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"Malhação" chega aos 6 mil capítulos na pior temporada de sua história


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Divulgação/ TV Globo

Surgida em 1995, "Malhação" enfrentou glórias e turbulências ao longo de sua trajetória na TV. Algumas de suas temporadas fizeram história e foram aclamadas pelo público – como as primeiras da academia, as de 2002 e 2004 (na fase Múltipla Escolha) e as recentes “Intensa” (2012-13), “Sonhos” (2014-15) e “Viva a Diferença” (2017-18) –, enquanto outras não obtiveram a mesma recepção, como Casa Cheia (2013-14), Pro Dia Nascer Feliz (2016-17) e as temporadas de 2005 e 2007, esta última em reprise no canal Viva. No entanto, seria difícil acreditar que a trama juvenil chegaria aos seus 6 mil capítulos justamente naquela que é a pior de todas as temporadas.

Como se sabe, “Vidas Brasileiras” estreou em março do ano passado, carregando o peso de manter a dignidade do formato após a imensa recepção positiva de “Viva a Diferença”, de autoria do renomado Cao Hamburger. A própria autora da atual edição, Patrícia Moretzsohn, retornava à faixa enfatizando que a antecessora havia elevado o padrão da novelinha jovem a outro patamar. No entanto, os primeiros capítulos comprovaram que as desconfianças faziam sentido: “Vidas” não apenas não conseguiu manter a qualidade da história que a antecedeu. Conseguiu o que parecia impossível: levar "Malhação" ao ponto mais baixo de sua longeva trajetória.

\"Malhação\" chega aos 6 mil capítulos na pior temporada de sua história

Elenco jovem não ajuda. É certo que a direção não contribuiu de forma eficiente, mas o grupo escalado não consegue corresponder às expectativas, o que é algo inédito em se tratando de um formato historicamente conhecido por revelar inúmeros talentos para outras produções

Thallys Almeida

Não se pode negar que Patrícia tentou ousar, como havia feito Cao. Enquanto o autor paulistano aproveitou sua expertise em obras para o público jovem e centrou seu enredo em cinco diferentes garotas, rompendo com o modelo do casal romântico atrapalhado pelos vilões; a atual roteirista apostou em duas ideias inexploradas por "Malhação": a adaptação de um formato estrangeiro – a série canadense 30 Vies, quatro vezes indicada ao Emmy Internacional – e a centralização dos conflitos em uma personagem adulta, a professora Gabriela (a sempre ótima Camila Morgado).

Nada disso deu certo. O rodízio de personagens a cada dez capítulos é insuficiente para abordar com o cuidado necessário os dramas que cada aluno merecia e as intervenções de Gabriela mais pareciam intromissões descaradas, em que a professora praticamente se esquecia de sua vida familiar para invadir a vida e a privacidade de seus alunos sem pudor algum. E como se não bastasse isso, várias histórias beiram o ilógico, como o drama que inaugurou a temporada – o de Kavaco (Gabriel Contente), que despertava a preocupação dos pais por supostamente usar drogas, mas o que ele cheirava na verdade era... verniz de barco. Dá pra acreditar em tamanha vergonha alheia?

\"Malhação\" chega aos 6 mil capítulos na pior temporada de sua história

E o que se passou no decorrer do ano mostrou que o constrangimento só aumentava. Durante a época do Natal, enquanto se desenrolava a história de Mel (Maria Rita), em um enredo inspirado no clássico filme Esqueceram de Mim, um malandro vivido por Charles Paraventi (intérprete do lendário Professor Afrânio das fases do Múltipla Escolha) tenta roubar a casa da garota e cai numa armadilha de bonecos que ganham forma humana e se transformam através de personagens conhecidos da história. Nem as novelas infantis do SBT seriam capazes de bolar algo tão constrangedor.

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Outro exemplo que evidencia a baixíssima qualidade da história de Patrícia Moretzsohn é a entrada de Jaqueline (Ellen Rocche), a exuberante mãe da rebelde Fabiana (Giovanna Rangel). Como em um filme de comédia americano, a loira desperta a atenção de Hugo (Leonardo Bittencourt), que combina com o amigo Alex (Daniel Rangel) uma festa no apartamento deste. Longe de se criticar relacionamentos com diferença de idade, mas o desenvolvimento deste entrecho é tão pouco crível que não dá pra comprar a ideia de uma mulher tão atraente e bem-resolvida se “envolvendo” com um jovem tão imaturo.

Estas duas sub-tramas recentes evidenciam o quanto a temporada está longe das tais “vidas brasileiras” prometidas em seu título. Com personagens construídos e modificados do nada conforme a necessidade do roteiro, Patrícia Moretzsohn erra a mão na condução de perfis pretensamente complexos, mas que só causam irritação e nenhuma empatia.

Para piorar, o elenco jovem não ajuda. É certo que a direção não contribuiu de forma eficiente, mas o grupo escalado não consegue corresponder às expectativas, o que é algo inédito em se tratando de um formato historicamente conhecido por revelar inúmeros talentos para outras produções. Mesmo outras temporadas fraquíssimas, como “Casa Cheia” (da mesma autora), “Pro Dia Nascer Feliz” e as edições de 2005 e 2009 foram mais felizes, na época revelando nomes como Hanna Romanazzi, Gabriel Leone, Bárbara França, Aline Dias, Fernanda Vasconcellos e Bianca Bin. No máximo do máximo, a única representante de fato talentosa da atual turma é Joana Borges (a ginasta Verena), no entanto, sua personagem perdeu espaço e praticamente nunca mais foi vista na história.

Se “"Malhação"” havia chegado aos 5 mil capítulos na época da elogiada Sonhos (2015), que chamou atenção pelo sucesso do casal Pedro e Karina (Rafael Vitti e Isabella Santoni) e pela boa abordagem dos temas pretendidos – não com a mesma seriedade de “Viva a Diferença”, mas dando uma bem-vinda contribuição –, a marca de número 6000 infelizmente se fez presente naquela que é a pior temporada da história de "Malhação". O fracasso também se reflete na audiência, com uma média total até aqui em torno dos 16 pontos (número semelhante ao de Sonhos e apenas 2 pontos acima de Casa Cheia, a mais baixa audiência da história do formato).

Se é para sentir vergonha alheia com uma temporada de "Malhação", é mais produtivo acompanhar o enredo de 2007 no Viva. Aquela, também apontada em sua época como maior fracasso da história graças ao enredo irregular e ao elenco canastrão ao extremo (em especial Rômulo Neto e Fiorella Mattheis), ao menos consegue despertar risadas pelo que apresentava, como um guilty pleasure. Aqui, só se consegue sentir raiva de um enredo tão horrendo.

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