Publicado em 04/05/2021 às 00:00:44,
atualizado em 04/05/2021 às 09:45:01
A vigésima primeira edição do Big Brother Brasil termina com uma participante que não apenas resistiu aos 100 dias de confinamento, como se transformou em ídolo nacional: Juliette Freire. Desde a composição de mais de uma dezena de músicas em homenagem à paraibana até tatuagens com seu rosto, são inúmeras as formas pelas quais o afeto dos brasileiros toma forma.
Para mensurar tamanho sucesso, muitos recorrem ao número de seguidores conquistados durante o programa. Ainda que essa métrica seja altamente questionável, visto que é possível comprar seguidores, ela é usada por patrocinadores na hora de decidir a quem encomendarão um publipost. Em outras palavras: mais seguidores podem significar mais dinheiro. E foi assim que Juliette rapidamente se transformou em um grande negócio. Antes de surgir na tela da Globo pela primeira vez, ela tinha pouco menos de 4 mil seguidores no Instagram. Agora, enquanto este artigo é escrito, possui 23 milhões e subindo.
As expressivas variações para cima ou para baixo na quantidade de seguidores de Juliette e de todos os demais participantes do BBB mostram que a TV aberta permanece forte. E mais: ela dita muito do ritmo da internet, notadamente das redes sociais e dos grandes portais, conforme já afirmado por mim em diversas outras oportunidades durante os anos. Talvez alguém queira contestar essa afirmação, lembrando que o Big Brother é um produto transmídia, que também inclui TV paga e web. Mesmo assim, é evidente o protagonismo da boa e velha Rede Globo, cujo poder de atração de público é superior ao dos demais veículos. As edições com eliminação, mesmo terminando por volta da meia-noite, alcançam índices de audiência semelhantes aos da novela das nove.
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Ainda que Sumner Redstone, que foi proprietário da ViacomCBS, tenha afirmado que “o conteúdo é o rei”, não se pode ignorar a importância dos canais de distribuição, pois são eles que permitem ao público encontrar, da forma mais conveniente possível, informação e entretenimento. Sendo assim, o sucesso de Juliette precisa ser analisado sob esses dois aspectos: o do conteúdo e o da distribuição.
Juliette possui algo que falta a muitos talentos da TV contemporânea: carisma. E essa lacuna no mercado não pode ser atribuída a uma falha na formação oferecida pelas faculdades de comunicação. Como professor, posso garantir que é impossível ensinar alguém a ser carismático. Ou se é ou não se é. Aliás, é até difícil teorizar sobre o carisma na mídia. J. Silvestre (1922-2000), um dos maiores apresentadores da história, reconheceu tal dificuldade quando escreveu o livro Como Vencer na Televisão (Record, 1977). Em contrapartida, agregou um outro termo à discussão: simpatia, atributo que Juliette também tem.
"Simpatia não se compra; conquista-se. E essa capacidade de conquista é espontânea, natural, sem retoques”, escreveu Silvestre. “Esse elo de ligação é atributo pessoal do indivíduo e independe de cultura, condição social, origem, idade, ou o que seja. E é tão forte, que muitas pessoas, mesmo sem possuir maiores qualificações, de repente se surpreendem no vértice da pirâmide, graças e tão-somente à alta simpatia pessoal. [...] Não há qualquer aprendizado para que se adquira essa capacidade de interligação. Ela existe ou não existe."
Demorou algum tempo para que a simpática Juliette ganhasse espaço no programa. Inicialmente, ela foi rejeitada por vários colegas, inclusive por aqueles que, fora da casa, ganhavam dinheiro falando de inclusão e tolerância. Mas, a partir do momento em que essas resistências internas foram superadas, a sister conseguiu extravasar uma série de talentos. Além de cantar muito bem, ela é capaz de cunhar frases mais engraçadas e inteligentes do que muitos diálogos de humorísticos produzidos em tempos recentes pela Globo. Essas tiradas lançadas pela TV acabavam germinando nas redes sociais, onde agilidade é fundamental.
Além disso, Juliette traz uma história de vida que desperta admiração e, por consequência, torcida, algo fundamental para se avançar em um jogo como o BBB, que depende do voto popular. Todos esses elementos são embalados pela rica cultura nordestina, expressada em diversos momentos: da briga pelo cuscuz à teleaula sobre cordel e xilogravura, passando pelas músicas de Alceu Valença entoadas antes dos paredões. Trata-se, portanto, de uma personagem completa e com quem é fácil de se identificar.
E é aí que entra a importância da distribuição. Foi um encontro de almas o que aconteceu entre Juliette e Globo. A primeira é digna de novela; a segunda é especialista em novela. Foi graças à TV aberta, gratuita por natureza, que Juliette e seu conteúdo tornaram-se conhecidos em todos os rincões do país. Nesse contexto, as demais mídias exerceram um papel complementar. Elas fidelizaram a audiência arregimentada pela Globo e ampliaram a experiência dos interessados em mergulhar mais fundo no Big Brother Brasil, dando à mente um descanso das desgraças provocadas pela pandemia de Covid-19.
Ainda é cedo para dizer o que será da vida da advogada e maquiadora paraibana a partir de agora. Seu principal desafio será selecionar e aproveitar as melhores oportunidades dentro da avalanche de propostas que receberá no momento em que ela puser os pés fora da casa mais vigiada do Brasil. Mas há algo que é certo: Juliette Freire garantiu um espaço especial na história recente da TV aberta nacional.
PS: Gilberto merece uma menção honrosa. Dono de uma personalidade única, Gil do Vigor foi capaz de criar bordões e protagonizar situações que serão recordadas pelo público por muitos anos ainda.
Sobre Fernando Morgado - Consultor e palestrante. Professor das Faculdades Integradas Hélio Alonso. Membro da Academy of Television Arts & Sciences, entidade realizadora dos prêmios Emmy. Coordenador adjunto do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS. Possui livros lançados no Brasil e no exterior, incluindo Comunicadores S.A. (2019) e o best-seller Silvio Santos - A Trajetória do Mito (5ª edição em 2017). É um dos autores de Covid-19 e Comunicação - Um Guia Prático para Enfrentar a Crise (2020), obra publicada em português, espanhol e inglês. Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM. Site: fernandomorgado.com
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