Beleza Fatal não é o "novelão" que gostaria de ser, mas vale pela ousadia
Pretensiosa atração da Max conquistou um público que, carente de boas novelas, é convidado a nivelar por baixo

Publicado em 21/03/2025 às 04:44,
atualizado em 21/03/2025 às 10:26
Um “novelão” foi o que a Max e os principais envolvidos em Beleza Fatal prometeram desde o início da divulgação da novela, lançada em janeiro. Uma denominação no mínimo pretensiosa, mas que se confirmou para alguns (não todos), a julgar pela repercussão alcançada nesses três meses. A trama chega ao último capítulo nesta sexta-feira (21), com transmissão às 20h na plataforma de streaming – a exibição na Band, iniciada na semana passada, segue até maio.
Beleza Fatal tinha um argumento promissor, mas pouco original: a ascensão da vilã Lola (Camila Pitanga) e sua derrocada graças à heroína Sofia (Camila Queiroz). Desde o primeiro capítulo, vimos uma sucessão de clichês – desejos de vingança, casais que se apaixonam na infância, segredos de família. Em se tratando de novela, esses lugares comuns não chegam a ser um grande problema, desde que bem trabalhados e apresentados junto a alguma novidade.
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O texto de Raphael Montes, contudo, veio repleto de diálogos óbvios e frases forçadas, com pretenso impacto. Ao final de uma cena decisiva, nos primeiros capítulos, a protagonista dá início a seu plano de vingança dizendo: "Eu vou acabar com a vida daquela perua botocada". De tão simplórias, algumas passagens soaram até ingênuas. Do outro lado, a antagonista soltava tiradas sem graça que parecem criadas para virar cortes no TikTok.
A direção de Maria de Médicis não se preocupou em remediar as situações absurdas, que desafiavam a lógica, nem os exageros do roteiro. Ao contrário, tratou de acentuá-los, como se, em uma novela, furos fossem mais tolerados e tudo mais devesse primar pelo excesso, beirando uma sátira do gênero. Essa combinação entre texto e direção, ambos alguns tons acima, resultou em atuações histriônicas, caricatas, sem espaço para sutilezas, especialmente nas cenas mais dramáticas.
Grande destaque do elenco, Camila Pitanga teve seus melhores momentos não nos escândalos ou nas cenas em que Lola tentou ser espirituosa. A atriz brilhou, de fato, nas poucas vezes em que a malvada apareceu introspectiva, seja dissimulando a perda de memória ou deixando de lado o ar “malvadona” para demonstrar humanidade e externalizar seus conflitos e motivações.
Beleza Fatal acertou na crítica ao culto à beleza e no deboche com influencers
As cenas mereciam um acabamento melhor para dar conta de uma história que, realmente, tinha potencial tanto para o drama quanto para o suspense. O autor foi certeiro ao construir toda a narrativa com uma discussão sobre estética, elemento determinante não só no ponto de partida, mas no desenvolvimento dos entrechos paralelos – da tragédia com Rebeca (Fernanda Marques) à relação abusiva entre Gisela (Julia Stockler) e Rog (Marcelo Serrado).
A crítica ao culto à beleza e o deboche com influenciadores digitais foram dois grandes acertos. Outro trunfo foi usar a liberdade de uma plataforma de streaming para criar sequências de sexo e violência que dificilmente seriam aprovadas pelos puritanos que gerem a TV aberta na atualidade, reféns de uma parcela conservadora e barulhenta do público.
Onde mais veríamos livremente uma novela com cenas de sexo entre a mocinha e a vilã?! Não que se trate de uma grande novidade – aconteceu também em Verdades Secretas 2, outro produto do streaming, o Globoplay, mas tudo ali era gratuito e de mau gosto, feito para chocar. Aqui, por outro lado, sequências de orgia e sadomasoquismo, por exemplo, ajudaram a contar a história.
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A classificação como um “novelão” não foi apenas uma forma de divulgação de Beleza Fatal. A produção, em si, demonstrava a pretensão de entregar uma espécie de protótipo do gênero, como se, para isso, bastasse usar e abusar do melodrama, reunindo vários elementos tradicionais e batidos de uma novela, sem explorá-los com o mínimo de esmero e criatividade.
Se a atração fez barulho, não foi apenas por repetir uma fórmula, mas por subvertê-la – como ao abrir mão do maniqueísmo na trajetória de Sofia – e por ter sido ousada no desenrolar da trama. É ótimo, para o mercado, que um produto fora da Globo que tenha alcançado sucesso e relevância. Entretanto, isso só parece ter acontecido com Beleza Fatal porque o público anda carente de novelas boas de verdade. A saída, então, tem sido nivelar por baixo.