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Greve em Hollywood pode atrasar sua série favorita, mas streamings não vão se importar

Roteiristas, diretores e atores podem paralisar a indústria de entretenimento americana a partir de maio


Imagem ilustrativa de um controle remoto apontando para TV
Greve pode atrapalhar novas temporadas da sua série favorita nos streamings

Prepare-se: pode ser que a próxima temporada da sua série favorita ou aquele novo filme muito aguardado demorem um pouco mais para estrear. É que, neste exato momento, três dos sindicatos mais importantes de Hollywood estariam ameaçando entrar em greve. Se o cenário para nós, espectadores, não é muito bom, os estúdios e plataformas de streaming parecem não se importar muito com o movimento - e talvez até estejam desejando por essa paralisação.

Sindicatos são coisa séria nos Estados Unidos, principalmente em Hollywood. Praticamente todas as produções são obrigadas a contratarem profissionais filiados a essas instituições - que fecham importantes acordos coletivos com as companhias que produzem conteúdo audiovisual, representados pela Aliança dos Produtores de Filmes e Televisão (AMPTP, da sigla em inglês). São contratos que estipulam salário mínimo, condições de trabalho, seguro saúde e muito mais.

Os atuais acordos dos produtores com três desses sindicatos (dos roteiristas, diretores e atores) terminam agora em 2023. Em 1º de maio expira o contrato com o primeiro grupo, representado pelo Sindicato dos Roteiristas da América (WGA) - e é onde uma greve tem mais chance de acontecer.

Os roteiristas estão bem descontentes com a ordem das coisas após o advento do streaming. Se antes as temporadas das séries tinham mais de 20 episódios, a conta agora caiu para menos de 10. No formato antigo, havia emprego por 10 meses no ano, com uma pequena pausa de férias e era isso. Hoje, esses profissionais possuem salário garantido por apenas três ou quatro meses, se vendo obrigados a pular de projeto em projeto. Somado a uma inflação de 6,5% só em 2022, abre-se espaço para a demanda do reajuste salarial.

Não é só isso: os roteiristas, assim como outros profissionais da indústria do entretenimento, possuem direito a pagamentos residuais, uma conquista de negociações passadas. São cheques que chegam de tempos em tempos, com parte dos ganhos que a série ou filme no qual trabalharam fez com vendas em DVD, para afiliadas de TV, para outros países, etc. Acontece que, em um mundo dominado pelo novo modelo da Netflix, essas produções ficam para sempre na mesma plataforma de streaming, sem serem negociadas em outras “janelas de exploração”. Ou seja, essas vendas posteriores praticamente deixam de existir, assim como esses residuais.

No Twitter, a roteirista Kyra Jones exemplificou a situação. De acordo com ela, o primeiro pagamento residual que recebeu de uma série de TV tradicional foi de R$ 61 mil. Já a mesma quantia de uma produção para o streaming foi de apenas R$ 20.

Agora, a ideia do sindicato é barganhar para aumentar esses valores, ou encontrar uma forma de compensá-los dentro da nova realidade. O cenário, por outro lado, não favorece um entendimento, com uma crise na indústria do entretenimento americana fazendo as ações dos grandes grupos caírem, além de procurarem outras formas de receita - até aqui sem o mesmo sucesso de outros tempos.

O WGA já passou do prazo de validade

O sindicato dos roteiristas sempre foi o mais barulhento entre as uniões laborais de Hollywood, tendo um longo histórico de paralisações. Porém, vive agora uma inédita fase de “calmaria”.

Até então, o maior período do WGA sem entrar em greve tinha sido entre 1960 e 1973, quase 13 anos. Neste momento, a última paralisação da categoria terminou em fevereiro de 2008. São mais de 14 anos sem greve. Se o humor do sindicato tivesse um prazo de validade, poderíamos dizer que já venceu há tempos.

Ainda assim, a organização resolveu se movimentar para tentar aplacar esses rumores. Em seu site oficial, o WGA publicou um documento no qual afirma que os boatos sobre a greve são “enganosos e provocativos” e que as negociações com os empregadores são “conduzidas por meio de um processo democrático”.

É importante ressaltar que uma paralisação dessas proporções não seria convocada de uma hora para a outra. Os dois lados vão à mesa negociar. Caso a proposta da aliança dos produtores não satisfaça as lideranças dos trabalhadores, o assunto pode ser levado a uma assembleia para os membros do sindicato votarem se concordam ou não com uma greve. Com essa autorização em mãos, caso haja, aí sim os representantes dos roteiristas podem tentar uma última barganha com os empregadores. Trata-se de um processo longo e complicado.

Um exemplo recente ocorreu em 2021, quando o sindicato que representa contra-regras, artesãos e artistas de Hollywood aprovou a paralisação em assembleia - mas entrou em acordo com a AMPTP antes da greve efetivamente começar. Em 2017, os mesmos roteiristas decidiram por uma paralisação, mas um novo acordo foi assinado antes de que o ato fosse consumado.

Uma eventual suspensão dos trabalhos só ocorreria depois do vencimento do atual acordo coletivo, em maio. Sempre é bom lembrar, também, que uma barganha nesses casos pode ser benéfica no médio prazo, mas no curto os grevistas precisam lidar com a falta de pagamentos durante o tempo parado. Quando uma grande greve como essa começa, vira um jogo de quem “pisca” primeiro.

Enquanto isso, diretores e atores seguem olhando atentamente para as negociações. Entre eles há uma vantagem: os contratos expiram depois, em 30 de junho.

Essas associações são mais cautelosas, também. O Sindicato dos Diretores da América (DGA) parou por apenas uma vez em sua história de 86 anos, em 1987 - e foi por míseros 15 minutos na Costa Oeste e 3h15 na Costa Leste. Já o Screen Actors Guild entrou em greve pela última vez em 2000, mas apenas entre os atores de comerciais.

Greve pode ser algo bom para os estúdios

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A última grande greve em Hollywood foi entre 2007 e 2008, quando os roteiristas pararam por três meses. Na época, o WGA exigia melhores pagamentos para os seus membros, incluindo nos residuais do que, na época, chamavam de “nova mídia” (incluindo a internet).

A AMPTP, antevendo a paralisação, acelerou a produção de filmes e séries em um esforço para criar um robusto catálogo que preenchesse a programação dos cinemas e dos canais de TV. Ainda assim, séries como Breaking Bad, CSI, House, 24 Horas e Lost sofreram com a greve, incluindo repercussões como temporadas interrompidas ou reduzidas e até programas totalmente cancelados. Ao mesmo tempo, reality shows como Big Brother tiveram mais episódios para ocupar as lacunas na programação.

Em parte, isso já começou a se repetir. Informações de bastidores dão conta de que algumas séries já adiantaram o seu ciclo de produção, convocando roteiristas mais cedo, por exemplo.

Do outro lado do balcão, essa preocupação não estaria sendo acompanhada pelos executivos dos estúdios, incluindo das plataformas de streaming. É que uma greve poderia ser um bom negócio para eles.

Até meados de 2022 existia uma verdadeira corrida ao streaming. Praticamente todos os grandes grupos de mídia apostaram alto para construírem uma base grande de usuários - incluindo encomendar e lançar muitas (e caras) produções, mesmo que a conta não fechasse. No ano passado, os resultados negativos da Netflix, a inflação e o medo da recessão, entre outros fatores, fizeram esse jogo mudar.

Investidores passaram a olhar melhor para as contas das empresas, exigindo finanças mais saudáveis - ou seja, mais receitas e menos gastos, com débitos menores. Netflix e grupos como Warner Bros. Discovery tiraram o pé e começaram a cancelar filmes e séries já encomendadas ou até quase completas. Ainda assim, muita coisa está garantida para ser lançada em 2023, com o calendário de estreias no streaming realmente desacelerando apenas em 2024.

Uma greve, nesse cenário, seria uma oportunidade. Grande parte do pagamento dos estúdios aos produtores ocorre apenas quando o produto é completo e até depois disso, em um processo que pode levar anos. Um atraso nesse cronograma não só empurraria esses pagamentos mais para frente, como também justificaria renegociações nos contratos por “força maior”. Podem evocar até o recebimento do seguro, se for um caso extremo.

Seria um belo respiro financeiro, mas sem ter que lidar com a raiva dos fãs. A temporada foi adiada ou a série favorita foi cancelada? Não culpe a plataforma de streaming, mas sim a greve.

Ou seja, no final pode sobrar apenas para os trabalhadores e para os espectadores.

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