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Desconexa, "Verão 90" parece uma reunião de esquetes sem sentido


Isabelle Drummond e Claudia Raia
Divulgação

Um elemento importante na condução de uma novela é a habilidade do autor não apenas de produzir boas histórias, mas saber entrelaçá-las com coerência para tornar o enredo de sua história ainda mais forte. Quando os núcleos e personagens se integram em torno da premissa principal da história, a possibilidade de um maior aproveitamento dos personagens é cada vez maior. Não é o que acontece em "Verão 90", onde os núcleos em sua maioria parecem não ter ligações um com o outro e apresentam situações que beiram o nonsense.

A começar pela protagonista, Manuzita (Isabelle Drummond). A ex-líder do grupo Patotinha Mágica continua fazendo de tudo pra se manter nos holofotes ao lado da mãe, a destrambelhada Lidiane (Cláudia Raia). Entre um ou outro teste fracassado, a garota chegou até a se meter em um grupo de teatro alternativo. No entanto, parece que nada sobrou da premissa mostrada no primeiro capítulo, apesar de ela ter namorado Jerônimo (Jesuíta Barbosa) e se acertado com João (Rafael Vitti), que está disposto a provar sua inocência. Fica a sensação de que a mocinha não tem mais história pra contar.

Desconexa, \"Verão 90\" parece uma reunião de esquetes sem sentido

Jerônimo, por sua vez, chegou a se infiltrar na emissora musical da novela, a PopTV, como diretor de programação – e sua suspeita ascensão causou a revolta da mãe, Janaína (Dira Paes), em uma situação quase que inteiramente copiada dos conflitos entre Maria de Fátima (Glória Pires) e Raquel (Regina Duarte) na clássica “Vale Tudo” (1988-89), reprisada há pouco tempo no Canal Viva. Aliás, a ideia de um vilão ambíguo e humanizado, ventilada pelas autoras Izabel de Oliveira e Paula Amaral antes da estreia, nunca decolou de fato. Pelo contrário, Jerônimo é apenas um sujeito insuportável e mau-caráter, tão chato que até da preguiça de se odiar.

A trama também peca com as personagens Vanessa (Camila Queiroz) e Larissa (Marina Moschen), donas de entrechos aparentemente promissores, mas prejudicados pelo desenvolvimento limitado. A vilã chegou a forçar a separação da amiga e de Diego (Sérgio Malheiros) e tinha um relacionamento quente com Jerônimo, mas, apesar da personalidade forte e da sensualidade, parece não mais ter função no enredo. O que é uma pena, pois tanto Camila quanto Marina estão ótimas e suas personagens tinham tudo pra render ainda mais.

Outro problema do enredo de "Verão 90" é a falta de utilidade do núcleo de Madá (Fabiana Karla), a cartomante que prevê o futuro, cujas cenas em nada acrescentam e poderiam facilmente ser eliminadas do roteiro. Também chama atenção a fraca construção dos pares românticos, onde praticamente nenhum casal desperta o interesse por torcidas – até mesmo Larissa e Diego, o par que mais poderia render em função das diferenças de classe social – um clichê que quase nunca falha –, perderam força.

Todos estes problemas deixam a sensação de que a novela se apresenta, na verdade, como um amontoado de esquetes sem ligação um com o outro, lembrando um programa humorístico. Para efeito de comparação, o cenário se assemelha ao de “I Love Paraisópolis” (2015), de Alcides Nogueira e Mário Teixeira, na mesma faixa e que também descambou para o conjunto de esquetes nonsense, que revelaram uma clara falta de fôlego do seu enredo principal. Não bastasse isso, "Verão 90" ainda sofre com a caracterização confusa, que mais mistura épocas de forma aleatória, ao invés de propor uma transição convincente entre os anos 80 e 90.

Em maioria, o elenco faz o que pode – e faz bem feito, como nos casos dos já citados Jesuíta Barbosa, Isabelle Drummond, Rafael Vitti, Sérgio Malheiros, Marina Moschen e Camila Queiroz. Dira Paes, Totia Meirelles, Gabriel Godoy, Dandara Mariana, Ícaro Silva e Luiz Henrique Nogueira são outros bons nomes que também merecem elogios. Porém, não há de fato uma atuação que possa ser considerada arrebatadora.

Desconexa, \"Verão 90\" parece uma reunião de esquetes sem sentido

Pelo contrário: outros atores do elenco chegam a apresentar performances constrangedoras, como Débora Nascimento (novamente péssima após o fiasco de sua personagem em “Êta Mundo Bom”), Klebber Toledo e Alexandre Borges. Cláudia Raia, por sua vez, leva às últimas consequências o appeal “destrambelhado/sensual” da maioria de suas personagens, para o bem e para o mal. Enquanto isso, as talentosas Giovanna Cordeiro, Cláudia Ohana e Jeniffer Nascimento ganharam personagens que pouco têm a oferecer.

Este conjunto até agora vem funcionando em termos de audiência: com 24,6 pontos, a trama já supera a média total de sua antecessora “O Tempo Não Para” e tem tudo para manter a crescente. Ainda assim, o sucesso não anula a sensação de que a novela tem um enredo descuidado, uma vez que não há uma completa integração entre os núcleos e as situações mostradas beiram o ilógico. "Verão 90" é assumidamente despretensiosa e não há nada de errado nisso. No entanto, mesmo para algo despretensioso, é preciso um cuidado maior.

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