Coluna Especial

Qual o futuro da TV aberta?

Coluna Especial desta terça-feira (14) é assinada por Carolina Gazal, jornalista e executiva de mídia


Controle remoto apontando para uma TV
Brasileiro assiste jogo pela TV aberta - Imagem: Divulgação

Mesmo com todo mundo comentando a novela ou a última partida de futebol, sempre tem alguém que repete: “lá em casa ninguém mais assiste televisão” — como se a novela e o futebol fossem lendas urbanas. A verdade é que a televisão não morreu — só precisa ficar mais esperta e entender o seu novo lugar na casa do brasileiro. 

A TV aberta tem muitas vantagens. A primeira é que é gratuita. A segunda é que carrega o hábito de assistir junto — seja um filme à noite na TV do quarto, um jogo com os amigos ou a novela na sala com a família. A terceira vantagem é que os duzentos e cinquenta milhões de brasileiros podem assistir ao mesmo conteúdo, ao mesmo tempo. Ela não trava, não dá problema de áudio e não depende da sua internet.

Como a Sony saiu vencedora da guerra do streaming sem ter um 

Em meio às ameaças de tarifas de Trump, Europa se torna melhor lugar para o cinema 

E a quarta é algo que nenhuma outra plataforma faz tão bem: o ao vivo. O imprevisível. O inesperado. O factual. “Será que ele vai fazer isso mesmo?” “Você viu o que acabou de acontecer?”.

Essa adrenalina é o que mantém a TV aberta viva. Quando o país inteiro prende a respiração no pênalti, no resultado das urnas, na meta do Teleton, no paredão do BBB ou no show da Lady Gaga, não há algoritmo que supere essa emoção coletiva.

E isso, no Brasil, é potencializado por mais de 50 anos de uma programação de qualidade — jornalismo sério, boas novelas, programas de comédia, festivais de música. Temos uma cultura de TV aberta forte e de boa qualidade. 

TV aberta faz parte da vida do brasileiro

O brasileiro confia na TV Cultura, na TV Globo, no SBT, na Band, na Record... Isso também acontece na Inglaterra, na Itália e na Alemanha, que têm emissoras públicas confiáveis. Mais do que isso, nosso jornalismo tem credibilidade. Se deu no JN, você sabe que de fato aconteceu.

Quando o Papa Francisco morreu, por exemplo, todo mundo correu pra TV pra ver a matéria da Ilze Scamparini. Isso é reputação — um ativo raríssimo em tempos de bolhas, fake news e timelines gritando. Na minha opinião, aí é que está o pulo do gato: no ao vivo, no jornalismo e nos eventos que reúnem as pessoas.

E os números da TV são muito maiores do que qualquer aplicativo pode sonhar: segundo o IBGE, 95% dos lares brasileiros têm pelo menos uma televisão, e a Kantar mostra que 86% das pessoas assistem à TV aberta toda semana. Mesmo nas Smart TVs, 60% dos usuários acessam canais gratuitos. Os números são gigantes, mas não podem ser comparados com os dados de consumo no celular.

É uma comparação injusta: são mundos diferentes, tempos de atenção distintos e experiências quase opostas. Uma coisa é ter uma TV ligada o dia inteiro, como uma companhia enquanto você cozinha, trabalha ou se arruma pra sair. Outra coisa é estar com o rosto a um palmo da tela do celular vendo vídeos curtos e passando o dedo pra cima. A experiência que o celular traz representa uma atenção muito mais poderosa e individual. Portanto, o tempo não pode ser medido do mesmo jeito.

Antes de mudar de canal, vale uma pausa: é preciso olhar também para o bastidor técnico — o aparelho de TV.  No outro extremo da experiência do público, algo muda rapidamente sem que ninguém fale no assunto. Quando você compra uma TV nova — cada vez mais barata — e liga na tomada de casa, simplesmente não encontra o canal aberto.

O que aparece é a faixa horizontal com Netflix,Prime Video, Globoplay, YouTube, HBO e, principalmente, o conteúdo próprio do fabricante do aparelho. As principais marcas do Brasil (Samsung e LG) oferecem cada vez mais filmes, séries, desenhos e realities, tudo com boa curadoria e sem cobrança. E a navegabilidade desses serviços é desenhado para manter o consumidor preso nesse labirinto de conteúdo, em um controle remoto sem número e que também é espaço de mídia paga.

E aí vem o drama de quem só queria ver o capítulo de hoje. A senhora de sessenta anos, ativa, conectada, que estava feliz porque ganhou uma TV nova, de repente se frustra porque não consegue encontrar sua novela no meio de tanta oferta. Ou ela desiste e desliga, ou acaba sucumbindo à oferta de filmes da Samsung TV Plus, que grita “grátis, grátis!”. Tudo isso gera dados para que o designer de UX melhore — ou complique ainda mais — na próxima atualização. Sim, TV também tem sistema operacional.

Agora, tem muita coisa que, sim, a gente prefere ver no celular: os vídeos curtos, as mensagens de WhatsApp, o saldo da conta bancária, as comprinhas. Tudo bem — há espaço para cada formato.

Qual o futuro da TV aberta?

O desafio da televisão aberta para seu futuro

Para a televisão brasileira, o desafio agora é manter essa presença relevante — com credibilidade no jornalismo, diversão no entretenimento ao vivo e proximidade com o público.

Talvez o futuro da TV aberta seja justamente continuar aberta — às novas telas, às novas gerações e às novas conversas. E se o presente da TV ainda é o ao vivo, o próximo capítulo já começa a ser escrito com a TV 3.0 — mas essa é outra história, pra um próximo artigo.

Porque enquanto houver alguém do outro lado da tela respondendo o seu “boa noite”, a TV vai seguir poderosa — ligada, viva e olhando de volta pra gente. 


Carolina Gazal é jornalista e executiva de mídia. Foi uma das responsáveis pela transformação digital do SBT e pela criação do +SBT, plataforma gratuita de streaming da emissora. Vive entre estúdios e telas, escrevendo sobre como a tecnologia e a inovação mudam o jeito de contar e de se emocionar com boas histórias.

Mais Notícias

Enviar notícia por e-mail


Compartilhe com um amigo


Reportar erro


Descreva o problema encontrado