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"O Sétimo Guardião" não faz jus ao realismo fantástico prometido e sai de cena apagada

Coluna faz um balanço da novela das 21h que chega ao fim nesta sexta-feira (17) na Globo


Gabriel e Padre Ramiro na fonte mágica
Trama da fonte mágica chega ao fim nesta sexta-feira (17), em silêncio - Fotos: Divulgação/TV Globo

Do barulho da briga judicial ao mais completo silêncio. É assim que se encerra o ciclo de “O Sétimo Guardião” nesta sexta-feira (17), na Globo. Marcada em sua pré-estreia pela polêmica judicial envolvendo alunos de um curso de roteiro do autor Aguinaldo Silva, a trama dirigida por Rogério Gomes (repetindo a parceria da mediana “Império”) quase não foi produzida, mas ganhou vida a partir da segunda semana de novembro do ano passado – sucedendo “Segundo Sol” (2018), de João Emanuel Carneiro. No entanto, tudo o que se viu foi um conjunto apático, sem carisma, sem lógica, repleto de bobagens e que desperdiçou o talento de grande parte do seu elenco, resultando em um dos maiores fracassos da história do horário das 21h.

A polêmica começou logo quando alunos da Masterclass III, promovida em fins de 2015, reivindicaram na Justiça o direito de serem creditados como autores da sinopse, alegando que também participaram do seu processo de elaboração e de alguns perfis e que a novela havia sido aprovada sem que eles tenham recebido qualquer valor de direito. Em função da pendenga, a Globo adiou “Guardião”, antecipando “Segundo Sol” para suceder “O Outro Lado do Paraíso” (2017/18), de Walcyr Carrasco. O autor chegou a desistir da sinopse e escrever uma outra, intitulada “Enquanto o Lobo Não Vem”, porém, por insistência da direção de dramaturgia, voltou atrás no projeto da atual trama. Para contornar o impasse, a Globo optou por mencionar os nomes dos 26 participantes do curso no início dos créditos finais, como co-autores.

\"O Sétimo Guardião\" não faz jus ao realismo fantástico prometido e sai de cena apagada

A novela marcaria o retorno de Aguinaldo ao realismo fantástico, gênero consagrado pelo autor em grandes sucessos como “Pedra Sobre Pedra” (1992) e “A Indomada” (1997). O enredo parecia ousado e de fato bem diferente do usual, fundamentando-se em uma misteriosa fonte da juventude na cidade de Serro Azul, protegida por sete guardiões. Um deles, Egídio (Antônio Calloni), está à beira da morte, o que faz com que o guardião-mor, o gato León (mais tarde vivido por Eduardo Moscovis quando transformado em humano) sair em busca de um sucessor, que vem a ser Gabriel (Bruno Gagliasso).

Filho de Egídio, ele abandona a noiva Laura (Yanna Lavigne) em sua própria festa de casamento e parte para Serro Azul, onde sofre um acidente e é achado por Luz (Marina Ruy Barbosa), mocinha da história, uma garota enigmática detentora de poderes mágicos. O abandono no altar lembra uma situação ocorrida com o próprio pai do jovem, que também abandonou a esposa, a esnobe Valentina Marsalla (Lília Cabral),

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A própria cidadezinha, aliás, é repleta de tipos pitorescos: o prefeito Eurico (Dan Stulbach) e sua esposa Marilda (Letícia Spiller), irmã mais velha de Valentina, mas que parece mais jovem por sempre tomar banho escondida na tal fonte; o delegado Joubert Machado (Milhem Cortaz), um sujeito machão que é viciado em lingerie e usa o fetiche pra apimentar sua relação com a esposa, a exuberante Rita de Cássia (Flávia Alessandra); a beata Mirtes (Elizabeth Savalla), uma típica moralista arrogante que ataca a tudo e todos e não poupa nem a própria nora, Stella (Vanessa Giácomo), fazendo de tudo pra minar a relação dela com o filho, o médico Aranha (Paulo Rocha); e o machista Nicolau (Marcelo Serrado), um típico homem das cavernas, obcecado por ter um filho jogador de futebol, uma vez que seu filho Bebeto (Eduardo Speroni) gosta de dançar e a filha Diana (Larissa Ayres) luta karatê, coisas que são totalmente contrárias a seus ideais ultrapassados.

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Na primeira semana, tudo parecia empolgar. A novela seguia uma narrativa bem diferente até mesmo das próprias obras anteriores de Aguinaldo no campo do realismo fantástico, se aproximando mais do cinema e das grandes séries de suspense e terror. Os personagens se mostravam promissores e tinham potencial para um típico novelão – a própria Valentina, por exemplo, foi prometida como uma grande vilã para Lilia Cabral, que já havia brilhado antes como a antipática Maria Marta em “Império”.

O encanto durou apenas a primeira semana. Não demorou para que os entrechos mostrassem suas limitações. Sem liga, os protagonistas foram se apagando juntamente com o núcleo principal e perdendo espaço para outras situações. Mas até mesmo os tipos de Serro Azul também não demoraram a cansar, caindo na repetição de situações e na total falta de sinergia. Em função disso, o enredo não saía do lugar, andando em círculos. Nem mesmo as referências ao realismo fantástico de outras obras do autor – com direito à participação de Paulo Betti e Luiza Tomé revivendo seus personagens Ypiranga e Scarlet, de "A Indomada" – conseguiram empolgar, soando mais como uma autorreferência do autor.

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Chama atenção ainda o desperdício do talento de grande parte do elenco, presa a personagens sem qualquer carisma e até mesmo sem função. Como grande exemplo, a própria Lília Cabral. Sua personagem não honrou a promessa de uma grande vilã e a atriz também já viveu dias melhores, deixando transparecer um desempenho burocrático e automático, que não condiz com sua grandiosidade. Outro grande talento apagado pelo enredo ruim é Tony Ramos, que pouco pôde fazer na pele do vilão Olavo.

Já Bruno Gagliasso e Marina Ruy Barbosa chamaram a atenção pelos fracos desempenhos e pela total falta de química do par formado por Gabriel e Luz, a ponto de se separarem e até mesmo se tornarem rivais no conflito envolvendo a fonte milagrosa e a irmandade. Ainda sofreram com o mau aproveitamento dos papeis: Carolina Dieckmann, Eduardo Moscovis, Marcelo Serrado, Laryssa Ayres, Marcos Caruso, Dan Stulbach, Milhem Cortaz, Ana Beatriz Nogueira, Zezé Polessa, Paulo Miklos, Carol Duarte, Josie Pessoa, Leopoldo Pacheco, Giullia Buscacio, Matheus Abreu, Fernanda de Freitas, Marcello Novaes, Bruna Linzmeyer, Caio Blat, Theodoro Cochrane, Viviane Araújo, Guida Vianna... A lista é longa.

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Por sua vez, Elizabeth Savalla e Vanessa Giácomo demoraram a ter um maior destaque, mas ganharam bons momentos perto da reta final. Savalla mostrou sua competência especialmente nas sequências em que Mirtes humilha Machado e revela seu fetiche por calcinhas na frente de todos e, mais tarde, nos embates entre sogra e nora por causa de Aranha. Só é uma pena que o autor tenha demorado tanto para dar às atrizes a valorização merecida.

Algo ainda pior aconteceu com Flávia Alessandra. Presa a uma limitada trama repleta de sequências de Rita se exibindo seminua na cachoeira, alternando a constantes transas e discussões com Machado, a atriz só ganhou uma oportunidade verdadeira para brilhar e demonstrar seu talento na época da morte do delegado. A atriz emocionou muito ao mostrar a dor de Rita com as humilhações sofridas pelo marido e, mais tarde, seu desespero com a morte dele. Pena que já era tarde e Flávia saiu de cena com um tipo que em nada honrou sua competência.

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Sobraram poucos nomes dignos de nota, como são os casos de Isabela Garcia, que brilhou na pele da empregada do guardião-mor Judith e viu sua personagem crescer merecidamente – uma justiça feita à atriz, cujo contrato não havia sido renovado no começo do ano passado; e Nany People, ótima surpresa em sua interpretação da transexual Marcos Paulo. Letícia Spiller também ganhou destaque, ainda que até certo ponto, pela composição diferenciada de sua Marilda e também merece elogios pela sua reinvenção. Pelo lado negativo, sobressaíram-se José Loreto, novamente vivendo o tipo “bad boy inconsequente”, e Yanna Lavigne, cuja atuação robótica foi motivo de diversas críticas.

Não bastasse isso, outros fatores externos afundaram ainda mais a já inexistente repercussão do enredo. O mais grave foi justamente a explosão da separação de Loreto e sua esposa, Débora Nascimento (a Gisela de “Verão 90”, atual trama das sete), por um suposto envolvimento com uma atriz de “O Sétimo Guardião”, que nunca foi revelada – embora notícias da época apontassem para o nome de Marina Ruy Barbosa, uma vez que os dois personagens tinham um envolvimento na novela. A proporção do escândalo ofuscou ainda mais a já apagada novela de Aguinaldo. E não foi só isso: uma suposta discussão entre Marina e Lília Cabral motivada por um atraso da primeira nas gravações também fez mais barulho que a trama em si.

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Tantos erros foram determinantes para que a novela chegasse ao final completamente ignorada. Não há qualquer repercussão sobre os desfechos da história – algo até mais grave do que uma chuva de críticas, que ainda costuma render comentários do público e da imprensa. Esta apatia também se refletiu na audiência, não apenas no geral (29 pontos, quatro a menos que “Segundo Sol” e nove abaixo de “O Outro Lado do Paraíso”, exibida no mesmo mês), como também nestes capítulos de encerramento – o de segunda, por exemplo, marcou apenas 31 pontos, a pior audiência de uma última segunda-feira de novela das 21h. Como comparativo, “O Outro Lado”, mesmo muito criticada, rendeu impressionantes 48 pontos na mesma circunstância. É uma diferença abissal.

Em virtude disso, “O Sétimo Guardião” sai de cena como o maior fracasso de Aguinaldo Silva em sua carreira. A novela que deveria marcar a volta do autor ao realismo fantástico simplesmente não aconteceu, revelando-se um grande erro em todos os aspectos e prejudicada pela briga judicial entre o novelista e os alunos de seu curso de roteiro. Tamanho fiasco é comparável a novelas problemáticas como “Babilônia” (2015) ou “A Lei do Amor” (2016/17), que igualmente viveram cenários desoladores; e deixa para Walcyr Carrasco a missão de levantar o ibope do horário, com “A Dona do Pedaço” – algo que, pelo histórico de Walcyr com muitos sucessos, fatalmente deve se tornar realidade.

Apagada e ignorada, “O Sétimo Guardião” não vai deixar qualquer saudade.

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