Opinião

Atuação da Semana: Fábio Assunção foge do clichê com cafajeste nostálgico em Todas as Flores

Ator está com narrativa complexa e faz a lição de casa na novela do Globoplay


Cena de Todas as Flores com Humberto
Impressionante trabalho de Fábio Assunção em Todas as Flores - Foto: Reprodução/Globoplay

Para quase todo ator fazer um vilão é o papel dos sonhos, mas também muito difícil. Receber o desafio de ser um antagonista homem com um personagem visto como cafajeste tem mais desafios ainda. Num clichê para lá de batido nas nossas novelas, Fábio Assunção foi convocado para construir exatamente esse tipo em Todas as Flores. O ator matou no peito e joga uma partidaça, com direito a gol de letra na mais recente semana da trama do Globoplay.

Nos blocos mais recentes de capítulos da produção escrita por João Emanuel Carneiro, Humberto ganhou nuances intensas, letras carregadas definindo claramente como ele é um homem perturbado. Ao mesmo tempo em que tenta recuperar o tempo perdido com Pablo (Caio Castro), ele rouba o outro filho, Rafael (Humberto Martins). Enquanto mostra que ama verdadeiramente Judith (Mariana Nunes), o personagem seduz Mauritânia (Thalita Carauta) para roubar a empresa.

Humberto é o típico cafajeste controlado por mulher(es), no caso Zoé (Regina Casé) e Débora (Bárbara Reis). Como eles, a dramaturgia construiu muitos outros. Dodi (Murilo Benício), de A Favorita (2008) e Max (Marcelo Novaes), de Avenida Brasil (2012), para citar dois do mesmo autor. Diante disso, seria muito comum que um ator buscasse os mesmos elementos na construção do personagem. Não para Fábio Assunção.

Experiente e com algumas interpretações icônicas em seu currículo, ele mudou o tom e fez um personagem endurecido. Humberto nunca anda solto, não tem movimentos naturais nem quando está sentado, sempre retraído. A voz baixa e o olhar inquieto é parte de uma composição para um homem atormentado por ser quem é, mas que gostaria de ser completamente diferente.

É impossível dizer que Humberto não seja vilão e mais fora de propósito ainda negar seu ar cafajeste. Mas esqueça o antagonista malvado, que casa com uma ricaça e tem vida boa. Fábio fez com que ele se sofisticasse e pensou em cada movimento. O vilão virou um homem rico, mas que preferia ser pobre se pudesse. Não pode. Não porque Débora o ameaça ou porque Zoé o chantageia. Não consegue porque sua natureza é fazer maldades.

A cada sequência no mais recente blocos de capítulos em que o pai de Rafael aparecia, a dubiedade proposta nos episódios anteriores se dissipava. Assunção percebeu essa oportunidade no texto e fugiu da resposta fácil e batida, construindo um vilão que é mau e ponto. Não tem bondade ou maldade, é apenas perversidade com desejo de ter sido bom em algum momento da vida.

Cada uma das cenas do personagem nos cinco capítulos mostrou um ator que sabe para onde quer levar seu vilão e que o defende com a mesma fibra de 20 anos atrás, quando deu vida ao inesquecível cafajeste, mas clichê, Renato, em Celebridade (2003). Humberto pode até parecer mais complexo por causa do texto, porém Fábio Assunção o simplifica porque é um dos maiores de sua geração.

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