Remake de Vale Tudo transformou a melhor novela da Globo em uma das piores
Genérica e de mau gosto, segunda versão termina nesta sexta-feira (17) com alto faturamento e nenhum prestígio
Publicado em 16/10/2025 às 05:00,
atualizado em 16/10/2025 às 10:29
É preciso muito esforço e muita competência, sob algum ponto de vista, para destruir uma obra-prima. Os responsáveis pela segunda versão de Vale Tudo conseguiram. Vendida como um “remake”, mas apenas levemente inspirada na trama que foi ao ar entre 1988 e 1989, a atração termina na sexta-feira (17) depois de transformar aquela que é considerada por muitos a melhor novela da Globo em uma das piores da história recente da emissora.
Talvez a nova Vale Tudo escape de ser o maior desastre do horário nobre da Globo pelo fato de a faixa já ter apresentado títulos que, além de infelizes, eram desinteressantes e não atraíam o telespectador nem por suas bizarrices. O atual cartaz vence produções como Travessia (2022) e Mania de Você (2024) porque ainda conseguiu manter a atenção do público – em parte, por méritos da novela original, mas também por tudo de esdrúxulo que a adaptação proporcionou.
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Remakes sempre necessitam de atualizações e mudanças na história, por mais fiéis que sejam aos originais. O que se viu em Vale Tudo foi diferente: um emaranhado de assuntos soltos e escolhidos sem qualquer critério, saindo de cena com a mesma rapidez com que entraram – bebês reborn, tráfico de animais, crise climática, vício em apostas, diabetes, burnout, entre outros.
Houve um didatismo exagerado ao tratar de temas como alcoolismo e desigualdade de gênero. O texto raso, de frases de efeito e sem qualquer sutileza, era impensável na primeira versão. O tom político e a crítica social ficaram de fora – e qualquer contestação válida nesses mais de 170 capítulos ficou restrita aos versos de Brasil na abertura, curiosamente um dos poucos elementos mantidos de uma novela para outra.
Também causou incômodo o excesso de merchandising em cena. O roteiro chegou a abrir mão de momentos dramáticos para incluir propagandas, sempre de forma artificial, rendendo momentos constrangedores que viraram piada nas redes sociais. A Globo celebra sua novela de maior faturamento depois de rifar quase todos os capítulos, ignorando que transformou seu principal produto artístico em um mero canal de vendas.
Entrechos inteiros e imperdíveis da trama de 1988 foram cortados. Entre as ausências sentidas, Maria de Fátima (Bella Campos) tentaria vender o próprio filho na reta final, mas a vilã, que até emprestou um pouco de graça à produção, ficou restrita a pequenos trambiques e tentativas de virar assunto na internet – um paralelo interessante com a própria novela.
É preciso reconhecer que houve (poucas) atualizações pertinentes, e Maria de Fátima é o melhor exemplo. A personagem, antes uma alpinista social fria e meticulosa, virou uma aspirante a influenciadora por vezes tola em suas armações. Uma personalidade mais própria aos nossos dias e que calhou com a interpretação de Bella Campos, ainda inexperiente para encarar um papel como aquele em que Gloria Pires brilhou há 37 anos.
Um erro imperdoável, talvez o maior, foi o que fizeram com a Raquel de Taís Araujo. A atriz tinha a melhor atuação de todo o elenco até, de repente, ter sua trajetória esvaziada e sumir de cena. Antes disso, ninguém estava tão à vontade no próprio personagem quanto ela. O foco, nos últimos meses, passou a ser não a protagonista, mas a vilã Odete Roitman, que Débora Bloch também soube defender muito bem, apesar do estranhamento inicial.
A reta final, totalmente dedicada ao mistério “Quem matou Odete Roitman?”, se revelou uma trama policial das mais mal feitas. O excesso de furos fez o suspense dar lugar ao humor involuntário.
A direção artística de Paulo Silvestrini não encontrou o tom correto nem mesmo quando o roteiro não era dos piores. Optou, por vezes, por um clima solar, de novela das sete, e uma trilha incidental incondizente com o drama narrado. Também não empregou o dinamismo que alguns momentos pediam, e sequências importantes, de embate entre os personagens, ficaram mecânicas, sem ritmo e pouco naturais.
Perdida, a direção impediu que o elenco tivesse grandes desempenhos. Alguns poucos se destacaram pontualmente e pelo brilho próprio, como Alexandre Nero (Marco Aurélio) e Malu Galli (Celina).
O deslize fundamental da Globo parece ter sido entregar o projeto nas mãos de Manuela Dias, uma autora consolidada, de estilo próprio, em vez de garantir que a nova Vale Tudo fosse apenas uma atualização do roteiro original. O resultado foi, além de uma péssima adaptação, também uma péssima novela – ou seja, não é preciso comparar à dos anos 1980 para reconhecer a baixa qualidade da de 2025.
O remake falhou – se é que tentou – em honrar o legado da obra original. Não foi uma novela moderna ou popular, como a autora e o diretor pretendiam, mas um aproveitamento oportunista e desorientado, que soou como caricatura. A sucessão de erros, ironicamente, ajudou na repercussão. A novela, de fato, esteve na boca do povo, mas nem por isso deixou de ser um produto genérico e de extremo mau gosto, sem nenhum prestígio artístico.
Vale Tudo é escrita por Manuela Dias e tem direção artística de Paulo Silvestrini. O remake é baseado na novela exibida entre 1988 e 1989, criada por Gilberto Braga (1945-2021), Aguinaldo Silva e Leonor Bassères (1926-2004) e que teve direção de Dennis Carvalho e Ricardo Waddington.
O NaTelinha divulga todos os dias os resumos dos capítulos, detalhes dos personagens, entrevistas exclusivas com o elenco e spoilers da novela Vale Tudo. Confira!