Volta de Ti Ti Ti é a garantia de rever personagem hilários num mundo que ficou chato
Novela tem personagens leves e que poderão cair no gosto do público
Publicado em 07/02/2021 às 07:00
A volta de Ti Ti Ti (2010) no Vale a Pena Ver de Novo, da Globo, representa muito mais que a escolha de uma boa novela para ocupar a faixa, hoje em uso pela excelente Laços de Família (2000). A trama, um remake de Maria Adelaide Amaral, que juntou as obras originais de Cassiano Gabus Mendes (1927-1993), Ti Ti Ti (1985) e Plumas e Paetês (1980), é a garantia do público para rever personagens hilários num momento em que a dramaturgia e o mundo ficaram chatos.
Quando a Globo anunciou que produziria o segundo remake da obra de Cassiano pelas mãos de Maria Adelaide Amaral (o primeiro foi em 1997 com Anjo Mau), houve muito burburinho por conta da possibilidade de se estragar uma obra icônica, mas não foi o que aconteceu e a produção foi um sucesso de crítica e audiência e, muito disso, por causa de personagens inesquecíveis criados pelo mestre do horário das 19h nos anos 80 e muito bem interpretados pela nova leva de atores escolhidos. E a reprise parece um acerto da nova direção do canal.
Um típico exemplo disso foi a dupla de protagonistas, Victor Valentim e Jacques Leclair, vividos por Murilo Benício e Alexandre Borges, respectivamente. O segundo, inclusive, assumiu seu papel mais diferenciado em anos na Globo e segurou a onda de um personagem que, muitas vezes, passava do ponto e pisava na caricatura, mas sem parecer crível, por isso acabou sendo muito elogiado e arrancou diversas gargalhadas dos telespectadores.
Já Murilo vinha se firmando no primeiro time da Globo e já havia tido a experiência de protagonizar outras produções de humor, como Chocolate com Pimenta (2003) e Pé na Jaca (2006). Considerado um dos grandes gênios do humor da atual geração, ele não se constrangeu com as dificuldades de um papel imortalizado por Luís Gustavo, criou trejeitos próprios e deu leveza, diversão e garantiu momentos hilariantes.
Os dois protagonistas tinham por característica o que falta hoje na TV e na sociedade brasileira: a coragem de destilar ódio e veneno sem medo de serem cancelados porque isso não os tornava pessoas más. Tanto Victor quanto Jacques ultrapassavam alguns limites, mas logo retomavam a característica típica dos mocinhos de folhetim, sem lançar mão do atual didatismo, lacração e pedagogia que as novelas brasileiras insistem em apelar.
Mas é impossível falar de Ti Ti Ti sem falar de Jaqueline, a personagem feminina mais cômica da TV brasileira no século XXI. E o elogio é graças a uma Cláudia Raia em estado de graça e que mergulhou tão fundo na personagem que, não à toa, venceu praticamente todos os prêmios de melhor atriz naquele ano, mesmo interpretando uma coadjuvante de novela das 19h.
Cláudia Raia pisou o pé na jaca e não se importou se parecesse fora tom, foi engraçada em praticamente todas as cenas com sua Jaqueline hiperbólica e soltava mil referências por segundo, num texto muito afiado de Maria Adelaide Amaral, talvez por isso mesmo acabou considerada a dona do remake na ocasião de sua exibição original.
A reprise de Ti Ti Ti certamente não vai salvar o Brasil do difícil momento em que se vive, seja na guerra política ou com os canceladores oficiais da República, quase sempre nas redes sociais. Mas a trama será um alento nessa fase em que qualquer coisa que se fala é alvo de ódio constante, além do marasmo que anda a faixa das 19h, cuja última boa novela, de fato, já completa quase oito anos com Sangue Bom (2013).
É bem verdade que a parte romântica, dedicada ao remake de Plumas e Paetês, não teve o mesmo impacto diante do público e a maioria nem lembra mais que o folhetim teve uma personagem chamada Marcela (Ísis Valverde). Mas até neste núcleo é a chance da personagem ser conhecida por muita gente que não deu bola para essa trama, que passava longe de ser ruim.