Coesa e madura, Um Lugar ao Sol resgata boa dramaturgia para o horário nobre
Lícia Manzo mantém seu estilo e alta qualidade na estreia às 21h, sem saídas fáceis para histórias que, a princípio, podem soar batidas
Publicado em 28/11/2021 às 08:46
Um Lugar ao Sol parte de um filão que é velho conhecido na teledramaturgia: o duplo, aqui representado pelos gêmeos Christian e Renato, vividos por Cauã Reymond. Em sua estreia no horário nobre, após boas experiências às 18h, a autora Lícia Manzo entrega uma novela cujo ponto de partida não traz uma grande novidade, mas que se desenvolve com originalidade e um ótimo texto, aliado à boa direção de Maurício Farias.
O telespectador mais atento nota as semelhanças entre o atual cartaz das 21h com A Vida da Gente (2011) e Sete Vidas (2015), os dois trabalhos bem-sucedidos da novelista às seis da tarde, que a alçaram direto para a faixa das nove. Estão lá: a abordagem aprofundada dos dramas existenciais dos personagens, os casos de casamentos em crise, os conflitos familiares, além das longas cenas de personagens discutindo suas relações.
Em estética e proposta, a novela parece seguir outra cartilha: a da primeira fase de Amor de Mãe (2019), mais realista e atrelada a críticas sociais – algo não tão presente nas duas citadas tramas das 18h. Se a antecessora causava mais comoção e apostava forte na catarse, a atual se mostra mais coesa e madura. A nova novela resgata a boa dramaturgia da primeira fase da novela de Manuela Dias, que, lamentavelmente, se perdeu totalmente no retorno em meio à pandemia.
Outro diferencial é que, em Um Lugar ao Sol, não há saídas fáceis. Os clichês e as coincidências típicas dos folhetins, por ora, são moderados. Em geral, servem apenas como o ponto de partida para que as histórias caminhem, o que se nota desde a trama principal (do gêmeo pobre que troca de vida com o rico após a morte deste) às paralelas (como o romance de uma cinquentona com um rapaz mais jovem).
Os núcleos coadjuvantes, aliás, entregam um alívio para a tensão constante entre os protagonistas. Curioso que não há necessidade de personagens cômicos – e, nesta produção, dificilmente caberia algo do tipo. O "respiro" do telespectador se dá com outros dramas, talvez mais amenos que o gaslighting sofrido por Bárbara (Alinne Moraes) e a morte do bebê da moça, ou ainda o luto de Lara (Andreia Horta) pela suposta morte de Christian.
Nas tramas paralelas, quem tem roubado a cena é Andréa Beltrão com sua ex-modelo Rebeca. Os temas propostos – como prazer feminino e reinvenção aos 50 – reforçam as comparações do trabalho de Licia Manzo com o de Manoel Carlos. As semelhanças são identificadas por muitos espectadores desde seu início como novelista titular, com A Vida da Gente. Nesse núcleo, até a trilha sonora (Baby, com o grupo Os Mutantes) faz lembrar o veterano autor.
Os conflitos de uma mulher madura, enfrentando a crise da meia-idade, e seu envolvimento com um homem mais jovem já não eram novidades em Laços de Família (2000), mas ainda garantem curiosidade e interesse, especialmente porque a autora visita lugares menos comuns. Há sensibilidade na abordagem, como ficou evidente, nesta semana, na sequência de masturbação feminina, que causou burburinho nas redes sociais.
É como se a nova novela da Globo revisitasse tramas, agora exibidas de um jeito novo e original, com a grife de Lícia Manzo. Amparada por um excelente elenco, a novelista mantém estilo e a qualidade comum a seus trabalhos. Um Lugar ao Sol mostra que, de forma criativa e honesta, existem velhas histórias que ainda podem ser contadas.