Mídia, Mercado e Etc.

Amazon aposta na mistura de true crime com comédia e compra podcast Caso Bizarro

Aquisição, a primeira da Amazon no setor em nosso país, exemplifica o novo momento do mercado de podcasts


Montagem de fotos de Mabê Bonafé e logomarca do Caso Bizarro
Mabê Bonafé apresenta o Caso Bizarro

Com uma tacada só, a Amazon faz uma movimentação importante tanto no mundo dos podcasts quanto no do true crime. Em anúncio feito em primeira mão a esta coluna do NaTelinha, a Wondery, estúdio da gigante da internet, comunica a primeira aquisição de um programa no Brasil. Trata-se de Caso Bizarro, apresentado por Mabê Bonafé.

Caso Bizarro traz ainda para mesa outro sucesso da web: o humor – dentro do que chamamos de “terrir”, mistura de terror com comédia –, e é um derivado do hit Modus Operandi, no qual Mabê apresenta casos de crimes reais ao lado de Carol Moreira. Uma vez por mês, durante uma hora, a apresentadora conta um caso misterioso (e engraçado). Nos episódios restantes, ela apresenta convidados especiais para debater relatos enviados pelos ouvintes.

+ Novo Linha Direta é uma bem-vinda evolução no true crime, mas será o suficiente?

A partir desta semana, na nova fase, a atração passa a ter dois episódios inéditos por semana. Um exclusivo na Amazon Music, às quartas; enquanto o outro, lançado às segundas, ficará disponível em todas as plataformas. Já estão garantidas participações mensais de Chico Felitti (do sucesso A Mulher da Casa Abandonada) e Filipe Bortolotto.

“Além dos investimentos em produção de conteúdos originais, a Wondery continua a expandir a quantidade de programas locais com a adição de podcasts já existentes que os nossos ouvintes adoram”, conta Fábio Silveira, Head Brasil de Conteúdo do estúdio, por meio de comunicado oficial.

A Wondery pertencia anteriormente à 20th Century Fox e, após a aquisição do grupo pela Disney, foi vendida à Amazon em 2020 - quando a pandemia havia impulsionado o consumo digital.

Podcasts, se você ainda não está acostumado com o termo, são programas de áudio transmitidos pela internet. O nome vem de uma junção de iPod (que transofromou a música digital em um produto móvel) e broadcast, temos em inglês que significa radiodifusão. Na prática, tirou das mãos dos grandes grupos de mídia o monopólio da produção de conteúdo.

Hoje existem incontáveis produções do tipo, abordando temas como jornalismo, educação, cultura, humor, fofoca, esportes e muito mais. Até este colunista aqui tem o seu próprio programa, com dicas de filmes e séries, que está disponível no Spotify, no próprio Amazon Music e no YouTube - inclusive porque, nos últimos anos, o formato migrou fortemente para o vídeo.

A mais recente tacada da Amazon pode ser um novo gás nesse setor, que vem crescendo apesar dos reveses.

Brasil, o país que mais consome podcast no mundo

É impossível ver o movimento de hoje de forma isolada. De acordo com números do GWI em 2022, 21,2% dos usuários da internet entre 16 e 64 anos ouvem podcasts. De um ano para o outro, o crescimento foi de 3,9%. Pode parecer pouco, mas houve uma queda geral de 1,3% entre aqueles que escutam música em apps de áudio.

Isso ganha ainda maior dimensão quando olhamos para os números absolutos. Se extrapolarmos o dado anterior para todas as idades, estamos falando de mais de 1 bilhão de pessoas.

Além disso, a porcentagem não está muito longe do total que acompanha vídeos sobre games (26,2%) e de influencers (25,5%) na web, ou mesmo do número de quem assiste a conteúdos virais e de humor (35,8%).

O consumo em tempo também está subindo: foi de 52 minutos por dia no final de 2020 para 62 no terceiro trimestre de 2022.

Isso quando consideramos o mundo todo. No Brasil, os dados são ainda mais surpreendentes. Nada menos que 42,9% dos brasileiros entre 16 e 64 anos acompanham podcasts semanalmente. Fazendo mais uma vez a extrapolação de dados, estamos falando de algo como 78 milhões de ouvintes.

Nos Estados Unidos, essa penetração é de “apenas” 25,7%. Já em Portugal, que nos exportou a sua língua, fica em 24,1%.

Sem uma pesquisa qualitativa fica difícil entender essa força por aqui, mas é possível fazer conjecturas. O rádio sempre foi muito forte no Brasil, com muitos programas de variedades e entrevistas. Podemos dizer que o Pânico, no ar há décadas na Jovem Pan, já fazia um podcast muito antes da internet existir. Porém, dá para voltar ainda mais no passado, lembrando de radialistas como Eli Corrêa, Gil Gomes, José Paulo de Andrade, Ademar Casé, Ary Barroso e muitos outros. Em maior ou maior grau, os podcasts apenas continuam com essa herança, dentro de um outro formato de distribuição.

Outro ponto é que o brasileiro, de forma geral, é um ávido consumidor de internet, de conteúdo e de informação. Sempre que há um ranking dentro dessas áreas, nós nos destacamos.

Nem tudo são flores

Obviamente, não dá para dizer que esse mercado viaja em céu de brigadeiro.

O Spotify, maior plataforma de áudio do mundo, tirou o pé do investimento em programas. Em maio agora, a empresa sueca anunciou que estava demitindo 200 pessoas na divisão responsável por esse tipo de produto.

Foi o segundo corte apenas neste ano: 600 funcionários, de diversos setores, ficaram sem emprego em janeiro.

Acontece que a aposta dos suecos foi alta. O streaming de áudio tem margens baixas e a empresa acreditava que podcasts poderiam ser uma forma de rentabilizar conteúdo para além das músicas, sem dividir dinheiro com gravadoras e editoras.

+ Indústria musical supera “Efeito Napster” e renasce das cinzas com streaming

Investiram US$ 600 milhões para adquirir estúdios como The Ringer, além de fechar acordos de exclusividade com várias estrelas (incluindo os nomes dos Obamas, Kim Kardashian e príncipe Harry), mas, na prática, a rentabilidade continuou baixa, como informa o Financial Times. O Semafor corrobora esses dados, e diz que o gasto total pode ter chegado na casa do bilhão.

A questão, talvez, seja exatamente essa: escala.

Diferentemente do streaming de vídeo por assinatura, como a Netflix, o setor de podcast nunca teve um crescimento exponencial. Sempre foi uma ampliação incremental, pouco a pouco, sem uma explosão única.

Inclusive, isso ajudou a dar uma segurança para a produção desse tipo de conteúdo. Sem grandes correções de rota, como ocorreu no vídeo. Ao mesmo tempo, a cauda longa do podcasting lembra mais a do YouTube: incontáveis produções de nicho, descentralizadas, feitas por produtores independentes.

O Spotify informa que continua ainda comprometido com os programas de áudio. É provável que, agora, busque agir mais como o Google faz com a plataforma de vídeo: ser um palco para os independentes brilharem, com um ou outro grande se destacando.

O dinheiro que entra também está longe de fazer brilhar os olhos dos grandes grupos de mídia. Na prática, a maioria acaba ganhando muito pouco, ou até mesmo ficando zerado. É por isso que não há tanto a necessidade de uma plataforma “colocar a mão na massa”, diretamente.

Como fica a Amazon?

Obviamente, o que se aplica ao Spotify não pode ser empregado igualzinho pelo Amazon Music.

A plataforma da empresa fundada por Jeff Bezos ocupa uma posição diferente nesse mercado. Se nos EUA eles estão empatados com os suecos em market share (de acordo com a Activate Consulting), o jogo muda no Brasil.

De acordo com dados do Statista, de 2020 (que podem estar um pouco desatualizados), o Spotify tem 61% dos acessos no segmento - contra apenas 9% do serviço da Amazon.

É preciso considerar que a gigante americana tem objetivos diferentes nessa disputa. Áudio não é o principal objetivo deles, mas sim fidelizar consumidores dentro do pacote Prime - que oferece diversas benesses em troca de uma fidelização para render mais vendas no e-commerce.

Para esse jogo dar certo, eles precisam manter o assinante dentro de seu ecossistema - e programas de áudio são perfeitos para isso. São conteúdos mais longos, periódicos e por aí vai.

Agora é só somar os pontos. Podcasts possuem uma grande penetração, principalmente no Brasil. Humor é um sucesso ainda maior, e o chamado true crime (como já falamos nesta coluna) vive um boom mundial. Pra fechar, Caso Bizarro agrega tudo isso junto com um formato que possui um grande número de fãs. Mais, até: em um formato que permite convidados famosos da própria internet.

Isso tudo sem gastar uma fortuna para ter a Meghan Markle.

E assim caminha o mercado de podcasts - com menos glamour neste 2023, mas certamente mais forte do que nunca em uma trajetória prestes a completar 20 anos.


Faça parte do meu grupo no WhatsApp, siga-me no Twitter, Instagram, TikTok e LinkedIn, inscreva-se no canal do YouTube.

NaTelinha no LinkedIn

Siga nossa página no LinkedIn e fique por dentro dos bastidores e do mercado da TV.

TAGS:
Mais Notícias

Enviar notícia por e-mail


Compartilhe com um amigo


Reportar erro


Descreva o problema encontrado