Opinião

Xuxa e Marlene Mattos: uma análise sobre imagem, carreira e o (re)encontro de duas estrelas

Documentário da apresentadora estreia no Globoplay nesta quinta-feira (13)


Montagem com Xuxa Meneghel e Marlene Mattos
Xuxa Meneghel e Marlene Mattos trabalharam juntas por 19 anos - Foto: Montagem/Globo

Na noite do último domingo (9), o Fantástico exibiu uma reportagem com teasers de Xuxa, o Documentário, original Globoplay com cinco episódios semanais, que tem produção artística de Pedro Bial e cuja estreia acontece nesta quinta-feira (13). Até então inéditos, os trechos da obra que mais ganharam repercussão na internet, após a exibição da matéria do Show da Vida, foram as declarações de Marlene Mattos, que foi empresária e diretora de Xuxa por 19 anos. A relação profissional delas teve início em 1983, na extinta TV Manchete, e seguiu na Globo até meados de 2002, quando a imprensa noticiou na ocasião que ambas haviam rompido a parceria de quase duas décadas após uma série de desentendimentos

Nos trechos exclusivos da série documental mostrados pelo Fantástico, a ex-empresária da apresentadora avaliou a própria gestão. “Eu acertei muito mais do que errei, sabe? O mundo não é isso que você quer que seja. A gente tem que agir, às vezes, de forma realística, sabe? Você diz... você era uma marionete na minha mão e eu usava você pra fazer outras pessoas de marionete. E é assim”, disparou Marlene Mattos, que admitiu que era cruel no trato com Xuxa. “Agora, o problema é o seguinte: eu não sei ser condescendente com gente burra, sabe? Eu sou exigente? Sou. Chego a ser cruel? Sou, sou. Mas olha: eu sei fazer as coisas. Quando eu me proponho, eu sei fazer as coisas”, disse sem meias a empresária, produtora e diretora de TV. 

Seja no entretenimento, na moda, no esporte ou em outras áreas, o bom relacionamento entre o empresário e o agenciado é fundamental para o desenvolvimento, pelo primeiro, da carreira do segundo. A relação precisa estar materializada em um contrato que estabeleça, de forma clara e detalhada, as obrigações de ambas as partes. Ocorre que as relações humanas, nem sempre, são tranquilas.

Sobretudo quando envolve exposição, fama e muito sucesso. No caso específico da parceria profissional que houve entre Xuxa e Marlene Mattos, é preciso considerar os pormenores da relação, para não deixar de fora detalhes importantes.  

Que o gerenciamento da carreira e da imagem da apresentadora, conduzido por sua ex-empresária, foi determinante para a construção do “mito” Xuxa, não há dúvidas. Por outro lado, sem o carisma, a beleza, o talento e o profissionalismo da artista, bem como as renúncias feitas por ela ao longo da vida, provavelmente as coisas também não teriam acontecido. Aqui, é preciso ter cuidado porque entra-se no movediço terreno da especulação. Motivo: é impossível saber o que poderia ter ocorrido. O público conhece o que, efetivamente, aconteceu. E o fato é que, olhando em retrospecto, uma foi imprescindível para a outra.

Xuxa e Marlene Mattos: uma análise sobre imagem, carreira e o (re)encontro de duas estrelas

Sim, Marlene Mattos soube realmente “fazer as coisas”. Ela foi essencial para a carreira da Xuxa. Assim como é igualmente válido dizer que a artista forneceu um “material” de primeiríssima qualidade para que a sua ex-empresária pudesse administrar.

Metaforicamente falando, a Xuxa foi uma “pedra preciosa” muito bem “lapidada” pela Marlene. Analisando a partir da ótica profissional, é provável que uma não houvesse existido sem a outra. A minha tese é corroborada pelos eventos sucedidos após o fim da parceria entre elas: Marlene Mattos nunca mais gerenciou outro cliente como Xuxa, ao passo que a eterna Rainha dos Baixinhos também interrompeu o ciclo de evolução que vinha galgando na carreira até o fim da união com a sua ex-empresária.

Higor Gonçalves

Naquele momento, a artista vinha fazendo uma bem-sucedida transição de públicos - como chamamos em marketing -, passando do infantil para o adulto. A ideia era dar perenidade à marca Xuxa Meneghel, de modo que a apresentadora pudesse se manter artisticamente relevante, culturalmente popular, e, acima de tudo, comercialmente rentável. Xuxa tinha quase 40 anos em 2002.

Era chegada a hora, ali, de consolidar um novo posicionamento de mercado e promover uma nova imagem, com a finalidade de dialogar com novos públicos, expandir os campos de atuação e, consequentemente, gerar mais negócios. O propósito era ampliar a base de fãs - de consumidores potenciais, capazes de adquirir novas categorias de produtos e despertar o interesse de uma gama maior e mais diversificada de patrocinadores. 

São os anunciantes, desde que o mundo é mundo, que mantêm a “máquina” da televisão comercial “rodando”. E eles buscam, a priori, duas coisas: divulgar os seus produtos a um público com potencial para consumi-los, e associar as suas marcas a projetos e pessoas que transmitam carisma, confiança e credibilidade. A transição de públicos da Xuxa vinha sendo bem coordenada pela Marlene desde o final dos anos 90. Na época, a apresentadora comandava ao mesmo tempo o Xuxa Park (1991-2006), voltado às crianças, e o Planeta Xuxa (1997-2002), cujo target, ou seja, o público-alvo, eram os adolescentes e as famílias.  

Xuxa Meneghel e transição para o adulto adulto

Das contingências que acontecem na vida, o infantil foi descontinuado por decisão da Globo após a repercussão gerada por um incêndio, em 2001, que ocorreu nos estúdios do programa. Atenta à “oportunidade”, que infelizmente surgiu após uma tragédia, a empresária tentou persuadir a sua cliente a ficar apenas com o Planeta Xuxa, fazendo em definitivo a transição para o público adulto.

Marlene Mattos notou que a parcela de “grandinhos” já era bem maior que a de “baixinhos”. Xuxa, porém, insistiu em continuar investindo nas crianças. As divergências em torno do direcionamento da carreira da apresentadora, dentre outros motivos, foram algumas das razões alegadas na época para o fim da parceria de quase 20 anos.

Carismática, talentosa e profissionalíssima, Xuxa, contudo, não fez escolhas empresariais assertivas após a ruptura com a sua ex-empresária. Na minha avaliação, ela deixou de capitalizar a partir da enorme relevância artística e cultural que começou a construir ainda nos anos 80. Falei sobre o assunto neste artigo para o NaTelinha. No texto, comparo a gestão das carreiras de Xuxa e Eliana, que, na minha opinião, soube se reinventar, manter-se popular e viável em termos comerciais. Não comparo, aqui, as pessoas de ambas. Avalio apenas as respectivas trajetórias profissionais, já que tanto a Xuxa como a Eliana chegaram, no passado, a atuar no mesmo nicho de mercado. 

A transição de públicos foi o maior desafio da carreira da apresentadora paulista. Contudo, Eliana soube conduzi-la com maestria. Resultado? Permanece no ar até os dias de hoje, como vice-líder de audiência e um dos maiores salários da TV aberta brasileira.

Higor Gonçalves

Sem mencionar os diversos outros negócios gerados a partir da excelente gestão da imagem da apresentadora do SBT. Eliana, por exemplo, evita polêmicas. Eis um dos motivos pelos quais, no mercado anunciante, ela costuma ser bem avaliada pelas marcas.    

Voltando ao objeto deste artigo, que é falar sobre a união profissional que houve no passado entre Xuxa e Marlene Mattos, o fim da parceria foi um péssimo negócio para as duas: a artista perdeu uma gestora competente; e a ex-empresária, um grande talento. Guardadas as devidas proporções, as trajetórias de ambas remetem às de Elvis Presley e do seu polêmico empresário Tom Parker, e às de Michael Jackson e Joe Jackson, pai e seu ex-manager. A comparação não é descabida, visto que Xuxa, embora não seja uma estrela global, é uma artista de proeminência regional. Uma celebridade de primeira grandeza não apenas no Brasil, mas em outros países da América Latina. Um nome que dispensa apresentações. É referência de carisma, beleza e, como já disse, de talento. 

O reencontro entre Xuxa Meneghel e Marlene Mattos  

Falando em talento, cabe a seguinte reflexão: ele é suficiente? Não! Analisando as carreiras de alguns artistas, noto pessoas incrivelmente talentosas, mas que, por vezes, não sabem gerenciar a própria aptidão. Profissionais que não têm um planejamento estratégico, e que, em alguns casos, colocam-se (de forma involuntária, vale salientar) como reféns das circunstâncias: seja do mercado, da emissora, do diretor, e por aí vai. Gente que acredita em “sorte”, e que não se posiciona, antes de tudo, como protagonista da própria vida, quiçá da carreira.  

As capacidades de se reinventar ao longo do tempo, de usar a própria imagem em benefício de si, de não permitir ser “tragado” pela indústria do entretenimento, penso, são os fundamentos. Nem sempre o artista mais talentoso é aquele que conquista as mentes e os corações das pessoas. Em contrapartida, os mais estratégicos, os que transformam-se em marcas valiosas, quase sempre obtêm mais êxito. Eis algumas razões pelas quais ter uma boa gestão pode ser decisivo.  

Por outro lado, não é dado ao empresário, por mais competente que seja, o direito de fazer o que bem entender. É preciso que haja um limite claro na relação profissional entre ele e o seu cliente. Fronteira essa estabelecida no acordo entre as partes. “O mais louco disso tudo é a Marlene dizer que faria tudo de novo. Acho que existe um limite entre esse rigor que ela impôs e o entendimento do que é o livre arbítrio de alguém”, avaliou a colunista Cristina Padiglione, em análise recente que fez no programa Splash Show. Este é o ponto.

O reencontro entre Xuxa e Marlene Mattos vai ser mostrado em um episódio inteiro da série documental que estreia nesta quinta-feira (13) no Globoplay. Segundo informações divulgadas pelo jornal O Globo, vai ao ar no último capítulo da obra de Pedro Bial. Acredito que é importante assistir a produção inteira para fazer uma análise mais criteriosa. Porém, todos nós conhecemos a história: a Xuxa e a Marlene formaram uma dupla imbatível. Foi um espetáculo vê-las em ação: uma no palco, brilhando sob os holofotes, com a outra nos bastidores, comandando o show.

Duas estrelas. Não importa que a vida, no futuro, viesse a conduzi-las por universos paralelos. O que vale é que, no tempo e no espaço, elas um dia estiveram unidas, nos fazendo sonhar acordados, todas as manhãs, com a chegada encantadora de uma nave muito especial. 


* Higor Gonçalves é especialista em gestão estratégica de imagem.
Instagram: @Higofgoncalves

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