Um Lugar ao Sol estreia com marca autoral e retrato da desigualdade do Brasil
Lícia Manzo não abriu mão de sua marca, mas maquiou estilo e apostou em mostrar o brasileiro
Publicado em 09/11/2021 às 04:00,
atualizado em 09/11/2021 às 09:31
A estreia de Um Lugar ao Sol na última segunda-feira (08) teve algumas marcas muito fortes para quem pôde acompanhar. A começar pela autora, Lícia Manzo, que não abriu mão de sua principal característica: o diálogo. Além disso, a novelista não abandonou o tom que lhe deu fama com A Vida da Gente (2011), mostrar todos os personagens tristes o tempo todo. Numa profusão de Cauã Reymond, o primeiro capítulo foi marcado ainda por um retrato social de desigualdade brasileira muito bem delineado e sem parecer didática demais.
Quem acompanhou a quase uma hora e meia de capítulo pôde notar que a costura parecia de um filme que mostrava a trajetória de Christian, visto o tempo todo como o grande protagonista, e o paralelo com seu gêmeo separado pouco depois do nascimento, Renato. Fosse um longa, certamente os dois irmãos teriam se encontrado e acertado os ponteiros, mas no tempo de arte de uma produção de cinema é o que ocorrerá. Ou seja, a autora optou por fazer um filme na primeira fase até dar o pontapé inicial da história, que não é exatamente o encontro dos gêmeos, como se sabe.
Neste sentido, Lícia optou por mostrar sua marca forte, os diálogos constantes mostrando para o público o que acontece. Desde A Vida da Gente, ela sempre foi elogiada - e criticada também - porque seus personagens sempre conversam muito e explicam muito. Neste primeiro capítulo, em que o público precisa conhecer passado e presente para entender o que está acontecendo, funcionou bem.
Aqui, vale salientar outra marca importante da novelista, a tristeza constante de seus personagens. Já no primeiro capítulo, não há ninguém feliz em Um Lugar ao Sol. Seja o protagonista, seja seu irmão gêmeo e a família rica, ou mesmo o melhor amigo de Christian, Ravi (Juan Paiva), a quem a produção reservou a cena mais forte, em que ele se joga para baixo em detrimento de tudo o que viveu. E a autora mostrou sua habilidosa mão para fazer tudo isso sem entregar cenas muito pesadas e que incomodam, já que funcionou perfeitamente.
Mas o melhor da estreia foi a expertise que Lícia Manzo teve para aproximar sua obra do público mostrando um perfeito retrato social do Brasil desigual. Num país em que, durante a pandemia, mais de 19 milhões de pessoas passam fome e outras tantas possuem insegurança alimentar, os ricos ficaram ainda mais ricos. Portanto, o paralelo em que o público via os gêmeos crescendo em ambientes diferentes, com Christian lutando muito, mas a pobreza o impedindo de crescer e Renato tendo tudo, mas desperdiçando, acertou em cheio no coração da maioria do brasileiro. "A vida não quis que eu estudasse" foi dita pelo mocinho, mas poderia ser a frase do túmulo de 90% dos brasileiros.
Do ponto de vista técnico, Um Lugar ao Sol apresentou certa confusão com o filtro que não dava indicativo do ano em que a história se passava, principalmente no meio a tantas passagens de tempo. Enquanto o posicionamento de câmera privilegiava os atores, nitidamente se percebeu que o diretor trabalhou para que seu elenco estivesse à vontade em cena e conseguiu. Destaques para Cauã Reymond, muito bem com os dois papéis, Andreia Horta como a mocinha Lara, mas o primeiro capítulo teve um dono: Juan Paiva, brilhante como o inseguro Ravi.
Analisar uma obra por um capítulo é difícil e até arriscado, mas Um Lugar ao Sol oferece frescor. Seja porque temos uma estreia inédita na faixa em dois anos por causa da pandemia, seja por ser uma autora novata na faixa. E quem esperava um repeteco de novelas com gêmeos se surpreendeu. Vale a pena acompanhar.