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Compra pela Microsoft pode ser o fim da Netflix, mas também a salvação de Bill Gates

Rumores fortes de mercado indicam uma possível união entre as duas empresas, mas o fantasma do fracasso da Nokia deve estar causando calafrios


Arte com os logos da Netflix e Microsoft numa televisão
Microsoft surge como possível compradora da Netflix; será?
Por Renan Martins Frade

Publicado em 02/01/2023 às 06:30,
atualizado em 02/01/2023 às 10:16

"O conteúdo é rei". Hoje clichê, essa frase foi cunhada por ninguém menos que Bill Gates em um famoso artigo, publicado em 1996. Nele, o bilionário afirmava que a grande oportunidade na internet era fornecer informação e entretenimento - e descrevia os caminhos para se fazer dinheiro a partir disso. Corta para o finzinho de 2022: a Microsoft, companhia fundada por Gates, surge como a possível compradora da empresa que melhor soube distribuir e produzir conteúdo online, a Netflix.

Apesar dos rumores fortes, o negócio parece ainda nebuloso. De qualquer forma, uma coisa é certa: caso seja fechado, poderá representar o sucesso da visão de Bill Gates - e também o fim da Netflix, ao menos na forma como conhecemos hoje.

Explica-se: a gigante do streaming, fundada por Reed Hastings em 1997, teve um 2022 desafiador. Pela primeira vez em 10 anos a empresa registrou uma queda no número de assinantes. Em parte, resultado de um ambiente econômico mundial desfavorável, de sua retirada da Rússia (por conta da guerra na Ucrânia) e de uma maior competição no setor.

Enquanto isso, o mercado (essa entidade que ninguém vê, mas que todos temem) começou a ter dúvidas sobre o futuro da companhia. Percebeu que não adiantava apenas crescer o bolo de assinantes com investimento grande na produção de conteúdo: é preciso também ser mais saudável economicamente. Isso enquanto a Netflix "queimava" muito dinheiro com conteúdo, resultando em um grande débito em seu balanço financeiro.

Resultado? As ações da Netflix acumulam uma queda de quase 40% em 2022. Um belo tombo.

Agora, a empresa americana pode dizer que "os relatos da minha morte são muito exagerados", parafraseando Mark Twain. Afinal a Netflix ainda é aquela que melhor entendeu o mercado de streaming de vídeo e possui uma base sólida de 223 milhões de assinantes em todo o mundo. É menos que o total somado das plataformas da Disney, sim, mas o Mickey conta diversos usuários mais de uma vez entre os serviços Disney+/Star+, Hulu e ESPN+ para alcançar a soma de 235 milhões de assinaturas.

Nunca, na história do entretenimento, houve algo tão grande e global quanto a Netflix - e que produzisse tanto conteúdo.

Só que, como anteviu Bill Gates em 1996, gerar dinheiro a partir disso pode ser um desafio. Foi quando a Netflix resolveu recorrer a algo que sempre negou ter: publicidade. Agora em novembro a plataforma lançou um plano mais barato, de R$ 18,90 no Brasil, e que inclui anúncios. Para vender essas propagandas, fechou uma parceria justamente com a Microsoft.

O burburinho agora é que esse poderia ser o primeiro passo para a Netflix ser comprada pela empresa responsável por Windows e Office. De acordo com a Reuters, as duas companhias já estão bem alinhadas e essa aquisição seria o próximo passo. Será?

No ponto de vista de negócios, faz sentido: após a desvalorização recente, a Microsoft vale quase 14 vezes mais que a empresa de streaming (US$ 1,77 trilhão, contra US$ 128 bilhões). Ela ainda tem o Xbox, plataforma de games que vai além do console, e neste ano adquiriu por US$ 68,7 bilhões a Activision Blizzard, da mesma área de jogos eletrônicos. Juntar a esse ecossistema o vídeo sob demanda seria uma bela jogada, sem contar que a própria Netflix tem se aventurado no mundo dos games para celular.

Também seria a concretização da famosa frase de Bill Gates. A Microsoft poderia finalmente se gabar de ser a "rainha" do conteúdo na internet - principalmente nessa nova fase do tão falado "metaverso", o universo de realidade virtual que replica a vida real.

"Para mim, ser ótimo na construção de games nos dá permissão para construir esta próxima plataforma, que é essencialmente a próxima internet: a presença corporificada. Hoje, eu jogo um jogo, mas não estou no jogo", explicou o atual CEO da Microsoft, Satya Nadella, em entrevista ao Financial Times após a compra da Activision Blizzard. "Agora, podemos começar a sonhar [com isso] por meio desses metaversos: posso estar literalmente no jogo, assim como posso estar em uma sala de conferência com você em uma reunião. Essa metáfora e a tecnologia se manifestará em diferentes contextos."

Imagine então adicionar todos os filmes, as séries e a tecnologia (incluindo o algoritmo) da Netflix à essa equação.  

Netflix, a nova Nokia?

O negócio poderia ser um péssimo destino para a Netflix. Obviamente, ser parte de um grupo muito maior, com caixa mais robusto, seria ótimo. Vide Amazon e Apple, que vêem no streaming como negócios secundários e podem se dar ao luxo de fazer jogadas grandes e exageradas. Só que não é só isso.

Mesmo que mantenha uma gestão separada, como acontece com o LinkedIn (outra empresa adquirida pela Microsoft), haveria um choque de cultura. Ainda que sejam empresas originalmente de tecnologia, não são, necessariamente, universos que se conversam. Será que Hastings e Ted Sarandos, co-CEOs da Netflix, se encaixariam? Ou eles deixariam a companhia? Isso levanta outros questionamentos, também.

Tem mais: a Microsoft, principalmente na época do ex-CEO e co-fundador Steve Ballmer, se voltou muito mais ao usuário corporativo do que ao consumidor final. Isso rendeu à empresa uma visão mais "quadrada" do que é inovação.

Por fim, a empresa de Seattle não tem necessariamente um histórico bom de aquisições. Sim, estou falando da compra da divisão de celulares da Nokia, em 2014, por US 7,2 bilhões. Em 2017, a empresa enterrou o negócio, junto com o Windows Phone. Para piorar, a aquisição da Activision Blizzard pode ser melada pela regulamentação anti-monopólio dos EUA, que teme uma integração entre a holding do mercado de games e a plataforma Xbox que seja desfavorável ao resto do mercado.

É, no mínimo, de dar frio na barriga.

Tudo agora depende do que irá acontecer na diversificação de receita da Netflix. Os primeiros movimentos não foram muito promissores, com relatos de mercado de que a empresa não teria conseguido entregar toda a publicidade prometida nas primeiras semanas de lançamento da nova plataforma de anúncios. Porém, o negócio ainda é novo - e tudo depende de como o serviço de streaming conseguirá angariar novos assinantes do plano e, principalmente, manter a atenção deles voltada à tela por horas a fio.

Neste momento diria que, por vontade própria, a Netflix não vai querer ser vendida para a Microsoft, por mais que a companhia de Seattle esteja interessada. Mas eu não apostaria nem um centavo nisso...

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Vale uma apresentação: sou Renan Martins Frade e tenho 17 anos de experiência no jornalismo. Nessa trajetória, coordenei a comunicação de marca da Netflix e gerenciei a relação com a imprensa de canais pagos como Warner Channel, CNN, Cartoon Network e TNT.

Do outro lado do balcão, ocupei por 12 anos o posto de editor do JUDAO.com.br, site pioneiro na cobertura pop no Brasil; criei e fui o editor-chefe do Filmelier, primeiro portal de notícias e curadoria para quem busca filmes no video on demand. Já no UOL, possuo uma newsletter semanal com sugestões do que assistir.

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