Publicado em 13/02/2023 às 09:23:05,
atualizado em 13/02/2023 às 10:24:15
“A maneira de dar início a algo é parar de falar e começar a fazer”. A frase, uma das mais famosas de Walt Disney, certamente se aplica à realidade atual do conglomerado de mídia que leva o seu nome, a Walt Disney Company. Depois de passar por um 2022 tenebroso, o grupo agora tem um “novo” CEO e, na última semana, anunciou uma grande reestruturação, incluindo cortes e demissões.
É por isso que pipocou na imprensa notícias sobre a Disney vender a ESPN, além de anúncios sobre continuações de filmes como Toy Story e Frozen. Sob a nova liderança de Bob Iger, o grupo fundado por Walt parou de falar e começou a agir. Isso no ano que comemora o seu centenário, a ser completado em 16 de outubro.
Em meio a tantas especulações, polêmicas e novidades, fica difícil entender o que acontece por trás dessa cortina de fumaça. Por isso, esta edição especial da coluna Mídia, Mercado e Etc. explica, em linhas gerais, o que está ocorrendo - incluindo algumas possibilidades do que poderá vir a seguir.
Robert Iger, um dos mais celebrados CEOs da história da Disney, deixou o cargo em 25 de fevereiro de 2020 - após adiar a aposentadoria diversas vezes. Bob, como é mais conhecido, havia assumido o posto em 2005, liderando uma fase na qual o grupo comprou empresas como Marvel, Pixar, 20th Century Fox e Lucasfilm. Ao mesmo tempo, o estúdio se tornou uma fábrica ainda maior de grandes sucessos do cinema.
Foi a gestão Iger que fez grandes acordos de distribuição e produção com a Netflix. Isso para, depois, acabar com a parceria e focar tudo em sua própria plataforma de streaming, o Disney+.
Em seu lugar veio outro Robert, o Chapek. Advindo da área de parques da Disney, o segundo Bob vestiu sapatos nada confortáveis na nova função. Além da pressão do sucesso do antecessor, o novo CEO teve que navegar nas águas turbulentas da covid-19, que fechou parques e cinemas - duas importantes fontes de receita do grupo.
O streaming seguiu firme e forte nessa primeira fase da pandemia, com os olhos de Wall Street brilhando e a Disney superando em números totais os assinantes da Netflix (com uma matemática que a favorece, contando mais de uma vez o mesmo usuário).
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Mas veio a ressaca. A Netflix teve os primeiros números negativos em dez anos no começo de 2022. De uma hora para a outra, os investidores passaram a olhar para novas métricas no streaming - como os prejuízos que esses serviços tinham para ganhar tantos assinantes. O golpe foi extremamente duro na Disney, que, apesar de estar presente em diversas áreas de negócio, ganha menos por usuário que seus concorrentes no vídeo sob demanda - muito por causa da forte presença no mercado indiano, onde cobra-se muito pouco.
Enquanto isso, Bob Iger - com perdão da metáfora - olhava para o seu antigo posto como aquele ex que nunca superou o fim do relacionamento. Notoriamente faminto por poder e pela atenção de ser CEO do maior e mais famoso grupo de mídia do mundo, ele se manteve ativo na imprensa - deixando aqui e ali cutucadas para o seu sucessor.
Chapek também não se ajudou. A Disney aumentou os preços nos parques e começou a cobrar por coisas que antes não tinham custo - despertando a ira dos fãs contra o novo CEO, mesmo que ele não fosse mais diretamente responsável por isso. "O outro Bob” também imprimiu uma reestruturação na companhia, mudando parte das decisões de Iger, e demitiu executivos que poderiam tirar dele o posto de chefão.
Para piorar, Bob Chapek fez escolhas erradas durante a crise da lei que ficou conhecida como “Não Diga Gay”, na Flórida - que, entre outras coisas, dá direito aos pais de processarem as escolas dos filhos por abordarem temas LGBTQIA+ em sala de aula, criando uma insegurança jurídica e, na prática, impedindo que o assunto sexualidade seja abordado no ensino.
A Disney, com seus parques na Flórida, é um dos maiores contribuintes do estado, além de girar muito dinheiro na economia local. Ao mesmo tempo, goza de incentivos fiscais e liberdades importantes. Por isso, inicialmente, a empresa resolveu não se meter no assunto, diferentemente do que teria feito sob a gestão Iger.
Não demorou para a comunidade LGBTQIA+, incluindo muitos funcionários da empresa, pressionar a Disney para tomar alguma atitude. Foi quando Bob Chapek agiu de forma atabalhoada, e, como se diz aqui, a “emenda foi pior que o soneto”. Os conservadores passaram a atacar o grupo do Mickey, ainda mais com um governador em busca de uma plataforma nacional que pudesse colocá-lo na presidência do país.
Não acabou. A gestão Chapek tomou decisões controversas entre os criativos. Filmes da Pixar originalmente pensados para os cinemas foram lançados direto no Disney+. O mesmo aconteceu com Viúva Negra, deixando a estrela e produtora Scarlett Johansson irritada por ter seus ganhos diminuídos - ela tinha direito a parte da bilheteria na tela grande. Em vez de Chapek sentar, conversar e, principalmente, pagar, o então CEO dobrou a aposta e o caso escalou de forma pública antes de haver uma solução amigável.
Como qualquer companhia de capital aberto, The Walt Disney Company divulgou os resultados financeiros do terceiro trimestre de 2022 em novembro passado - e, em seguida, realizou uma videoconferência com investidores para explicar esses números. Apesar dos dados serem nada bons, Chapek aparecia no vídeo sorrindo, descolado da realidade, e se dizia confiante na meta de fazer o Disney+ lucrativo em 2024.
Tudo isso levou as ações na bolsa e o preço de mercado da Disney ao fundo do poço. Foi a gota d’água.
Dias depois, em pleno domingo, o conselho da empresa demitiu sumariamente Bob Chapek. Em seu lugar, contratou novamente Bob Iger como o velho-novo CEO. Junto veio uma listinha de tarefas: arrumar a casa e preparar um sucessor, já que o novo mandato do executivo deverá ser de apenas dois anos.
No final das contas, sabemos quem riu por último.
Companhias de capital aberto em crise costumam atrair a atenção de um tipo bem específico: o investidor ativista. São pessoas muito ricas que compram, na baixa, um número de ações que não dê a elas o controle da empresa, mas que sejam o suficiente para iniciar uma batalha pública pelos rumos do negócio.
Foi o que fez Nelson Petz. Por meio da Trian Fund Management, o bilionário comprou muitos papéis da Disney e começou a advogar publicamente por mudanças na gestão - incluindo corte de custos, demissões e a venda da ESPN, que é parte do grupo.
Petz fez da vida de Chapek um inferno, não apoiou o retorno de Iger e passou a exigir um lugar no conselho da companhia. O que se diz, tanto em Hollywood quanto em Wall Street, é que o octogenário investidor possui um apoiador em sua causa: Isaac Perlmutter.
Ike, como é conhecido, é o empresário que nos anos 1990 ajudou a salvar a Marvel Entertainment da falência e era o CEO do grupo quando o seu braço cinematográfico, a Marvel Studios, começou a grande trajetória de sucesso.
Ao vender a Casa das Ideias para a Disney em 2009, Perlmutter continuou no controle da divisão - porém, viu com o tempo o seu poder diminuir, principalmente após atritos com o presidente da Marvel Studios, Kevin Feige.
Amigo de Petz, Ike teria muitos interesses na campanha pelo controle dos rumos da Disney.
Agora em fevereiro, após os anúncios mais recentes do grupo (dos quais esta coluna comenta mais a seguir), o investidor avisou que encerrava a briga contra a gestão de Bob Iger, alegando ter vencido. Mas garantiu que “ficará de olho”.
Na última semana, Bob Iger liderou pela primeira vez a divulgação dos resultados trimestrais da Disney após o seu retorno ao grupo. Dessa forma, ele pode finalmente apresentar a visão dele para essa nova fase.
O novo CEO anunciou uma reestruturação. Além de planejar o corte de 7 mil empregos em todo o mundo (o equivalente a 3% da força de trabalho), as ações praticamente desfizeram as decisões de Chapek tomadas em 2020.
A partir de agora, The Walt Disney Company se divide em três grandes blocos. Um inclui os negócios de TV e cinema, além do Disney+; o outro tem a ESPN e o streaming ESPN+, esse último existindo apenas nos EUA; e o terceiro engloba os parques, hotéis e produtos de consumo.
“Nossa nova estrutura visa devolver maior autoridade aos nossos líderes criativos e torná-los responsáveis pelo desempenho financeiro de seu conteúdo”, disse Iger ao anunciar as mudanças. Wall Street gostou do que ouviu.
As modificações, na visão de muitos, também facilitariam a venda da ESPN. Iger negou, afirmando que a divisão de esportes é um “diferencial” e que “continua criando valor real para nós”.
A questão é que os direitos esportivos não são baratos. O atual contrato com a NFL, que vai até 2033 e também engloba exibições na TV aberta ABC, custa US$ 2,7 bilhões por ano. Para você ter uma ideia do que isso representa, o valor é quase a metade do que o grupo anunciou que cortará em investimentos: US$ 5,5 bilhões. Isso só com uma liga esportiva, e que tem transmissões divididas com outros canais de outras empresas de mídia, e sem contar os custos de transmissão desse mesmo campeonato.
Ao mesmo tempo, estamos vivendo em um momento complicado, em que a recessão se aproxima dos Estados Unidos, o mercado mais importante para a ESPN. Isso - junto com uma mudança de pêndulo no mercado publicitário, que está olhando com mais atenção para iniciativas como o TikTok - faz o dinheiro dos anúncios minguar.
Há, ainda por cima, a crise no mercado de TV assinatura. Cada vez mais as pessoas estão cancelando os seus pacotes caríssimos, ferindo uma das fontes de renda da ESPN - que fica com uma boa fatia do boleto dos assinantes, eles assistindo aos canais esportivos ou não.
Vender a ESPN fecharia essa torneira dos grandes custos e livraria a Disney do abacaxi, correto? O problema é quem poderia desembolsar um montante tão grande por uma marca valiosa e que traz, junto, enormes custos? Não há tantos possíveis interessados assim que teriam esse caixa.
Uma outra saída é criar uma companhia separada, ainda com os investidores da Disney tendo a maioria das ações - quem sabe até fazendo uma fusão com outro grupo de mídia, ou levando junto assets como o canal aberto ABC. É, de certa forma, o que a AT&T fez com a WarnerMedia, que se fundiu com a Discovery para formar a Warner Bros. Discovery.
Por outro lado, a ESPN pode ser vista como um trunfo nas mãos da Disney. Em um ambiente extremamente competitivo no streaming, transmissões esportivas estão sendo vistas como uma forma de atrair novos assinantes e de manter os atuais. Fora que, na América Latina, os esportes são um pilar importante do Star+, outra plataforma do grupo. Nos EUA. o ESPN+ pode ser assinado sozinho ou em pacote com Disney+ e Hulu, que são atrativos.
Talvez o problema da ESPN não seja o que ela faz, mas como faz - sendo necessário repensar como esse produto se integra ao resto do ecossistema do conglomerado.
Outra indefinição é o Hulu. Criado lá atrás como uma joint-venture dos estúdios tradicionais para oferecerem o seu conteúdo na internet, o Hulu se tornou uma plataforma de streaming extremamente bem-sucedida, ainda que exista só nos EUA. Hoje, a Disney tem 67% e o total controle da empresa, enquanto a NBCUniversal tem os outros 33% em uma participação “silenciosa”.
O Hulu tem quase 50 milhões de assinantes e a Disney toca o negócio como o seu serviço orientado ao público adulto, com títulos que são sucesso de crítica. É possível assiná-lo em plano com publicidade, em um mais caro sem anúncios ou ainda junto com “canais ao vivo”, substituindo a TV paga. Há ainda os mencionados pacotes com ESPN e Disney+, com descontos.
No entanto, em 2024, a Disney precisa comprar da NBCUniversal (que é parte de da Comcast) o restante do Hulu. Ou o conglomerado pode desistir antes, vendendo a sua fatia do streaming para algum interessado. Trata-se de um investimento caro, que precisa ser definido logo ali, virando a esquina.
Curiosamente, Iger evitou o assunto durante a última divulgação de resultados. Porém, ele tocou no tema em entrevista realizada pouco depois, ao canal CNBC (que, não por coincidência, pertence à NBCUniversal).
“Todas as opções estão na mesa, então não vou especular se somos compradores ou vendedores [do Hulu]. Mas, obviamente, estou preocupado com o entretenimento geral sem diferenciais, particularmente no cenário competitivo em que estamos operando, e vamos analisá-lo de maneira muito objetiva e expansiva”. Pressionado pelo apresentador, Iger reafirmou: “Estamos com a mente aberta [para a venda]”.
Para alguns analistas, o comentário do executivo deixaria claro que ele não vê um diferencial no Hulu e, por isso, poderia vendê-lo. Para outros, seria um blefe: o CEO estaria dando um recado para não ter que pagar caro pelos 33% da NBCUniversal.
As duas alternativas deixam questões em aberto. Para quem a Disney venderia o Hulu? Poderia ser para a sócia, mas a NBCUniversal tem os seus próprios problemas - e há rumores de uma possível fusão do grupo com a Warner Bros. Discovery. Por outro lado, caso compre o resto, o que o Mickey faria com o streaming? Um caminho seria uma fusão total dele com o Disney+, criando um concorrente que realmente faça frente à Netflix em termos de uma audiência mais ampla.
Neste jogo de xadrez, cada movimento é importantíssimo e pode determinar quem dará o “xeque mate” no final da partida.
Por último, mas não menos importante, The Walt Disney Company também informou uma diminuição de assinantes em suas plataformas de streaming - a primeira vez que isso ocorre na (curta) história da empresa nesse formato de distribuição. No geral, perderam 2,4 milhões de membros.
Boa parte disso veio da Índia, onde a empresa cobra muito pouco nas assinaturas. Isso porque o Disney+ Hotstar, nome que o streaming adota por lá, abriu mão dos direitos de transmissão do campeonato indiano de críquete, uma mania nacional. Um “sangramento” que deve continuar no futuro próximo.
Porém, a Disney conquistou (ainda que bem menos) assinantes no Disney+ e no Hulu nos EUA, o que compensou essas perdas em termos financeiros. Houve também um aumento nos preços naquele país, junto com o lançamento de uma nova faixa de assinatura, com anúncios.
A expectativa para o futuro próximo não é das melhores. Os cortes nos investimentos em conteúdo podem significar menos séries de Marvel e Star Wars sendo lançadas anualmente na plataforma - o que certamente pode ser bom para evitar uma fadiga ainda maior dessas propriedades intelectuais, mas diminui a atratividade do Disney+.
É um momento complicado, podemos dizer assim, mas Bob Iger sabe como ninguém criar notícias na mídia para tirar o foco do fato ruim e trazer boas expectativas para o futuro. Além da reestruturação, a Disney anunciou que fará novos filmes de Toy Story, Frozen e Zootopia, todos grandes sucessos do cinema.
Tem mais: se antes a empresa queria ter exclusividade em seus filmes e séries, que poderiam ser encontrados em apenas suas próprias plataformas, agora abriu a porta para licenciá-los para outros streamings, de acordo com um recente reportagem da Bloomberg.
Não que Avatar: O Caminho da Água vá direto do cinema para a Netflix, mas é possível que produções mais antigas - como, por exemplo, o primeiro Avatar - sejam revendidas para a própria Netflix, por um período de tempo. Dessa forma, a Disney ganha algum dinheiro com títulos que estão juntando pó em seu catálogo.
A Warner Bros. Discovery, que chegou a adotar a estratégia de “tudo que é nosso ficará apenas na HBO Max”, já mudou de ideia e voltou o modelo anterior, vendendo conteúdo para o Prime Video, da Amazon.
A questão é que isso diminuiria um pouco o valor intrínseco do Disney+. Soma-se isso aos investimentos menores e à possível venda de ESPN e Hulu, já comentados, e temos um cenário no qual os negócios do grupo no streaming podem ser até financeiramente mais saudáveis, mas serão certamente mais fracos.
Ou, quem sabe, Bob Iger pode aumentar os riscos e, com os cortes, preparar o terreno para investir pesado nas transmissões esportivas e na consolidação de todos os seus streamings sob um único projeto. Quase como um “all-in”, colocando todas as fichas na mesa.
“É divertido fazer o impossível", disse Walt Disney em uma outra famosa citação. Só acho que ele não se referia a jogar xadrez e poker ao mesmo tempo, no mesmo tabuleiro.
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