. Assim como Doni (Jottapê), que já não lembra nada o aspirante a funkeiro depois de chegar no topo. Rita (Bruna Mascarenhas) é a que mais mudou e amadureceu, agora como candidata a vereadora e evangélica, numa história cheia de nuances e com reviravoltas surpreendentes.
Em tempos de polarização, a produção acerta ao mostrar como a periferia resolve seus próprios problemas, muito longe dos olhos da lei. São muitos julgamentos ao longo da série - seja dentro de uma igreja evangélica - seja entre membros da comunidade ou mesmo entre bandidos e traficantes. Apenas um julgamento dentro da lei e o único que tem a sentença injusta. Uma sátira interessante do país.
Sintonia tem emoção, humor e muita tensão. A nova temporada tem pelo menos dois momentos em que só grandes séries podem proporcionar. O quarto episódio é uma obra-prima da narrativa dramatúrgica em que envolve o espectador em um emaranhado de emoções. E o último cria o exato gancho que séries sabem fazer - e que é diferente de novelas. Uma sensação de anticlímax que rui diante dos olhos do telespectador na última cena e deixa mil perguntas no ar.
Com Sintonia, a Netflix Brasil dá uma resposta importante: ela sabe fazer série boa, mas leva outra pergunta: por que não faz? A resposta seria, talvez, investir tudo na Kondzilla.