Emocionante, "Orgulho e Paixão" foi a reinvenção de Marcos Bernstein
Novela chegou ao fim nesta segunda-feira (24), na Globo
Publicado em 25/09/2018 às 09:16
No ano passado, Glória Perez surpreendeu o público com o sucesso de "A Força do Querer". A autora, com um enredo empolgante, bons personagens e a correção de vícios comuns em suas últimas novelas, reergueu o horário das 21h e superou as críticas sofridas em relação à sua trama anterior, "Salve Jorge" (2012–13). O exemplo de Glória Perez, guardadas as devidas proporções, pode ser aplicado a Marcos Bernstein, autor da recém-encerrada "Orgulho e Paixão". Se em "Além do Horizonte" (2013-14) o novelista não foi feliz em relação aos problemas em conduzir suas inovações, na atual novela das seis, Bernstein presenteou o público com uma linda história, repleta de comédia, romantismo e pitadas de adrenalina.
Sucessora de Tempo de Amar, de Alcides Nogueira e Bia Corrêa do Lago, “Orgulho” bebeu na fonte da escritora inglesa Jane Austen, cujas principais obras foram as grandes norteadoras do ótimo enredo. As impressões iniciais deixavam no ar as inspirações nas novelas das seis de Walcyr Carrasco, com muito colorido e atuações “acima do tom”, especialmente se comparadas com o formalismo da antecessora. No entanto, "Orgulho e Paixão" foi muito mais que isso. A trama logo assumiu sua identidade, um belo e cativante conto de fadas, sem nada a dever para as mais clássicas histórias da Disney.
A força feminina se fez presente logo no protagonismo, através das cinco irmãs Benedito: Elisabeta (Nathalia Dill), Jane (Pâmela Tomé), Cecília (Anaju Dorigon), Mariana (Chandelly Braz) e Lídia (Bruna Griphao). Com diferentes vivências, sonhos e personalidades, as cinco se completaram em um conjunto cativante, que reuniu características que enriqueciam todos os perfis: a impulsividade de Elisabeta, a doçura de Jane, o espírito aventureiro de Mariana, a molecagem de Lídia e a imaginação de Cecília. Moradoras do Vale do Café, elas eram prometidas em casamento pela mãe Ofélia (Vera Holtz), que não sossegava enquanto elas não tivessem pares para chamar de seus.
E estes casais logo cativaram o público e reuniram grandes torcidas a favor. Com tantas histórias se desenvolvendo ao mesmo tempo, o risco de desandar existia. No entanto, Bernstein contornou possíveis dificuldades ao trabalhar muito bem os seus perfis, permitindo uma boa exploração da química existente entre os atores. Não faltou casal bom pra se torcer, desde os principais até os pares mais coadjuvantes: Darcy (Thiago Lacerda) e Elisabeta representaram o clássico gato e rato; Camilo (Maurício Destri) e Jane foram expoentes do romantismo clássico; Brandão (Malvino Salvador) e Mariana aliaram a química à adrenalina; Rômulo (Marcos Pitombo) e Cecília ganharam força com o conflito familiar que envolveu seu enredo; e até mesmo Randolfo (Miguel Rômulo) e Lídia divertiram com seu amor juvenil. Darlisa, Jamilo, Brariana, Rocília e Lidolfo (uniões dos nomes dos personagens) foram pares cativantes e honraram o quinteto principal.
Em meio a tantos bons pares, dois merecem um parágrafo a parte: Ema (Agatha Moreira) e Ernesto (Rodrigo Simas); e Aurélio (Marcelo Faria) e Julieta (Gabriela Duarte). A baronesinha do Vale do Café, inicialmente de mentalidade conservadora, estava prevista para se casar com Jorge (Murilo Rosa), no entanto, com o fracasso deste par, ela logo passou a se interessar pelo rebelde italiano. A troca deu muito certo e o par “Erma” esbanjaram química a perder de vista, inclusive nos conflitos de visões entre eles, que enriqueceram e empoderaram ainda mais a jovem.
Por sua vez, o pai de Ema, filho do falido Barão Afrânio Cavalcante (Ary Fontoura), se apaixonou por Julieta em meio a uma situação inusitada, quando a mãe de Camilo ameaçava despejar a família em virtude de dívidas. O relacionamento dos dois não tardou para evoluir para uma intensa paixão e, ao lado de Aurélio, a Rainha do Café pôde expurgar seus traumas (uma vez que era violentada pelo falecido marido) e se redescobrir como mulher. Apelidados como “Aurieta”, Marcelo Faria e Gabriela Duarte mostraram a valorização do elenco maduro da novela.
Outro grande destaque em matéria de romantismo foi o envolvimento de Luccino (Juliano Laham), mecânico e irmão de Ernesto, com Otávio (Pedro Henrique Muller), militar do exército comandado por Brandão. O rapaz se descobriu homossexual inicialmente ao se apaixonar por Mário, um disfarce de Mariana para se aproximar de Brandão após ter sido enganada pelo malandro Uirapuru (Bruno Gissoni). Com o tempo, o encantamento por Otávio se desenvolveu de uma forma delicada e sutil, longe de qualquer panfletagem e permitindo que o casal ganhasse público em meio a uma reação conservadora na política e na sociedade brasileiras. Uma trama que inclusive serve de exemplo para muitas novelas das nove.
E o time de vilões não deixou por menos. Atacando em várias frentes, o grupo não deixou a desejar em matéria de maldade. Susana (Alessandra Negrini) foi a representante mais cômica. Tão ambiciosa quanto atrapalhada, a personagem tentou de tudo para se aproximar de Darcy e prejudicar Elisabeta, contando com a ajuda de Petúlia (Grace Gianoukas), com quem formou uma hilária dupla. Xavier (Ricardo Tozzi) foi o vilão tradicional, arrogante e sádico, que chegou inclusive a sequestrar Mariana e cortar seus cabelos, traumatizando a garota. Josephine (Christine Fernandes) e Tibúrcio (Oscar Magrini) foram os vilões que rivalizaram entre si, atrapalhando a vida de Rômulo e Cecília. E Lady Margareth (Natália do Vale), tia de Darcy, que entrou no meio da história, foi a típica bruxa má dos contos de fadas, que dominou a cena e fez o papel antes destinado a Lorde Williamson (Tarcísio Meira), pai do mocinho, que precisou sair de cena mais cedo por problemas de saúde do grande ator.
O enredo primou pelo andamento ágil a todo momento, evitando ao máximo a barriga e a correria na reta final. Bernstein soube trabalhar cada uma das histórias e entrelaçar todos os enredos de uma forma bem coerente com a proposta da sinopse, inclusive dialogando com temas atuais como feminismo, violência contra a mulher e homossexualidade, em acertadas e despretensiosas abordagens que fugiram do tom panfletário. Nos capítulos finais, o roteirista projetou o desfecho de cada núcleo em seu devido tempo e nem assim a trama perdeu fôlego. Pelo contrário, novos conflitos e emoções deram o tom da reta final?—?inclusive, deve-se fazer um justo elogio ao diretor Fred Mayrink, que também se superou em relação à direção exagerada e confusa de sua trama anterior (Haja Coração) e deu vida a sequências empolgantes, como o sequestro do trem por Xavier nos últimos capítulos.
O elenco foi repleto de nomes em estado de graça, como Nathalia Dill, Chandelly Braz, Agatha Moreira, Pamela Tomé, Bruna Griphao, Anaju Dorigon, Gabriela Duarte (enfim valorizada após anos sem fazer uma novela inteira), Ary Fontoura, Natália do Vale, Alessandra Negrini, Grace Gianoukas, Maurício Destri, Miguel Rômulo, Thiago Lacerda, Marcos Pitombo, Laila Zaid, Vera Holtz, Tato Gabus e Isabella Santoni. Ainda merecem destaque as boas surpresas de Juliano Laham, Malvino Salvador e Marcelo Faria (que evoluíram no decorrer da novela e saem muito maiores do que entraram) e a grata revelação de Pedro Henrique Muller, um nome que merece ser lembrado no futuro. Apenas Letícia Persiles, intérprete de Amélia, par de Jorge, não foi valorizada como merecia, em virtude do esvaziamento do enredo do par. E Ricardo Tozzi, sempre no mesmo tom em todos os papeis, foi o maior destaque negativo.
A trilha sonora foi outro destaque à parte, não apenas pela escolha de belas canções para cada par, como por valorizar uma tradição que deveria ser sempre mantida: cada personagem ou par romântico tem o seu tema próprio, o que ajuda na identificação e enriquece ainda mais a história.
São os casos de "Mais Bonito Não Há", de Tiago Iorc e Milton Nascimento (tema de Darlisa); "Eu Te Amo Tanto", de Paolo e Cláudia Leitte (tema de Rocília); "Fica", de Anavitória e Matheus e Kauan (tema de Erma); "Paixão", de Kleiton e Kledir, também incluída em versão de Ana Carolina (ambas temas de Aurieta); "Morada", de Sandy (tema de Lutávio) e "Sinônimos", de Chitãozinho e Xororó e Zé Ramalho, em uma versão gravada por Paula Fernandes e pela banda Scarcéus (tema de Brariana). É importante frisar esta valorização da tradição dos temas românticos porque isto tem feito falta nas últimas novelas das nove, onde não há esta associação e as músicas tocam de forma desorganizada para todos os personagens, dificultando esta identificação e deixando a sensação de bagunça.
Em relação à audiência, pode-se dizer que "Orgulho e Paixão" foi uma guerreira. A trama sofreu com a baixa entrega das reprises do Vale a Pena Ver de Novo (especialmente Belíssima) e da equivocada Malhação Vidas Brasileiras, no entanto, os capítulos quase sempre apresentavam elevações de ibope em torno de cinco pontos, garantindo que a novela se mantivesse na média do horário, encerrando com um saldo geral de 22 pontos, apenas um abaixo de Tempo de Amar (23). Mesmo prejudicada em sua reta final pelo horário político e pelas transmissões extras de futebol, "Orgulho e Paixão" manteve seus índices em um bom patamar. Se não foi um fenômeno, esteve longe de ser um fracasso.
Por tudo que foi apresentado, "Orgulho e Paixão" mereceu todos os elogios de público e crítica, sendo facilmente considerada uma das melhores novelas das seis desta década, ao lado de sucessos como "Cordel Encantado", "A Vida da Gente", "Lado a Lado", "Sete Vidas", "Além do Tempo" e "Novo Mundo". O autor Marcos Bernstein, a exemplo de sua colega Glória Perez, soube se reinventar e superou a má impressão deixada em Além do Horizonte. O romance, o humor e a adrenalina se fizeram presentes em uma deliciosa história, que já deixa saudades. Bernstein, Mayrink, elenco e equipe merecem muito todos os aplausos e honraram o legado deixado por Jane Austen.