Vivemos na era global da indústria audiovisual. Por diversos fatores - incluindo, em parte, a internacionalização da Netflix e de seus concorrentes - estamos em um mundo no qual a Coreia do Sul tem um Oscar de Melhor Filme (com Parasita) e uma série que é sucesso mundial (Round 6). Hoje, com apenas alguns cliques, você pode assistir a produções em francês, turco, espanhol, alemão, indiano e diversas outras línguas.
Nesse contexto, o Brasil está em uma situação curiosa. São 274 milhões os falantes do português em todo o globo, um público que consome bastante o audiovisual daqui - principalmente as nossas novelas. Existe ainda uma resistência aos conteúdos em outros formatos, como séries e filmes, mas isso também está diminuindo.
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Ao mesmo tempo, sucessos do Brasil para o resto do mundo podem ser contados nos dedos das mãos - com exceção, novamente, de novelas que foram dubladas para outros idiomas. Este colunista, na época em que trabalhou com a Netflix, chegou a ouvir de um executivo da empresa que “produções brasileiras não viajam bem”.
Talvez seja por isso que, na Era do Streaming, ainda não fizemos o nosso hit internacional ao estilo Round 6 - mesmo que títulos como 3%, Sintonia e Tudo Bem no Natal Que Vem tenham encontrado o seu público fora do nosso país, com grandes audiências. Esse último exemplo, o filme estrelado por Leandro Hassum, foi visto por 26 milhões de assinantes da Netflix nos primeiros 28 dias após o lançamento, acumulando 48 milhões de horas de visualizações. Ainda assim, não podemos dizer que o longa virou uma febre cultural global no mesmo nível do sucesso sul-coreano - que é a maior audiência de uma série na história da gigante do streaming, batendo inclusive as produções americanas.
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Como podemos dar esse tão almejado último passo?
“Se eu soubesse como, eu faria séries de sucesso o tempo todo - e ninguém sabe exatamente como fazer isso”, contou Darío Madrona, co-criador de Elite, em entrevista exclusiva a Mídia, Mercado e Etc.
“É muito mais fácil falar sobre o sucesso depois dele acontecer. Não existe uma receita para esse sucesso, se tivesse eu não pararia de usar”, fez coro o roteirista François Uzan, um dos idealizadores de Lupin.
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Apesar do balde de água fria, ambos podem compartilhar suas experiências. Afinal, tanto Lupin quanto Elite também estão nessa prateleira de hits internacionais da Netflix. A primeira temporada da produção francesa ocupa nada menos que o oitavo posto no top 10 de séries mais populares em língua não-inglesa em toda a história da plataforma, logo à frente da terceira temporada da produção espanhola.
Mais do que isso: os dois títulos são exemplos de um momento no qual o streaming procura produzir mais fora dos Estados Unidos. Em parte pelos menores custos, mas também para encontrar histórias regionais que tenham apelo em outros países. É o que ficou conhecido pelo termo “glocal”: algo que parte de uma produção local feita para uma cultura global.
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Decifrando a fórmula do sucesso
Agora em fevereiro, Darío Madrona e François Uzan estiveram no Brasil para participar do Serie_Lab Festival, evento que busca promover a troca de experiências entre roteiristas, produtores e executivos do audiovisual. Em meio às palestras, ambos conversaram com esta coluna e foram questionados sobre como chegar ao sucesso.
“Eu acredito que é preciso estar no lugar certo, na hora certa, e também pegar ideias que podem soar familiares, mas a forma como você as mistura pode fazê-las parecerem novas quando comparadas a outros programas”, revelou Madrona.
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Para o roteirista e produtor espanhol, foi justamente o que aconteceu com Elite - sucesso principalmente com o público jovem. “Quando fizemos Elite, as plataformas de streaming estavam começando, não tinham tantas séries como agora, e os canais - ao menos na Europa - estavam buscando séries adolescentes porque eles não queriam ver TV, eles estavam vendo o YouTube”.
Já no caso de Lupin, alguns motivos do sucesso são decifráveis. Outros, não. François Uzan listou.
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“O [primeiro é o] carisma de Omar Sy, seu sorriso, sua excelência na atuação, suas habilidades físicas. Tem algo mágico sobre Omar Sy. E as pessoas podem sentir isso pela tela”, detalhou o roteirista.
“O segundo motivo, eu acredito, é Paris. Se fosse em outro lugar talvez não fosse um sucesso. Aquela cidade tem tanto mistério, tem algo mágico”, continuou. “As pessoas também gostaram do fato de ser um herói que é um ladrão que… não gosto da palavra 'criminoso', mas que é um ladrão com um propósito. Foi refrescante ver um herói que não tem superpoderes, ou uma arma, mas sim sua intuição, seu coração”.
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“O ingrediente final é algo mágico, que eu não consigo explicar”, revelou.
Ok, tentando enquadrar isso ao panorama do Brasil: “basta” um ator incrível, uma bela cidade (Rio de Janeiro, talvez) e um personagem principal relacionável para criar o tão aguardado sucesso mundial brasileiro, então? Não é tão simples. “A melhor forma de fazer um sucesso é não tentar fazer um sucesso, mas sim a melhor série possível e deixar algo mágico ali”, filosofou Uzan.
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O peso do tal algoritmo
E o tão falado algoritmo, não seria esse então o responsável pela fórmula do sucesso? Afinal, os streamings - principalmente a Netflix - sabem exatamente o que assistimos e o que mais gostamos. Ao mesmo tempo, nos últimos anos, vimos surgir diversas produções que apenas reciclam conceitos de outras, quase sempre apelando para a nostalgia. Pejorativamente, ganharam o apelido de filmes ou séries “de algoritmo”, em referência à tecnologia que dá sugestões do que ver a seguir.
Porém, os dois criadores compartilham da mesma posição: esses dados de audiência pouco influenciam no produto final.
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“Eu lembro que quando lançamos a primeira temporada, a única coisa que ganhamos [da Netflix] foi um emoji sorrindo, então acreditamos que estava bom, mas foi só isso”, revelou Madrona - que deixou Elite após o terceiro ano e, por isso, não pode contar muito sobre o que ocorre atualmente. “Hoje, eu acho, depois de dez dias você ganha algum feedback, com números, e depois de dez meses mais um outro feedback, e os dados são muito mais detalhados do que antes”, disse.
“Nós não recebemos feedbacks dizendo coisas como ‘você deve mudar essa cena', ou a forma como algo é mostrado”, complementa Uzan. “Me perguntam muito isso, se o algoritmo não impacta na forma como a série é escrita. A resposta é não. Ao menos pela minha experiência.”
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De acordo com ambos, o que é realmente afetado pela audiência é a continuidade da série. Um dos principais critérios da Netflix para renovar uma produção é a capacidade que ela tem de manter o público ligado até o final da temporada. Se muita gente começa a assistir e largar a história pelo caminho, ela pode deixar de ser interessante - e, dessa forma, figurar na lista de cancelamentos.
“Se você lança uma temporada e 100 milhões de pessoas começam a assistir, isso é ótimo, mas se só 30 milhões terminam, isso significa que provavelmente não mais que 30 milhões vão assistir a segunda temporada. Isso é algo a se considerar na hora de renovar ou não uma série. [...] A série pode ser maravilhosa, mas se não tem muita gente terminando, não tem muita paixão por trás, então a segunda temporada vai cair bastante nos números e eles vão preferir não gastar muito dinheiro nisso”, compartilhou Madrona.
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Remakes regionais
François Uzan, um dos idealizadores de Lupin
Os algoritmos não são usados para determinar o que vai acontecer ou não em um episódio, mas os números de audiência podem, sim, justificar remakes de uma mesma história. Mas isso, diga-se, não é um advento do streaming. Já acontece há décadas.
Darío Madrona tem a sua experiência pessoal com o conceito. Elite foi recentemente adaptada para o mercado indiano, onde ganhou uma versão chamada Classes - título que é um trocadilho com as aulas da escola e, claro, as classes sociais. Para o espanhol, o texto local, que tomou como base as profundas divisões existentes na Índia, valorizou a história. “Eu estou muito orgulhoso do que fizeram”, compartilhou.
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“Os remakes podem ser ótimos, porque há ideias em que você muda o contexto onde elas acontecem e ainda vale a pena fazê-la, explorá-la. Eu, há alguns anos, fiz o remake de ‘Life on Mars’, que foi uma adaptação de série britânica sobre um policial que viaja do presente para o passado, para os anos 1970 no Reino Unido, e tem que se adaptar ao jeito da polícia da época”, revelou Madrona. “Funcionou bem no Reino Unido, mas funcionou ainda melhor na Espanha porque [nos anos 1970] estávamos saindo de uma ditadura, então o contraste entre as duas épocas era enorme. Nos permitiu falar bastante da Espanha da época e a de agora, foi ótimo.”
Porém, na visão dele, o remake nem sempre é a melhor escolha. “Eu não gosto muito quando parece que você está fazendo a mesma história apenas porque as pessoas não gostam de legendas. Ou porque as pessoas não estão interessadas em ver gente de outras culturas, com outra língua”.
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É por isso que não dá para, por exemplo, pegar Stranger Things e refazê-la no Brasil ou na Europa. “Eu preciso confessar que não vi muito de Stranger Things, mas as coisas que eu vi me fazem pensar que, se for filmar na Espanha, não vai ter tanto dinheiro para efeitos especiais. Então por que fazê-lo? E não acho que o contexto social, ainda que cada país seja diferente, não seja grande o suficiente para fazer valer a pena”, disse.
O conselho é não ter conselhos
A essa altura, já deu para entender que não existe uma fórmula mágica para o sucesso, que algoritmos não ajudam muito e que remakes de histórias internacionais nem sempre significam sucesso garantido. Mas será que ambos os roteiristas não têm mesmo algum conselho para nós?
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“Uma coisa positiva que a Espanha tem é estar no meio das culturas Europeia e da América Latina, e tem a ajuda de ter uma língua falada por tanta gente no mundo. Mas eu acredito que os brasileiros também podem fazer essa ponte entre América Latina e Europa, tem Portugal. O Brasil também é um país grande, com muitas possibilidades econômicas”, contou Darío Madrona.
“Eu amo o Brasil, sua cultura e ancestralidade, então acho que o sucesso será questão de tempo. Não tenho um conselho, fiz uma série francesa com conceito francês, não tentamos algo diferente disso”, disse o co-criador de Lupin. “Então talvez, meu conselho seja: mantenham-se fiéis às suas regionalidades, parem de tentar ser globais.”
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Não contente com a resposta, insisti no assunto, só que questionando de outra forma: onde podemos encontrar a próxima grande história, para contar daqui e ser assistida no resto do mundo? A resposta de François Uzan foi contundente:
“Eu não vou responder essa pergunta. Porque se tem algo com o qual eu me importo muito é que eu não acho certo que alguém de outro país venha e diga o que os brasileiros deveriam fazer. Minha resposta é que isso virá de alguém do Brasil.”
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Como vemos, o principal é fazer o nosso melhor, deixando de lado qualquer "síndrome do vira-lata”. O resto é consequência.
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