Publicado em 18/10/2020 às 08:00:00
Há três anos, A Força do Querer foi um oásis no horário nobre da Globo, que vinha amargando uma fileira de insucessos. A sensação de alento se repete agora com a substituição a Fina Estampa, novela que, com sua trama anacrônica, não dizia nada e a respeito de tempo nenhum. A história de Glória Perez, ao contrário, é moderna e corajosa ao convidar o espectador a desenvolver empatia por figuras marginalizadas, sob risco de esvair a audiência.
Quem revê A Força do Querer em 2020 tem a chance de conferir a boa construção dos personagens principais, com todos os sinais do que virá adiante em suas trajetórias. A autora planejou o tempo perfeito para cada uma das protagonistas. Neste primeiro momento, Ritinha (Isis Valverde) tem mais espaço, enquanto Bibi (Juliana Paes) e Jeiza (Paolla Oliveira) ficam em segundo plano, mas as três adquirem importância equivalente no decorrer da história.
Todos os personagens, incluindo o trio principal, são ambivalentes. Não se pode esperar que algum deles aja corretamente o tempo todo. Passíveis ao desacerto, ao egoísmo e a outras reações super-humanas, todos ajudam a movimentar a trama – função quase sempre destinada e restrita aos vilões nos folhetins. Curiosamente, a psicopata da vez, Irene (Débora Falabella), é bem menos marcante que as heroínas.
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Os índices fracos, segundo o Ibope, nestas primeiras semanas da reprise, podem ser um reflexo da onda conservadora que tomou o Brasil nestes três anos que nos separam da exibição original de A Força do Querer. Ainda intriga saber como a audiência vai reagir à transição de Ivana (Carol Duarte) para Ivan, à medida em que a filha de Joyce (Maria Fernanda Cândida) passa a se entender como um homem transexual – um dos pontos altos da novela. Diante do que se regrediu em tantas frentes desde 2017, é provável que, hoje, parte do público torça o nariz para o personagem.
À época da primeira exibição, a reação foi positiva: o país embarcou no drama de Ivan e suas cenas jamais afugentaram a audiência. Pelo contrário, contribuíram para os números ascendentes enquanto a história esteve no ar. Com uma abordagem ousada para o horário nobre, com espaço também para as drag queens por meio de Nonato/Elis Miranda (Silvero Pereira), a novela foi didática na medida certa e comoveu o público com a realidade de uma parcela ainda mais vulnerável da população LGBT.
Pelos temas propostos e bem desenvolvidos, A Força do Querer parece ainda mais madura aos olhos de hoje. Seu texto atualíssimo deixa claro que qualquer outra reprise, entre os outros títulos recentes e insossos das 21h, seria uma opção, no mínimo, enfadonha. Afinal, com exceção a Amor de Mãe, interrompida pela pandemia, nada do que se produziu no horário nobre da Globo nestes últimos anos chegou perto do mesmo patamar de coragem e inventividade da criação de Glória Perez.
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