Novela será novela sempre, com mocinhas, triângulos amorosos e vilões
Coluna Especial assinada pelo escritor e roteirista Silvio Cerceau
Publicado em 22/02/2023 às 09:30,
atualizado em 22/02/2023 às 16:15
Há 72 anos, surgiu a telenovela, o Brasil foi o precursor desse gênero que foi inspirado em uma rádio novela e foi seguido por vários países até hoje. A primeira telenovela produzida foi Sua Vida me Pertence (1951), escrita por Walter Fórster (1917-1996), desde então o gênero foi conquistando o público e se tornou o principal produto da TV. Até meados dos anos 2000 a novela reinou, chegando a altos índices de audiência, histórias que pararam o país. Roque Santeiro de Dias Gomes (1985), alcançou 100% de audiência. Em Vale Tudo (1988) de Gilberto Braga (1945-2021), “Quem matou Odete Roitman?’, virou chamada no Jornal Nacional, antecedente ao último capítulo.
Nos dias atuais, na era da TV paga, dos streamings e da internet, existe uma tentativa e uma vontade de inovar o gênero, dinamizar como as séries americanas, algo que jamais irá dar certo, algo impossível, afinal há muito de uma novela na série, mas não há quase nada de uma série numa novela.
Novela é melodrama, é folhetim, com o arco dramático de cada personagem criado de forma mais profunda e arrastada, com começo, meio e fim bem determinados.
Nos últimos anos foram várias tentativas de mudar o estilo das novelas, tanto na dinâmica dos diálogos quanto no tipo de lente de filmagem, tudo na intenção de dar um ar de série no produto, porém foi em vão, na novela A Regra do Jogo (2015 -2016) de João Emmanuel Carneiro, houve a maior ousadia, tentar aproximar uma novela de uma série, até os capítulos receberam títulos, a trama também foi mais dinâmica com muita ação, crime e reviravoltas, algo que não deu certo e audiência não vingou, a novela ficou densa, causando tensão a quem assistia, tipo quando se assiste um filme estilo thriller.
Glamour nas novelas está sendo deixado de lado
Depois disso, mesmo em novelas de consagrados autores como Gilberto Braga (1945-2021) e Manoel Carlos houve tentativas da direção de pincelar ingredientes de série nas tramas e também não deu certo. Nos remakes do horário das 23, digo, O Astro (2011), Gabriela (2012), Saramandaia (2013) e o Rebu (2014), também não houve sucesso na tentativa de aproximar o gênero de série.
Novela será novela sempre, com mocinhas, triângulos amorosos, os grandes vilões, o glamour que está sendo esquecido, a fantasia das histórias de amor que sempre dão certo e tem um final feliz. O sonho de ter aquela casa de novela com tudo no lugar, como bem fazia Manoel Carlos, novela é ficção e não tem obrigação de nos remeter a realidade que nos assola diariamente, nas décadas passadas se sentava diante da TV para assistir uma novela quem queria sonhar.
Silvio Cerceau
Era essa vontade de sonhar que viciava, que fazia as pessoas marcarem os compromissos somente após o término do capítulo.
Em outubro de 2022, foi produzida Todas as Flores, de João Emanoel Carneiro, novela exclusiva para o streaming. Embora exibida na plataforma, a trama seguiu a rigor a receita de um bom folhetim. Todas as Flores é uma das melhores novelas dos últimos anos. Então não adianta mudar a receita ou até trocar o título para "Super Série" ou "Telessérie", novela não é e jamais será como série. Novela pode ter cenas e capítulos mais curtos como algumas novelas mexicanas que se tornaram grandes sucessos, tudo isso sem perder alma do gênero que é o melodrama. O folhetim.
Enfim, novela é novela e pronto.
Silvio Cerceau é escritor, roteirista e tem 13 livros publicados.