Enfoque NT

TV aberta chega em novo patamar de audiência, mas isso não quer dizer que perdeu público

Números altos de audiência ficaram no passado, cabe a nós analisá-los da maneira correta


Logos das emissoras em arte do NaTelinha
Números absolutos se transformaram em obsoletos na leitura dos números de audiência - Foto: Arte/NaTelinha

O futuro chegou. Aquilo que discutíamos no início da década passada sobre o que seria da TV em 10 ou 15 anos está acontecendo. A nova geração consegue assistir seu programa favorito quando quer e onde quiser, isso quando ele está na televisão. Opções, com os streamings, temos a perder de vista, quando na época havia apenas a Netflix engatinhando no mercado.

Fazendo um exercício desse tipo, qual o futuro para a televisão aberta daqui 10 ou 15 anos? A tendência é esse processo de pulverização acelerar. Afinal de contas, a TV ainda é o grande veículo de comunicação de massa que temos, mas o natural seria que novas pessoas, lá do interior do Brasil, tivessem cada vez mais acesso às outras plataformas. Se isso vai acontecer, não sabemos. Talvez, com um alto número de streamings, eles voltem a se concentrar em poucos, porque ninguém tem bolso para acumular dezenas de assinaturas. Sai mais caro que um pacote premium da TV a cabo. Quando ele realmente era premium, claro.

O atual momento da TV aberta também vem carregado por baixas audiências em praticamente todas as emissoras. A Globo, quem diria, não chega a 25 pontos com uma novela das nove na Grande São Paulo. O SBT patina entre 2 e 3 pontos grande parte do dia, enquanto a Record e Band, que tinham patamares mais baixos do passado, até podem se vangloriar de uma alta em recortes específicos dos últimos 20 anos, por exemplo. A RedeTV!, como dá traço quase toda a programação, inexiste.

Mas o fato é que o futuro de audiência da TV medido em pontos está fadado a terminar. Escrevi isso uma vez aqui neste mesmo espaço em 2014, quando ainda estava na faculdade. Propus uma reflexão parecida e dizia que era inimaginável uma novela das nove dar 30 de média geral em alguns tempos. Em um futuro, poderia ser perfeitamente possível que alcançasse 15. Passados oito anos, até que não chegou tão longe assim.

Não por acaso, o jornalista Daniel César trouxe a informação em 23 de fevereiro que a Kantar Ibope tem a missão de rever o critério na medição de audiência de TV no país. Avaliar 1 ponto é um critério desfasado, como bem observado, e resta saber o que vai acontecer nos próximos anos no que tange a isso.

Vamos aos comparativos nos números do Ibope

TV aberta chega em novo patamar de audiência, mas isso não quer dizer que perdeu público

Dito isso, fazendo uma rápida comparação com os números que temos, é fácil observar que o critério para determinar que um programa faz sucesso ou não caiu mesmo no defasado. Vamos imaginar que Um Lugar ao Sol chegou na sua reta final com 25 pontos (arredondando), o que totaliza 1,886 milhão de lares sintonizados na Grande São Paulo. Cada ponto representa 74.666 casas.

No ano de 2002, cada ponto equivalia a 47 mil domicílios. Esperança, grande fracasso da época e que foi estrelada por Priscila Fantin, acumulou uma média geral de apenas 38 pontos. Em números absolutos, 1,786 milhão de lares na capital paulista, menos público que o registrado por Um Lugar ao Sol, que também em números absolutos, é a de menor pontuação no Ibope da história da Globo na faixa. É justo?

Outro exemplo fácil, o Show do Milhão era um fenômeno nas noites do SBT. Silvio Santos chegou a prometer aos anunciantes pelo menos 20 pontos na Grande São Paulo, o que equivalia a 940 mil lares sintonizados no quiz do Homem do Baú. Hoje, o Programa Silvio Santos, dando 7 pontos, representa 522 mil lares. Para chegar ao número de TVs sintonizadas de 2002, o atual PSS teria que marcar aproximadamente 12 pontos de média.

Trocando em miúdos, um programa que marcava 20 pontos em 2002 e dá 12 atualmente, não perdeu público. E a queda em números absolutos é de 40%. Assim como os 12 pontos são os 20 do passado, os 40 pontos de duas décadas atrás equivalem a 24 pontos, aproximadamente. Entenderam por que é tão importante avaliar os números de maneira verdadeiramente ponderada?

Mais um exemplo: o jornal mais visto do país

TV aberta chega em novo patamar de audiência, mas isso não quer dizer que perdeu público

Vamos a mais um exemplo. O Jornal Nacional segue sendo o mais assistido do país. Há 20 anos, ancorado por William Bonner e Fátima Bernardes, o noticiário marcava por volta dos 35 pontos, o que correspondia a 1,645 milhão de lares sintonizados. Hoje, dá cerca de 22, o que equivale a 1,642 milhão de TVs assistindo o programa. E aí, perdeu público? A resposta é óbvia: não. A diferença é absolutamente irrisória.

Os números absolutos se transformaram também em obsoletos. Sua representatividade muda todos os anos e isso é sumariamente ignorado, inclusive por nós, da imprensa, agora fazendo o mea culpa. Comparar números atuais com o décadas passadas apenas pela comparação, não faz o menor sentido. Ainda que tenhamos que também levar em contar o aumento populacional de algum modo, dizer que tal programa perdeu público pode ser uma afirmação falsa.

Como a Kantar Ibope vai fazer essa reavaliação, não sabemos. Mas, repetindo o que escrevi lá em 2014, uma das saídas é fazer justamente como faz os Estados Unidos, com medição por espectadores e não mais pontos. E hoje, ainda, com a atualização de que se indivíduo viu o programa "ao vivo" ou depois.

Tabelando os programas por pontos, vamos continuar mascarando um sucesso ou fracasso deste ou daquele programa, e seguirmos comparando números de 2022 com o de anos ou décadas atrás. Completamente equivocado.


Thiago Forato é jornalista, assina a coluna Enfoque NT desde 2011, além de matérias e reportagens especiais no NaTelinha. Forato também é autor do blog https://parlandodepalmeiras.com.br. Converse com ele pelo e-mail thiagoforato@natelinha.com.br ou no Twitter, @tforatto

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