Desconexa, "Verão 90" parece uma reunião de esquetes sem sentido
Publicado em 22/04/2019 às 06:00
Um elemento importante na condução de uma novela é a habilidade do autor não apenas de produzir boas histórias, mas saber entrelaçá-las com coerência para tornar o enredo de sua história ainda mais forte. Quando os núcleos e personagens se integram em torno da premissa principal da história, a possibilidade de um maior aproveitamento dos personagens é cada vez maior. Não é o que acontece em "Verão 90", onde os núcleos em sua maioria parecem não ter ligações um com o outro e apresentam situações que beiram o nonsense.
A começar pela protagonista, Manuzita (Isabelle Drummond). A ex-líder do grupo Patotinha Mágica continua fazendo de tudo pra se manter nos holofotes ao lado da mãe, a destrambelhada Lidiane (Cláudia Raia). Entre um ou outro teste fracassado, a garota chegou até a se meter em um grupo de teatro alternativo. No entanto, parece que nada sobrou da premissa mostrada no primeiro capítulo, apesar de ela ter namorado Jerônimo (Jesuíta Barbosa) e se acertado com João (Rafael Vitti), que está disposto a provar sua inocência. Fica a sensação de que a mocinha não tem mais história pra contar.
Jerônimo, por sua vez, chegou a se infiltrar na emissora musical da novela, a PopTV, como diretor de programação – e sua suspeita ascensão causou a revolta da mãe, Janaína (Dira Paes), em uma situação quase que inteiramente copiada dos conflitos entre Maria de Fátima (Glória Pires) e Raquel (Regina Duarte) na clássica “Vale Tudo” (1988-89), reprisada há pouco tempo no Canal Viva. Aliás, a ideia de um vilão ambíguo e humanizado, ventilada pelas autoras Izabel de Oliveira e Paula Amaral antes da estreia, nunca decolou de fato. Pelo contrário, Jerônimo é apenas um sujeito insuportável e mau-caráter, tão chato que até da preguiça de se odiar.
A trama também peca com as personagens Vanessa (Camila Queiroz) e Larissa (Marina Moschen), donas de entrechos aparentemente promissores, mas prejudicados pelo desenvolvimento limitado. A vilã chegou a forçar a separação da amiga e de Diego (Sérgio Malheiros) e tinha um relacionamento quente com Jerônimo, mas, apesar da personalidade forte e da sensualidade, parece não mais ter função no enredo. O que é uma pena, pois tanto Camila quanto Marina estão ótimas e suas personagens tinham tudo pra render ainda mais.
Outro problema do enredo de "Verão 90" é a falta de utilidade do núcleo de Madá (Fabiana Karla), a cartomante que prevê o futuro, cujas cenas em nada acrescentam e poderiam facilmente ser eliminadas do roteiro. Também chama atenção a fraca construção dos pares românticos, onde praticamente nenhum casal desperta o interesse por torcidas – até mesmo Larissa e Diego, o par que mais poderia render em função das diferenças de classe social – um clichê que quase nunca falha –, perderam força.
Todos estes problemas deixam a sensação de que a novela se apresenta, na verdade, como um amontoado de esquetes sem ligação um com o outro, lembrando um programa humorístico. Para efeito de comparação, o cenário se assemelha ao de “I Love Paraisópolis” (2015), de Alcides Nogueira e Mário Teixeira, na mesma faixa e que também descambou para o conjunto de esquetes nonsense, que revelaram uma clara falta de fôlego do seu enredo principal. Não bastasse isso, "Verão 90" ainda sofre com a caracterização confusa, que mais mistura épocas de forma aleatória, ao invés de propor uma transição convincente entre os anos 80 e 90.
Em maioria, o elenco faz o que pode – e faz bem feito, como nos casos dos já citados Jesuíta Barbosa, Isabelle Drummond, Rafael Vitti, Sérgio Malheiros, Marina Moschen e Camila Queiroz. Dira Paes, Totia Meirelles, Gabriel Godoy, Dandara Mariana, Ícaro Silva e Luiz Henrique Nogueira são outros bons nomes que também merecem elogios. Porém, não há de fato uma atuação que possa ser considerada arrebatadora.
Pelo contrário: outros atores do elenco chegam a apresentar performances constrangedoras, como Débora Nascimento (novamente péssima após o fiasco de sua personagem em “Êta Mundo Bom”), Klebber Toledo e Alexandre Borges. Cláudia Raia, por sua vez, leva às últimas consequências o appeal “destrambelhado/sensual” da maioria de suas personagens, para o bem e para o mal. Enquanto isso, as talentosas Giovanna Cordeiro, Cláudia Ohana e Jeniffer Nascimento ganharam personagens que pouco têm a oferecer.
Este conjunto até agora vem funcionando em termos de audiência: com 24,6 pontos, a trama já supera a média total de sua antecessora “O Tempo Não Para” e tem tudo para manter a crescente. Ainda assim, o sucesso não anula a sensação de que a novela tem um enredo descuidado, uma vez que não há uma completa integração entre os núcleos e as situações mostradas beiram o ilógico. "Verão 90" é assumidamente despretensiosa e não há nada de errado nisso. No entanto, mesmo para algo despretensioso, é preciso um cuidado maior.