Opinião

Em breve, Netflix vai ficar igualzinha à antiga TV paga

Famosa pelo mote de “assistir quando quiser, como quiser”, a gigante do streaming tende a adotar o tradicional modelo de canais lineares que conhecemos


Logo da Netflix
Netflix pode ser a nova TV paga? - Foto: Divulgação/Netflix

É inegável: a Netflix mudou a forma como assistimos a filmes e séries. Nesses mais de dez anos de Brasil, o serviço nos acostumou com a existência de temporadas menores, que estreiam inteiras no mesmo dia, e com o poder de escolher quando e onde apertar o botão “play”. Tudo sem a interrupção de intervalos comerciais. Só que, aos poucos, uma nova realidade vai se impondo.

No último dia 19 de janeiro, a empresa revelou os resultados financeiros do quarto trimestre de 2022. Junto, divulgou um vídeo com os principais executivos discutindo esses resultados e respondendo a algumas perguntas, como sempre faz. Entre esses pontos, houve uma pergunta que passou batida por muita gente - mas indica para onde a plataforma vai no futuro próximo.

A pergunta foi esta aqui: “Há planos para oferecer um serviço FAST daqui algum tempo?”.

Antes da resposta, vale explicar o que é essa sigla - que vai além de significar “rápido” em inglês. FAST é “Free Ad-supported Streaming Television”, ou “Televisão de Streaming Gratuita Bancada por Anúncios” em tradução livre. É basicamente um canal linear, com uma programação de 24 horas, bastando ao espectador sintonizar para assistir ao que está passando naquele momento. Você não escolhe o que e quando ver, mas sim um tema para uma curadoria pré-definida pelos programadores do canal - como séries antigas, filmes de ação, romance, culinária, etc. O conteúdo fica “passando” na tela, sem necessitar de intervenções adicionais do espectador.

Esse esquema lembra exatamente o da velha TV por assinatura, só que sem a parte da “assinatura”.

Hoje, o maior expoente global do FAST é a Pluto TV, plataforma de streaming grátis da Paramount que tem cerca de uma centena de canais, pelos quais você pode ficar “zapeando” até encontrar onde assistir.

“Sim”, respondeu Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, confirmando que a companhia está pensando em lançar canais FAST. “Olha, estamos abertos a todos esses modelos diferentes que estão por aí agora, mas temos muito em nosso prato este ano, tanto com o compartilhamento pago quanto com o lançamento de publicidade e continuando com a lista de conteúdo que estamos tentando direcionar para nossos membros. Então estamos de olho nesse segmento, com certeza.”

Resumindo: a Netflix está em busca de formatos de canais de streaming lineares para a plataforma. Um caminho que faz muito sentido - e que pode vir mais rápido (com perdão do trocadilho) do que a fala de Sarandos nos faz supor.

A Netflix precisa ser FAST

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A essa altura, você já leu em algum lugar (inclusive aqui, nesta coluna) que a Netflix está sofrendo para manter o seu negócio de pé. Os grandes custos para produzir conteúdo audiovisual, somados a uma saturação do mercado e uma falta de diversificação de produtos, estão pressionando a empresa. Novas soluções são necessárias.

É por isso que, em novembro, a companhia lançou um plano de assinatura, mais barato, e que compreende anúncios. De um lado, a iniciativa traz (ou mantém) assinantes que são sensíveis ao preço. Do outro, utiliza essas pessoas como produto, que são vendidas para os anunciantes. Se tudo der certo no meio desse caminho, a Netflix consegue gerar mais receita por usuário até mais do que teria com as assinaturas pelo preço cheio. Todo mundo ganha.

Acontece que fazer essas pessoas assistirem à publicidade é um desafio. Pior: anúncios são invasivos e chatos em um modelo sob demanda, ou seja, quando você aperta o “play” e o “pause” para assistir. Quem não fica irritado com uma propaganda no YouTube, por exemplo?

Por outro lado, o velho modelo de televisão linear é perfeito para anúncios - afinal, foi concebido para isso desde o começo. Ele nos incentiva a simplesmente ligar a TV em um canal, deixando como som ambiente enquanto presta mais ou menos atenção ao que tem na tela. Ao mesmo tempo, pausas para comerciais não são invasivas: são necessárias, incluindo momentos para ir ao banheiro, à geladeira, olhar o celular…

No final, o grau de atenção pode cair, mas as pessoas ficam mais tempo assistindo. Bingo: aumenta-se o inventário de anúncios, ou seja, tem mais espaço para publicidade. É (teoricamente) mais dinheiro caindo na conta. Vender esse inventário pode ser um desafio, mas esse é um papo para outro momento.

Não é só isso. Como comentado em uma edição recente de Mídia, Mercado e Etc., os streamings estão em busca de esportes ao vivo para fidelizar o público. Esse tipo de transmissão é linear por natureza, mas o formato de oferecê-la dentro de plataformas como HBO Max, Prime Video e Star+ é falho - você precisa encontrar o conteúdo para dar play. Com canais lineares, pode-se zapear pelo FAST, vendo rapidamente todo o catálogo ao vivo para decidir o que merece a sua atenção.

O modelo também é efetivo com outros tipos de transmissão ao vivo, incluindo de premiações (na qual a Netflix já anunciou que vai entrar em 2024) e telejornalismo.

Além disso, os canais lineares podem melhorar a descoberta de conteúdo. Quantas vezes você não ficou horas e horas navegando pela plataforma, sem encontrar algo para assistir? É diferente do TikTok, por exemplo, com uma timeline que te apresenta os vídeos sem o esforço de escolher algo. Um sofrimento a menos.

O FAST é parecido: o usuário já muda de canal com o “play” rolando e pode ter a sua atenção capturada rapidamente. Claro, ele não viu do começo, mas é uma ótima forma para descobrir um filme ou série para ser assistido depois, com calma, no sob demanda. É como a gente fazia na “época dos maias”, lembra?

Por fim, mas não menos importante: a gigante americana está sendo cobrada a diversificar o seu modelo de negócio. Hoje ela tem basicamente dois produtos: vender assinaturas e (agora) anúncios. Há ainda um setor de licenciamento com as marcas da empresa. É diferente de uma Disney, que tem parques, filmes nos cinemas e muito mais.

Ainda que não seja exatamente uma diversificação - afinal, continuaria sendo um streaming de vídeo pela internet -, o FAST é um novo modelo de disponibilização desse conteúdo, ampliando a geração de receita, o tempo médio do usuário, etc. É um caminho.

Quando o FAST chega à Netflix?

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Como vemos na fala de Ted Sarandos, a intenção não seria lançar os canais lineares ainda em 2023. Para este ano, o foco fica em melhorar o serviço de publicidade e cobrar daqueles usuários que compartilham senhas (sim, aceite, isso vai ocorrer em breve).

Porém, não acredite em tudo que a Netflix diz - principalmente nos prazos.

A empresa normalmente aplica aquilo que gosto de chamar de “Lei do Sr. Scott”, em referência ao famoso engenheiro de Jornada nas Estrelas - que multiplicava por três os prazos estimados para entregar tudo com antecedência e ficar com a fama de “milagreiro”.

No caso da Netflix, lá atrás, eles anunciaram que a plataforma estaria “no mundo inteiro” em dois anos. Fizeram em apenas um. Já a publicidade chegaria em um período entre “um e dois anos”, mas foi implementada em menos de seis meses. Algo que não é para 2023 pode muito bem acontecer lá pelo final deste ano.

Também precisamos analisar que as coisas estão se transformando rapidamente. Em 2020 e 2021, no auge da pandemia, o streaming era o negócio do futuro e a Netflix crescia tanto em termos de assinantes quanto em valor de mercado. Em seguida, 2022 foi uma temporada desafiadora - com crescimento geral bem mais lento. Se não houver uma reação positiva nos próximos meses, com publicidade e cobrança do compartilhamento de contas, precisarão ter algo na manga para anunciar e lançar.

Há ainda o fator Reed Hastings. O co-fundador da Netflix sempre se mostrou contrário a iniciativas que mudassem a base das estruturas da empresa. Foi ele, por exemplo, que por anos não quis ter publicidade na plataforma, até o fazerem mudar de ideia. Hastings também sempre advogou contra o linear e nunca foi fã de conteúdos ao vivo e esportes.

Hastings não é mais co-CEO da empresa desde o mês passado - foi substituído por Greg Peters, que passou a trabalhar ao lado de Ted Sarandos. Isso torna possível o fim de algo que, antes, era um dogma.

O FAST da Netflix vai ser grátis?

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Fazer um serviço de canais FAST não quer dizer que a Netflix precisa seguir o modelo que já existe por aí.

Hoje, os canais do tipo estão dentro de plataformas gratuitas. O maior exemplo é a já mencionada Pluto TV. Totalmente sem custos, não há conteúdo inédito, sendo a maior parte do catálogo formada por séries e filmes antigos. A Paramount Global, a dona, lucra com a publicidade, além de exibir “teasers” para vender assinaturas de seu serviço pago, o Paramount+.

De acordo com o dado mais recente, do terceiro trimestre de 2022, a Pluto TV tem 72 milhões de usuários únicos mensais em todo o mundo. No ano passado, conseguiu ser a primeira plataforma de streaming grátis a ter audiência significativa para figurar na tabela de audiência de TV da Nielsen, o Ibope dos EUA.

Nesse sentido, a Netflix poderia adotar uma estratégia parecida: ter um outro serviço, com nome diferente, só com canais FAST, tudo grátis. Ou ter esses canais abertos na plataforma já existente.

Porém, a estratégia fica mais difícil quando se pensa em apresentar conteúdo premium no linear, como transmissões esportivas. Por isso, o cenário mais provável é que a Netflix tire o “free” da sigla, fazendo desses canais lineares parte do pacote pago. O “bancado por anúncios” poderia continuar, monetizando os assinantes que já desembolsam mais.

Esse cenário lembra muito o que já acontece no Globoplay, que tem canais lineares como Sportv, Telecine e GNT para o assinante assistir. Nos EUA, o Hulu - controlado pela Disney - é famoso por ter “canais ao vivo”.

Sabe quem é assim, também? A boa e velha televisão por assinatura. Pois é: a Netflix, que veio matar a TV paga, está se tornando igualzinha a ela…

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