Fernando Pelegio: As armadilhas do futebol na TV aberta
Coluna Especial deste domingo (27) é assinada pelo executivo de TV Fernando Pelegio
Publicado em 27/07/2025 às 07:51
Nem tudo que reluz é gol de placa. O futebol é paixão nacional. Na TV aberta, é também uma poderosa ferramenta de audiência e faturamento. Mas será que transmitir campeonatos é sempre um bom negócio para as emissoras? A resposta pode surpreender.
O lado brilhante da bola: Enquanto a bola rola no campo, os números disparam. Transmitir futebol é o trunfo das emissoras — e não apenas pelo amor ao esporte. O futebol une famílias, vizinhos e até quem não gosta... mas não resiste a uma final. Marcas pagam alto para aparecer durante os jogos. Comerciais, patrocínios e ações promocionais transformam cada transmissão em uma vitrine valiosa. Inclusive, o futebol atrai anunciantes que normalmente ignoram o restante da programação. A grade fica mais “bonita” com chamadas patrocinadas e ações especiais.
Quem acompanha o futebol, muitas vezes permanece para o jornal, a novela, o programa seguinte. É audiência que se multiplica. Transmitir futebol parece um golaço — de audiência, de receita e de relevância cultural. Mas será que é mesmo?
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Quando o jogo vira contra
Sempre que um campeonato termina, geralmente com um jogaço e cobertura de gala, é essa memória que fica. Mas há sequelas que podem prejudicar, e muito, uma emissora. Vamos aos principais pontos:
Começo morno: No início dos campeonatos, os jogos costumam ser pouco atrativos. Times entram com equipes reservas, demonstrando desinteresse pontual. Resultado? Audiência baixa e repercussão quase nula.
Jogos regionais: Nem sempre as afiliadas conseguem transmitir partidas com times locais. É comum gaúchos e mineiros receberem jogos de clubes de fora do estado. Para o torcedor apaixonado, tudo bem. Mas para o público casual, isso é convite para mudar de canal — ou migrar para o streaming.
Concorrência dos streamings: YouTube, Amazon Prime, ESPN entre outras tem se interessado e comprado algumas partidas dos campeonatos, inflando o preço de aquisição e mesmo ficando com os melhores jogos das semanas, o que desvaloriza os jogos mostrados pelas Abertas.
Convite à concorrência: Com a nova lei que antecipou os horários dos jogos, as emissoras tiveram que adaptar suas grades. Nas quartas-feiras, a novela termina por volta das 21h20 — e nesse intervalo, um público “nômade”, majoritariamente masculino, se junta à audiência da Globo. Mas uma parcela noveleira, em sua maioria feminina, fica órfã. E começa a flutuar em busca de algo que a atraia.
Esse é o motivo pelo qual novelas da Record e do SBT costumam ir melhor às quartas-feiras. Quando há um sucesso como Pantanal, o público volta. Mas quando a novela não tem tanta força... o jogo muda.

Casos reais: A novela turca Força de Mulher, da Record, começou com 5 pontos e terminou com dois dígitos. Enfrentou Renascer, da Globo, que esperava mais que seus 25 pontos de média. Depois veio Mania de Você, que não empolgou. Resultado? Quartas-feiras viraram um convite às “viúvas de novela” para espiar a concorrência. Muitas foram. E ficaram — até o fim da novela turca em junho de 2025.
O mesmo fenômeno se repetiu com Aventuras de Poliana e Poliana Moça, além das reprises infantis do SBT. Toda terça-feira virava um convite para quem acompanhava essas novelas dar uma espiadinha na concorrência — desde que o SBT começou a transmitir a Libertadores e, depois, a Sul-Americana.
Sem medo de errar: um dos fatores que matou a faixa de reprises das novelas em horário nobre do SBT foi o futebol.
Erro de interpretação: Na reta final das competições, com jogos mais atrativos, a audiência se multiplica — e mesmo após o término das partidas, deixa um residual forte.
Exemplo: O Campeonato Paulista de 2025, transmitido pela Record, foi um sucesso em São Paulo. O Domingo Espetacular estreou Roberto Cabrini como âncora na mesma semana. Com clássicos aos domingos e uma final entre Corinthians e Palmeiras, a audiência explodiu. O residual desse público elevou a média do programa.
Muitas comparações foram feitas entre os domingos com Cabrini e os anteriores. Mas sejamos justos: uma coisa é herdar 6 pontos do Rodrigo Faro. Outra é receber 35 pontos de um Corinthians x Palmeiras. A comparação não deveria ter sido feita — mas foi. Cabrini é um gigante do jornalismo. Mas não se deve a ele, de forma única e exclusiva, esse incremento de audiência, como foi lido em diversas matérias.
Fernando Pelégio - executivo de TV
Recentemente, o excelente Mundial de Clubes ocupou três domingos, afetando o Fantástico, que já não vive seu auge artístico. Foi um convite para parte do público visitar o Programa Silvio Santos e o Domingo Espetacular. O resultado do último domingo já diz tudo.
Conclusão
Futebol é paixão nacional. Mas na TV aberta, também pode ser armadilha. Para o departamento comercial, que precisa bater metas mensais, o futebol brilha os olhos. É justo. Mas cabe aos gestores, conhecendo esse “trade”, tomarem decisões que beneficiem a emissora no curto, médio e longo prazo. Porque quem não entende o jogo... perde audiência, dinheiro e fidelidade.
Fernando Pelegio, executivo de TV, ex-diretor de planejamento artístico e criação do SBT, é sócio da agência YOG Creative.