Netflix quer transformar esportes ao vivo em A Fazenda
Sem apetite para pagar caro por uma categoria esportiva top, gigante pensa em pegar emprestado os pilotos da F1 para transformá-los em celebridades de reality
Publicado em 25/06/2023 às 09:30
A Netflix disse várias vezes que não investiria em esportes ao vivo. Pelos rumores cada vez mais quentes, isso está prestes a acabar - e de uma forma bem inusitada. Se as negociações atuais derem resultado, a gigante do streaming tem tudo para transformar as transmissões esportivas em uma espécie de reality show ao estilo A Fazenda, ou ainda como De Férias com o Ex.
De acordo com The Wall Street Journal, a empresa de Los Gatos, Califórnia, está nos estágios iniciais de um acordo para transmitir um torneio de golfe com celebridades, planejado para ocorrer em Las Vegas, Nevada.
O campeonato, informa o periódico, deverá reunir estrelas da Fórmula 1 e jogadores de golfe famosos. Em ambos os casos, os atletas já são protagonistas de séries da Netflix: os pilotos aparecem em Drive to Survive (Dirigir para Viver, em português), enquanto o pessoal das tacadas protagoniza Full Swing (Dias de Golfe). Ambas as produções misturam acontecimentos dentro e fora das pistas e dos campos, destacando dificuldades e elevando polêmicas.
Agora, com tantas oportunidades do tipo em todo o mundo, porque a empresa norte-americana quer ver um bando de amadores contra golfistas profissionais?
É aí que está a grande tacada, com perdão do trocadilho.
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Netflix não se importa com esporte
Vamos ser sinceros: a Netflix não se importa, necessariamente, com a qualidade do esporte que vai transmitir.
Ela sabe que direitos esportivos de qualidade são caríssimos. É por isso que, no passado, ouvi de um executivo da companhia que eles “nunca” teriam esse conteúdo. Uma NBA, como a concorrente Prime Video adquiriu na última temporada, envolve um enorme investimento. O mesmo podemos dizer de Paramount+ e Star+/ESPN com a Copa Libertadores, por exemplo.
Hoje, a Netflix percebeu que o ao vivo engaja. Podem criar um fenômeno de uma grande parcela das pessoas acompanhando ao mesmo tempo, interagindo nas redes sociais e vivenciando uma experiência compartilhada. Na plataforma, cria um senso de urgência: você precisa ver naquele momento.
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Em um momento no qual o serviço sofre mais para ampliar a base de assinantes, virou uma ótima estratégia.
Mais do que isso, até. São exibições mais longas, prendendo os espectadores por mais tempo - e, dessa forma, assistindo a mais publicidade. Além do plano com anúncios, lançado no ano passado, o público em geral recebe de forma mais aberta as propagandas nas transmissões esportivas. O pessoal que paga a assinatura cheia veria sem (quase) reclamar.
Com menos vontade em gastar dinheiro, sobram então os direitos de torneios menores - como um campeonato de golfe. Porém, por que um com celebridades? Bom, isso é fácil de entender.
Netflix vai apostar nos famosos
Drive to Survive é um fenômeno no streaming. A série documental que revela os bastidores da F1 estreou a quinta temporada em fevereiro, com um aumento de 40% de audiência no lançamento em relação ao ano anterior.
A produção teve um grande impacto na atenção das corridas em si. A audiência da categoria claramente rejuvenesceu, com o público jovem se engajando nos GPs pelas redes sociais. Os pilotos e dirigentes viraram estrelas para além da bolha esportiva.
O sucesso foi tanto que a Netflix teria considerado entrar na disputa pelos direitos de transmissão da Fórmula 1 nos Estados Unidos, mas a categoria acabou renovando com a ESPN por (de acordo com algumas fontes) US$ 255 milhões, US$ 85 milhões por temporada.
Por esse valor, a Netflix poderia produzir 12 versões de Round 6, que é o maior sucesso da história da plataforma. Ou ainda repetir Stranger Things 5, o maior orçamento por episódio em uma série da empresa. Isso sem contar custos com equipe, logística, servidores para aguentar o pico do ao vivo e muito mais.
Em vez disso, um torneio de golfe com os mesmos pilotos traz o engajamento dessas estrelas, mas sem um décimo do custo da F1 - ainda que seja caro “convencê-los” a estarem presentes. A aposta é que as pessoas querem ver Fernando Alonso, Lewis Hamilton, Charles Leclerc e Max Verstappen, e não necessariamente eles acelerando carros que são verdadeiros foguetes tecnológicos pelos circuitos do mundo.
Por isso, não se engane: o aspecto esportivo vai ficar em segundo plano mesmo para padrões amadores. O golfe tem uma característica bem peculiar: o jogador, às vezes, dá uma tacada só para, em seguida, se movimentar por grandes espaços, pensar no melhor taco, na melhor tacada... É um esporte, invariavelmente, mais lento e com transmissões longas.
É por isso que o foco das câmeras será no embate entre os participantes. Alonso reclamando de Leclerc, Hamilton bufando da atitude de Verstappen. Ou ainda com Scottie Scheffler, o número um do ranking do golfe, tentando explicar para o sorridente Daniel Ricciardo como bater em uma bola - com o australiano gargalhando sem parar no processo.
Sabe aquela antessala antes do pódio da F1, com os pilotos conversando rapidamente em frente às câmeras? Vai ser isso, só que por horas e horas. Se o projeto se tornar realidade, estará concluída a BBBzificação da categoria máxima do automobilismo. Ou A Fazendizificação, já que estamos falando de famosos colocados fora de seu habitat natural.
Como dizem por aí: “Deus me livre, mas quem me dera”.