Por que Cecília e Laís se tornaram um dos maiores erros do remake de Vale Tudo
Primeira versão teve abordagem pioneira, corajosa e pertinente para a época, tudo o que a trama do casal não é no remake
Publicado em 26/09/2025 às 04:44,
atualizado em 26/09/2025 às 13:21
De tantos erros a serem apontados no remake de Vale Tudo, o péssimo desenvolvimento da história de Cecília (Maeve Jinkings) e Laís (Lorena Lima) está entre os principais deles. A nova versão da novela perdeu a chance de levar à cena uma abordagem adequada aos dias de hoje, como a primeira versão da novela promoveu entre 1988 e 1989.
Quando o remake começou a ser divulgado, a autora da adaptação, Manuela Dias, tratou de anunciar que o casal não teria o fim trágico da primeira versão. Originalmente, Cecília (Lala Deheinzelin) morre em um acidente de carro, e Laís (Cristina Prochaska) fica viúva.
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Não foi raro ler e ouvir de profissionais envolvidos na obra certo tom de crítica ao rumo das personagens na novela original, como se a tragédia fosse expressão de algum tipo de preconceito sofrido pelo par romântico. Assim, a mudança na releitura seria mais do que bem-vinda.
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Acontece que Gilberto Braga (1945-2021) queria discutir o direito à herança para casais homoafetivos. Para isso, uma delas tinha que morrer. A inspiração veio de um caso real, envolvendo Marco Aurélio Rodrigues e Jorge Guinle Filho (1947-1987) – os detalhes da história foram revelados recentemente em ótimo episódio do podcast Rádio Novelo.

Em dezembro de 1988, enquanto a novela estava no ar, a Justiça decidiu em primeira instância a favor de Marco, reconhecendo o relacionamento afetivo após a morte de Jorge. O processo se estendeu até 2013, quando ele finalmente ficou com os bens por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em entrevista recente, o viúvo avaliou:
“O Gilberto escreveu essa trama para me ajudar e para levantar a opinião pública. Era uma novidade. Acredito que a sentença veio a meu favor porque ele fez tudo que pôde. A novela entra nos lares do país inteiro e pauta os assuntos. Eram muitos jornalistas cobrindo no dia da sentença por causa de Vale Tudo.”
Marco Aurélio Rodrigues em entrevista à Rádio Novelo
Como se vê, tratava-se de uma abordagem pioneira, corajosa e pertinente à época em que foi ao ar, chegando a ter repercussões de impacto social – tudo o que a trama de Cecília e Laís não é capaz de gerar no remake, morrendo uma delas ou não.
Lésbicas de Vale Tudo não acrescentam em nada - e nem sequer beijam na boca

Com o reconhecimento de direitos das uniões homoafetivas nas últimas décadas, a nova versão de Vale Tudo passou enfocar outro assunto: a adoção. Só que o tema não é novidade, e nenhum conflito correlato – como um possível preconceito sofrido pela família – foi abordado na história com profundidade.
Há temas mais atinentes a casais lésbicos dos dias de hoje, como a inseminação realizada de forma informal, abordada por meio da personagem Ayla (Bel Lima) em Dona de Mim, que vai ao ar às 19h.
As lésbicas do horário nobre, em contrapartida, nem sequer beijam na boca, tabu que, a essa altura, já parecia ter sido superado. É uma representação que, se em 1988 se justificava pela vigência da Censura Federal, hoje só pode ser atribuída à covardia dos envolvidos em contar a história, temerosos em afastar o público conservador.

Mesmo a evidente homofobia de Marco Aurélio (Alexandre Nero) é tratada como banalidade, sem qualquer tipo de enfrentamento. Nenhuma delas se impõe ou mostra o devido incômodo com as falas preconceituosas do vilão, tratadas até com certo humor.
Cecília e Laís convivem com o parente homofóbico com normalidade, mesmo após o mau-caráter ameaçar tirar Sarita (Luara Telles) do convívio das mães. Assuntos paralelos também dispersam o foco do casal, como tráfico de animais, pautas ambientais e, agora, o surgimento do pai biológico da filha adotiva.
O remake que prometeu “reparação histórica” entregou apenas uma abordagem ultrapassada, bem diferente do que a primeira versão fez há 37 anos. A autora salvou Cecília da morte, mas acabou por matar o casal simbolicamente ao impedir que a trama das duas tivesse alguma relevância.
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Vale Tudo é escrita por Manuela Dias e tem direção artística de Paulo Silvestrini. O remake é baseado na novela exibida entre 1988 e 1989, criada por Gilberto Braga (1945-2021), Aguinaldo Silva e Leonor Bassères (1926-2004) e que teve direção de Dennis Carvalho e Ricardo Waddington.
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