Fim do Faustão na Band coloca em dúvida o futuro dos programas de auditório
É necessária uma reflexão sobre o tradicional formato em uma era de mudança de comportamento e na forma como consumimos entretenimento
Publicado em 23/05/2023 às 04:45,
atualizado em 23/05/2023 às 09:55
Na última semana, Band e Fausto Silva anunciaram o fim da parceria. Há diversos motivos para esse rompimento, como você tem acompanhado na impecável cobertura do NaTelinha. Porém, o fato deixa uma pulga atrás da orelha: será que isso não revela o fim de um dos mais prestigiosos formatos da TV brasileira?
Por décadas, os programas de auditório marcaram a nossa vida. Na Globo, Faustão aperfeiçoou a fórmula com o seu estilo característico. Contudo, o apresentador nunca se encontrou na nova casa. A audiência sempre foi na casa dos 2 ou 3 pontos, bem longe dos almejados 8.
Só que não é só Faustão na Band que está sofrendo.
A época de grande público na televisão aberta acabou. Todos os canais sofrem com essa sangria. Os motivos são diversos: vão desde a ascensão das plataformas de streaming à concorrência de outros tipos de entretenimento, como os games.
O que acontece, mesmo, é que o televisor não ocupa mais o centro de nossas vidas, por mais que esteja ainda em posição de destaque em nossas salas. Há diversas outras telas disputando a nossa atenção, incluindo formatos de vídeos curtos como o TikTok.
Repensando o papel da TV
Os canais abertos - diferentemente dos fechados - não vão morrer. Não tão cedo, ao menos. Eles preenchem um espaço relevante e de peso na comunicação.
No entanto, as emissoras estão em um momento de repensar a sua função social e comercial.
Streamings como a Netflix oferecem um entretenimento mais cômodo, no momento e no lugar que o espectador quiser. Já plataformas como o TikTok prendem a nossa atenção ao estimular a liberação de dopamina em nossos cérebros. Se não adianta querer competir com eles em comodidade e em vício, a TV aberta precisa se valer de seus dois grandes méritos: acessibilidade e alcance.
Renan Martins Frade
Como se faz isso? Com transmissões ao vivo e com cobertura em tempo real, instantânea. A internet tem lives, claro, mas elas (ainda) não possuem o peso de colocar todo mundo frente à tela ao mesmo tempo para ver a final de campeonato, um reality show ou o grande acontecimento do mundo naquele momento.
É a televisão tradicional que tem esse poder da conversa. O poder da comunhão.
Programas de auditório podem ser os expoentes dessa força. Se agregarem dinâmica e interação, têm uma boa chance de funcionar.
Talvez aí esteja um problema de Faustão na Band: abrir mão do ao vivo, característica que por décadas marcou o apresentador na Globo.
Investimentos mais modestos
O encerramento da era das grandes audiências traz outra consequência: o fim dos grandes faturamentos.
Com o público mais pulverizado, os investimentos de publicidade também o são. Vamos ser sinceros, isso é melhor para todo mundo: há mais produtores de conteúdo fazendo sucesso em seu nicho, com cada um deles recebendo uma fração do que os grandes comunicadores ganhavam de dinheiro no passado.
É mais justo.
Os programas de auditório são uma grande vantagem. Relativamente baratos de produzir, se adaptando à nova realidade. Ainda assim, um problema se apresenta.
O formato é extremamente dependente de uma figura central, carismática, que puxe a atração. Alguém com um alto salário, que justifique essa personalização. É o caso de Fausto Silva.
É aqui que fica uma encruzilhada: para continuar existindo, essas atrações vão precisar de apresentadores menos caros. A Globo já percebeu isso – e cortou os salários de Luciano Huck e Marcos Mion, por exemplo.
Quem está mais por dentro do caso de Fausto Silva diz que foi necessária uma redução nos vencimentos da estrela depois de não serem atingidos os objetivos comerciais. Como informa o colunista Sandro Nascimento, a parceria acabou dando prejuízo para o canal da família Saad.
Ainda de acordo com o Sandro, a Band está estudando colocar Zeca Camargo como a nova atração noturna. Se o acerto comercial for feito nos moldes desse momento atual da mídia mundial, tem mais chances de ser bem-sucedida.
Desgaste
Ser aos domingos colocava o Domingão do Faustão na posição de algo especial, uma marca registrada do dia de descanso dos brasileiros. Nesse contexto, criou fenômenos culturais relevantes dentro do mote da comunhão, como O Se Vira nos 30 e a Dança dos Famosos.
Eram 52 dias do ano para encontrar Fausto Silva.
Ser diário transformou esse encontro em uma coisa banal. A produção até tentou manter esse frescor, criando um tema ou quadro diferente para cada dia da semana, mas isso não evitou o desgaste da fórmula.
A transmissão de segunda a sexta também deixa exposto à intempéries. Ao fazer uma rápida busca aqui no NaTelinha, você encontrará diversas notícias sobre a atração da Band perdendo em audiência para o futebol no SBT ou com queda de público por causa do horário político.
Isso quer dizer que não podemos ter mais programas de auditório diários? Não, o Ratinho está aí há décadas para provar que isso ainda é possível. Porém, as expectativas precisam ser calibradas. Cada dia da semana é uma batalha diferente, com resultados diversos.
Qual é o próximo passo?
Isso é tudo sobre o hoje, mas qual será o amanhã para esse tradicional modelo?
Em um contexto cada vez mais multimídia, uma entrega em diversos formatos é necessária. Além da transmissão na TV, dá para emplacar a atração em outras plataformas, atingindo mais gente na internet.
Contudo, nenhum programa de auditório conseguiu ainda fazer essa transição para o streaming. Faustão não é exceção.
O Band Play é uma iniciativa muito pequena nesse sentido. De acordo com o SimilarWeb, a plataforma tem 260 mil acessos por mês.
A produção de Fausto Silva tem investido no YouTube para preencher essa lacuna. Conseguiu 667 mil inscritos, o que é uma bela marca. Mas isso não se transfere para audiência nos vídeos: poucas publicações realmente estouram, muitas não chegam nem nos mil views.
Acontece que a plataforma de vídeos do Google é um ambiente muito disputado. Nem tudo o que funciona na televisão vai dar certo por lá. Talvez seja necessário repensar o conteúdo.
Ainda assim, as milhões de pessoas perdidas não vão estar lá. Mais uma vez é necessário recalibrar expectativas, repensar entregas e os formatos de publicidade. Tanto para a Band sem o apresentador, quanto para Faustão em sua nova casa – seja ela a Record ou o SBT. O mundo, afinal, mudou.
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