Ainda Estou Aqui é um filme necessário, que já nasceu histórico
Fernanda Torres é a alma do longa, representante do Brasil no Oscar que chega nesta quinta (7) aos cinemas
Publicado em 07/11/2024 às 04:44,
atualizado em 08/11/2024 às 19:55
Ainda Estou Aqui chega aos cinemas nesta quinta-feira (7), em meio a uma carreira premiada em festivais pelo mundo. Filme brasileiro mais aguardado do ano, é o nosso candidato a uma vaga no Oscar 2025 e também a produção nacional mais celebrada e de maior repercussão dos últimos tempos. Finalmente disponível para a plateia daqui, é um projeto que já nasceu histórico.
Dirigido por Walter Salles, o longa é baseado no livro homônimo e autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva. Narra a história da mãe do autor, Eunice Paiva (Fernanda Torres), que teve a família arrasada com o desaparecimento do marido, o ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello), levado pelos órgãos de repressão na ditadura militar.
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Mais do que por ser aplaudido no exterior, Ainda Estou Aqui é um filme necessário para o Brasil por várias e mais valiosas razões. A principal, e mais óbvia, é o fato de não permitir que as verdades sobre a ditadura caiam no esquecimento. Está longe de ser o primeiro título a abordar o período, mas poucas vezes o cinema soube retratá-lo de forma tão intimista e tocante.
O lançamento está cercado de expectativas, principalmente em torno de Fernanda Torres, que tem grande chance de ser indicada ao Oscar pelo papel. Ela está perfeita como a protagonista de gestos e voz comedidos, atípicos entre as criações da atriz. Esse deve ser o papel dramático definitivo de sua carreira, também fortemente marcada pelas comédias.
A atriz respeita os silêncios de sua personagem sem que isso resulte em uma atuação fria ou distante. Ao contrário, ela encarna uma calorosa mãe de família, e sua sobriedade faz com que qualquer arroubo – de medo, de tristeza, de revolta, de alívio, de amor – seja ainda mais intenso.
Valendo-se da semelhança física com o personagem real, Selton Mello também está cativante como Rubens Paiva. Mesmo sem o tempo em cena ou as oportunidades de seu par, ele entrega uma atuação solar, fundamental para nos conectar ao drama daquela família.
A ambientação no Rio de Janeiro dos anos 1970 é outro ponto alto. A reconstituição de época é original e nos transporta para aqueles tempos sem recorrer a ambientações comuns. Trata-se de um precioso encontro entre fotografia, cenografia, figurino e direção de arte, todos em perfeita harmonia.
O elenco só tem bons atores, mas poucos ganham destaque na tela. No ato final, há um desfile de figurantes de luxo – até Marjorie Estiano está entre eles. O espectador mais desatento pode só perceber nos créditos finais que nomes como Maria Manoella e Thelmo Fernandes também deram as caras ao longo do filme.
A chave de ouro é a participação especialíssima de Fernanda Montenegro. O olhar vazio da Eunice idosa, sofrendo do Mal de Alzheimer, ganha vida quando uma lembrança do passado surge brevemente. Aos 95 anos, a veterana não precisa de muito, nem de falas, para mostrar que ainda está ali a maior atriz brasileira – e só temos a agradecer por isso.
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AcesseFilme omite trechos mais chocantes do livro
No roteiro Murilo Hauser e Heitor Lorenga – premiados no Festival de Veneza pelo trabalho –, alguns dos trechos relacionados à tortura foram excluídos, a pedido de Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que deu origem ao filme. Eliminar cenas de violência foi uma escolha paradoxal, pois carrega o perigo de comprometer o vigor da abordagem.
A decisão de omitir tais partes, porém, está de acordo com a concepção do filme. A narrativa toma para si a sobriedade da protagonista, sem se permitir qualquer momento mais apelativo, como os de violência física explícita. Além disso, o que fica nas entrelinhas, por vezes, pode ser ainda mais impactante para o espectador.
Ao deixar implícita a tortura física e a morte brutal de Rubens Paiva, o longa enfoca a tortura psicológica, também cruel, a que Eunice e os filhos foram submetidos: conviver com o desaparecimento, sem a confirmação das circunstâncias da morte nem os detalhes do que aconteceu no período da prisão.
“A tática do desaparecimento político é a mais cruel de todas, pois a vítima permanece viva no dia a dia. Mata-se a vítima e condena-se toda a família a uma tortura psicológica eterna.”
Fala de Eunice Paiva, em um dos trechos do livro Ainda Estou Aqui
A história, tanto do livro quanto do longa, não é sobre Rubens, mas sobre Eunice e a saga da matriarca em cuidar, enquanto pôde, de uma família desolada pela ditadura. Ela é a verdadeira heroína da história, por definição do filho Marcelo, o que o filme dignamente soube respeitar.
Assista ao trailer do filme Ainda Estou Aqui, em cartaz nos cinemas: