Governo precisa rever o veto da publicidade infantil
Coluna Especial assinada por James Ackel, jornalista, diretor e produtor de teatro e televisão
Publicado em 05/03/2023 às 11:25
Criança que quer trabalhar deveria ter direito ao trabalho. Eu fui contratado aos 6 anos de idade para ser apresentador da Sessão Zás Trás na TV Paulista, em 1959. A TV Paulista depois se transformou na TV Globo.
Meu contrato foi assinado pelo meu pai porque eu era menor de idade. E para eu ser o mais jovem apresentador do mundo, eu participei de um concurso entre 200 crianças. Não foi fácil. Mas foi por mérito.
Quem patrocinava o programa era a fábrica de Biscoitos São Luiz. A publicidade era feita para que a criança se interessasse pelo biscoito. E a agência de publicidade criou uma musiquinha que era conhecida como jingle: "É hora do lanche, que hora tão feliz. Queremos Biscoito São Luiz".
Um único patrocinador pagava todas as contas, dava emprego para muita gente. Além do apresentador, o produtor e o diretor do programa, Délio Santos, os dois câmeras do estúdio, o iluminador, o ajudante de estúdio, o diretor de TV, o sonoplasta e o iluminador, além dos publicitários da agência de propaganda e os músicos que criaram a música. Tudo pago por um único anunciante que tentava vender um produto para as crianças.
No ano seguinte, 1960, eu fui contratado pela TV Record para ser ator do seriado A Turma dos Sete. Como eu tinha um público e audiência na TV Paulista no mesmo horário das 19h, o anunciante Alpargatas, através da agência de propaganda JW Thompson, acreditou que eu agregaria audiência ao seriado. E por quatro anos fomos líderes de Ibope em São Paulo e Rio de Janeiro, tudo pago pela Alpargatas, que queria vender tênis para as crianças.
Neste seriado, o anunciante pagava o salário muito bom para os jovens atores, para os atores adultos, o produtor e diretor Armando Rosas, o diretor de TV, Waldomiro Barone, o diretor de estúdio e todos os técnicos. Inúmeras famílias viviam ou tinham ajuda financeira proveniente destes salários de um programa infantil.
Por que eu estou escrevendo tudo isso?
Porque hoje no nosso país não se pode mais fazer programa infantil em TV aberta porque não se pode anunciar tendo o objetivo de mostrar um produto ao público infantil.
Isso de proibir publicidade infantil foi inventado infelizmente pelo Ministério da Justiça. Uma das alegações absurdas está em não melindrar as crianças que não podem ter determinados produtos.
Ora, além de absurdo, isso mostra que estamos criando futuros homens frágeis e com problemas psicológicos. É a mesma coisa que proibir um banco de anunciar na TV porque os pobres vão se sentir humilhados pela força financeira de um banco ou proibir uma fábrica de automóveis de anunciar porque tem gente que vai se sentir rebaixada por não poder comprar um carro.
Isso faz exatamente o contrário do que deveria. Os pais e as filhos deveriam entender cada um seu patamar social, pois não existe no mundo uma sociedade que seja igualitária, a não ser na miséria.
Estão impedindo as crianças de ver na TV aberta o mercado de consumo mas estas mesmas crianças têm acesso todos os dias ao Instagram, onde encontram os mais variados tipos de ostentação muitas vezes falsas de uma vida milionária e tão feliz.
Não estão permitindo que as crianças entendam que precisam crescer e trabalhar para conquistar as coisas que querem comprar, desde um chocolate até um tênis caríssimo. Estão criando crianças sem garra, sem fibra de viver e conquistar suas coisas.
É proibido que uma criança tenha a oportunidade de ver os anúncios de produtos infantis na TV, mas não é proibido que uma criança faça papel de leva e traz para um traficante ou assalte outra criança.
James Ackel é jornalista, diretor e produtor de teatro e televisão. Dirigiu e produziu o Especial Hebe, na Band, em dezembro de 2020.