Os bastidores do Chacrinha na Record
Diretor de TV, James Ackel relembra conversas com o Velho Guerreiro
Publicado em 17/07/2023 às 10:00,
atualizado em 28/07/2023 às 10:07
Eu conheci o Chacrinha em 1976 na TV Record. Na época era gerente de marketing de um patrocinador do programa dele e fiquei responsável por acompanhar o apresentador nos programas de sábado e até organizar eventos para ele fora da televisão.
Um deles foi um evento que criei com ele dando autógrafos em uma loja desta empresa em Santo André. Foi uma loucura ver aquele povo querendo autógrafos de Chacrinha, mesmo ele estando na TV Record e com baixo ibope.
Em verdade os diretores de televisão pensaram que o Chacrinha tinha acabado após ele ter deixado a Globo em 1972. Não davam mais nada por ele e o Velho Guerreiro foi acolhido pelo Paulinho Machado de Carvalho, diretor da TV Record, com inúmeras limitações para o programa. A atração era sábado ao vivo, nos estúdios da emissora em São Paulo.
Na sexta-feira eu ia encontrar o Chacrinha no hotel onde ele ficava no centro da cidade. Ali durante a tarde de sábado, uma produtora do Chacrinha ficava ligando para convidar as pessoas em um telefone fixo do lobby do hotel a poucos metros de onde Chacrinha ficava sentado.
Chacrinha e a mágoa da Globo
Falávamos muito de TV, da Globo e do Boni. Foi tudo em desabado, em sigilo e eu jamais revelei a quem quer que seja. Chacrinha carregava consigo uma mágoa da Globo que depois de fazer as pazes com Boni se transformou na reta final de sua carreira com uma grandiosa volta ao canal, em 1982.
Na Record, a produtora sempre que conseguia alguém para ir ao programa ia até onde Chacrinha estava sentado e falava que tinha confirmado com este ou aquele artista.
Mas então Chacrinha me dizia que uma coisa era a pessoa aceitar o convite na sexta feira, outra coisa era a pessoa ir de verdade na TV Record no sábado à noite, quando a maioria dos artistas faziam show.
Chacrinha e sua cueca samba canção
No começo da noite, quando a produção estava definida e Chacrinha tinha uma ideia do que seria seu programa, eu ia embora. No dia seguinte, noite de sábado, lá estava eu na TV Record indo ao camarim do Chacrinha. Ali a situação era insólita em relação ao Chacrinha. Seu camarim tinha dois metros de largura e três de profundidade, não tinha janela e nem banheiro.
Chacrinha não se intimidava com aquilo e deixava a porta aberta e ficava de cuecas samba canção branca. A sua produtora, que na tarde da sexta-feira tinha conseguido contato com os artistas, também estava ansiosa para saber quem de verdade participaria do show. Poucos minutos antes do programa começar, a profissional ia até o camarim mostrar a lista dos que realmente iriam participar do programa.
James Ackel
Chacrinha guardava o pedaço de papel no bolso do fraque - que ele já tinha vestido - e depois então colocava suas calças. Fazia o sinal da cruz e caminhava pelo largo e imenso corredor que o levaria até atrás do palco do programa.
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Neste momento eu me despedia dele e ia embora. Tempos depois, eu fiquei feliz ao ver o Chacrinha com boa audiência na Band e logo depois fazendo as pazes com o Boni e indo de novo para a TV Globo.
Em 1986, aos 70 anos, Chacrinha morreu trabalhando, como era o seu desejo. Dividiu o palco de seus últimos dias com o João Kleber, por quem ele tinha muito carinho. Depois da TV Record eu não encontrei mais o Chacrinha, pois o anunciante não patrocinou a ida dele para outra emissora. Mas eu ficava muito feliz quando eu o via na TV e chorava muito quando o assistia na Globo, sabendo que ele estava desencarnando a cada dia.
Nada existiu parecido com ele na TV e nem vai existir. Alguém pode tentar copiar o Flávio Cavalcanti (1923 -1986), o Silvio Santos, mas jamais alguém vai sequer tentar imitar o ídolo que a TV tanto mostrou ao povo. Meu querido Chacrinha.
James Ackel é jornalista, diretor e produtor de teatro e televisão. Dirigiu e produziu o Especial Hebe na Band em dezembro de 2020.
