Quarta Parede

Paulo Gustavo cutucava preconceitos e defendia que "rir é ato de resistência"

Vítima da Covid-19, gênio do humor deixou o Brasil mais triste nesta terça-feira (4)


Rodrigo Pandolfo, Paulo Gustavo e Mariana Xavier em cena do filme Minha Mãe é uma Peça
Com três longas, franquia Minha Mãe é uma Peça se tornou um dos maiores sucessos do cinema nacional - Foto: Reprodução
Por Walter Felix

Publicado em 04/05/2021 às 22:54,
atualizado em 20/06/2021 às 14:30

Acostumado a provocar só alegrias, Paulo Gustavo deixa o Brasil mais triste ao sair de cena nesta terça-feira (4), aos 42 anos. O ator e humorista se une às mais de 412 mil vidas perdidas para a Covid-19. Com um timing raro de comédia, ele fez sucesso na TV, no teatro e no cinema, e, até hoje, só tinha feito seu público chorar de tanto dar risada.

Entre grandes sucessos, a franquia Minha Mãe é uma Peça se tornou o maior deles. Dona Hermínia, a personagem principal vivida por Paulo Gustavo, é inspirada em Déa Lúcia, mãe do artista. Superprotetora, mas também ranzinza, impaciente e implicante, ela tem um pouco de todas as matriarcas, o que permitiu a identificação imediata com variados públicos.

Levada originalmente para o teatro, Dona Hermínia ganhou fama nas telonas. Estrelou três filmes, todos campeões de bilheteria, e já vinha sendo cotada para um quarto longa e uma série para o Globoplay. Ao cinema nacional, a escandalosa dona de casa atraiu milhões de espectadores e mostrou que o humor popular e escrachado não precisa primar pelo mau gosto.

Na trilogia Minha Mãe é uma Peça, Paulo Gustavo mostrou sua evolução como humorista. Soube captar as mudanças da sociedade nos seis anos que separam o primeiro título (de 2013) do terceiro (de 2019), bem como a forma como sua audiência passou a encarar temas como homossexualidade e gordofobia. Maneirar nas piadas, ou redirecioná-las, não significaria perder a graça, como bem percebeu o artista.

Paulo Gustavo ria de absurdos da nossa realidade com caricaturas sagazes e irresistíveis

Paulo Gustavo cutucava preconceitos e defendia que \"rir é ato de resistência\"

Adepto de "rir com" em vez de "rir de", ele gostava de espezinhar tudo o que o incomodava, a começar pelos preconceituosos de plantão. Outra de suas criações mais marcantes foi a Senhora dos Absurdos, recorrente no 220 Volts, do Multishow, uma mulher "branca, rica, hétero" e verdadeira metralhadora verborrágica contra as minorias sociais. Era, ao mesmo tempo, uma crítica eficiente e uma caricatura irresistível.

A seu favor, também estava o fato de não se levar a sério. Em entrevista há seis anos, no lançamento de Vai que Cola – O Filme, desdenhou ao ser questionado sobre "encontrar o tom" para o cinema na transposição da série de TV. "Isso não existe com a gente. Isso é coisa de Selton Mello, Wagner Moura, que fazem um trabalho de ator. A gente não é nem ator, a gente é fogo no c*. É entrar em cena, falar o texto e f*da-se", brincou.

De fato, seu tom habitual funcionava em todas as plataformas. No cinema, ele ainda faria sucesso ao lado da amiga Mônica Martelli em Os Homens São de Marte... e É pra lá que Eu Vou (2014) e na sequência deste, Minha Vida em Marte (2018). Em um de seus últimos espetáculos teatrais, Filho da Mãe, dividiu o palco com Déa Lúcia, sua principal musa inspiradora.

No fim de 2020, foi ao ar o último trabalho do humorista na TV, mais uma parceria com o amigo Marcus Majella: uma edição especial do 220 Volts na Globo. Na ocasião, ele lembrou a importância do humor e da arte em meio à pandemia. "Rir é um ato de resistência", definiu o ator, que também falou sobre sua vocação para fazer graça: "Eu faço palhaçada, você ri, eu fico com o coração preenchido". Só mesmo se despedindo precocemente esse gênio do riso poderia nos deixar tão tristes.

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