Fim do Domingão do Faustão é o início do fim de uma era da TV
Fernando Morgado, autor do livro Comunicadores S.A., analisa a saída de Fausto Silva da Globo e o impacto desse movimento para o mercado
Publicado em 26/01/2021 às 04:30
Nada é para sempre. O Domingão do Faustão, claro, também não seria. Contudo, o grande público jamais pensou que essa marca da televisão brasileira desapareceria justamente em 2021, ano que mal começou e já se apresentou tão desafiador quanto 2020.
Há muito tempo que Fausto Silva está no Olimpo da comunicação. Pouquíssimos profissionais do vídeo conseguiram alcançar seu patamar de audiência e faturamento. E, conforme escrevi no livro Comunicadores S.A., tudo isso foi fruto de uma irreverência e de um senso de oportunidade fora do comum. A irreverência já aparecia no tempo em que ele era repórter no rádio, meio que o projetou. Já o senso de oportunidade se revelou, por exemplo, quando transformou um programa feito em condições precárias, o Perdidos na Noite, em símbolo de uma geração que oscilava entre a euforia pelo fim da ditadura e a preocupação com a economia em frangalhos.
Esse mesmo senso de oportunidade também apareceu quando Fausto, aproveitando o vácuo deixado pela frustrada ida de Gugu Liberato para a Globo, assinou um contrato milionário com o canal carioca. A partir daí, protagonizou três décadas de uma guerra sem tréguas pela liderança de audiência aos domingos, primeiro contra Silvio Santos, depois contra Gugu. Entre erros e acertos, derrotas e vitórias, conseguiu firmar a Globo no topo do pódio e ocupar um espaço nobre na memória afetiva de milhões de brasileiros através de quadros antológicos: de Olimpíadas do Faustão a Dança dos Famosos, passando por Jogo da Velha, Arquivo Confidencial, Se Vira nos Trinta, Sexolândia e, claro, Videocassetadas, verdadeira instituição dos fins de semana tupiniquins.
Domingão do Faustão foi a mais bem sucedida tentativa da Globo de ser mais popular
O Domingão do Faustão é um típico programa contêiner (ou ônibus, como chamam os argentinos). O título, criado por Daniel Filho, expressa bem duas das características mais fundamentais desse tipo de atração: a longa duração e o protagonismo do animador, que, ao vivo, é obrigado a ligar conteúdos tão distintos quanto a apresentação de um cão amestrado e a rebelião em um presídio.
Outra marca do Domingão é a forma sui generis com que o apresentador se relaciona com a plateia e os seus convidados. Ao contrário do que acontece em muitos outros shows de auditório, o público que vai ao estúdio do Domingão é composto por pessoas iguais a qualquer um de nós. É gente do povo que, de forma genuína, quer se divertir e se aproximar daquele ídolo que parecia inatingível. Ao mesmo tempo, muitos artistas encaram a ida ao Domingão como a certificação do seu sucesso, marca maior do auge de suas carreiras. Em tempo: o fim do programa certamente terá um grande impacto no mercado musical, que tinha no Domingão a sua maior vitrine na TV.
O término do Domingão do Faustão marca o início do fim de uma era na televisão brasileira. Restará apenas o Programa Silvio Santos como exemplo de auditório espontâneo, algo que foi desaparecendo ao mesmo tempo em que esse tipo de produção deixou os calorosos teatros de rua, como o Fênix, para se refugiar nos frios complexos, como os Estúdios Globo. Representa também a extinção dos megassalários entre os apresentadores, que se vêm obrigados a responder por parte das despesas e das receitas de suas atrações.
Quando o Domingão nasceu, em 1989, a grade da emissora carioca era majoritariamente gravada e ainda sentia a perda de Chacrinha, falecido em 1988. Com Fausto Silva, o povão se viu outra vez, e de cara lavada, na tela da Globo, que, por algumas horas, deixava de lado o seu padrão de qualidade para fazer algo propositalmente informal. Com Faustão, a Globo aprendeu a rir de si mesma. O fim do Domingão do Faustão representa um ponto final naquela que foi a mais bem sucedida tentativa da Globo em se tornar mais popular.
Sobre Fernando Morgado - Consultor e palestrante. Professor das Faculdades Integradas Hélio Alonso. Membro da Academy of Television Arts & Sciences, entidade realizadora dos prêmios Emmy. Coordenador adjunto do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS. Possui livros lançados no Brasil e no exterior, incluindo Comunicadores S.A. (2019) e o best-seller Silvio Santos - A Trajetória do Mito (5ª edição em 2017). É um dos autores de Covid-19 e Comunicação - Um Guia Prático para Enfrentar a Crise (2020), obra publicada em português, espanhol e inglês. Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM. Site: fernandomorgado.com