O que está acontecendo com João Emanuel Carneiro?
Autor não repete em obras recentes o brilho de obras como Da Cor do Pecado e Avenida Brasil
Publicado em 06/10/2018 às 20:00
João Emanuel Carneiro é considerado um dos mais inventivos autores da nova geração. Após passagens pelo cinema (incluindo o renomado "Central do Brasil") e sua estreia na Globo como colaborador, ganhou a chance de fazer sua primeira novela: a inesquecível "Da Cor do Pecado". E não parou mais, chegando ao horário das 21h com "A Favorita" (2008) e vivendo sua apoteose com "Avenida Brasil" (2012). No entanto, nos últimos tempos, o autor parece não repetir a mesma ousadia de suas obras de maior sucesso.
Marcadas por trajetórias problemáticas, "A Regra do Jogo" (2015-16) e "Segundo Sol" (2018), também das nove, sinalizam uma evidente dificuldade do autor em reencontrar o caminho do sucesso. Enredos confusos, personagens pouco ou nada carismáticos, tramas sem brilho, fatores externos (no caso de “Regra”) são alguns elementos que têm contribuído para esta fase pouco inspirada do roteirista.
Em “A Regra”, JEC propôs a história de Romero (Alexandre Nero), um bandido membro de uma misteriosa facção, que se encanta com a ideia de ser um homem honesto e, para isto, usa a mocinha Toia (Vanessa Giácomo) com este intuito, enquanto se envolve com a trambiqueira Atena (Giovanna Antonelli). A história parecia chamar atenção pela ousadia, mas sofreu com o confuso desenvolvimento, deixando inúmeras pontas soltas na trama, com o excesso de espaço dedicado aos fraquíssimos núcleos paralelos e com o sucesso estrondoso da concorrente bíblica “Os Dez Mandamentos”, na época em sua fase decisiva. Apenas após o fim da novela de Vivian de Oliveira, a sinopse de JEC conseguiu decolar.
Fica a impressão de que, em alguns momentos, JEC parece repetir abordagens malfeitas de O Outro Lado do Paraíso, sua antecessora, escrita por Walcyr Carrasco e de enredo tão duvidoso quanto esta
Thallys Bruno
Aparentemente mais “escaldado”, JEC voltou à cena este ano com “Segundo Sol”, atual novela das nove, desta vez apostando em elementos mais tradicionais. Inicialmente fundamentada na história de Beto Falcão (Emílio Dantas), um cantor de axé dado como morto, a trama se revelou na verdade um drama familiar sobre Luzia (Giovanna Antonelli), a humilde marisqueira por quem o cantor se apaixona e que está em busca de seus filhos. O enredo parecia promissor, mas não demorou a se perder. E, ao contrário de “Regra”, piora a cada capítulo.
A começar pela escolha dos protagonistas. A história de Beto e Luzia foi desenvolvida de uma forma muito rápida e logo os dois se mostraram facilmente manipuláveis nas mãos de vilões como Karola (Deborah Secco), Remy (Vladimir Brichta) e Laureta (Adriana Esteves). As situações não conseguem se sustentar por muito tempo e o cantor inclusive se revelou um papel sem profundidade nenhuma, uma vez que depois que revelou a verdade seu enredo próprio logo se acabou, bem como a passividade da mocinha, que não consegue enfrentar as vilãs à altura em nenhum momento.
atualmente, JEC não vive um momento inspirado – muito pelo contrário. "Segundo Sol", por tudo que apresenta, tira de “A Regra do Jogo” o título de pior novela de sua carreira.
Thallys Bruno
As tramas paralelas, inicialmente mais promissoras que a central – invertendo uma lógica comum à carreira do autor – também não demoraram a se perder. É o caso de Rosa (Letícia Colin), prostituta agenciada por Laureta que se envolve com dois dos filhos de Luzia, o rebelde Ícaro (Chay Suede) e o mimado Valentim (Danilo Mesquita). A ambígua personagem, que vinha chamando mais atenção que a protagonista, viu sua complexidade se perder e, com isto, sua popularidade. Outros temas, como a homossexualidade, mostrada por Maura (Nanda Costa) e Selma (Carol Fazu); e o núcleo de Severo (Odilon Wagner) também foram prejudicados pela má condução do autor.
Fica a impressão de que, em alguns momentos, JEC parece repetir abordagens malfeitas de "O Outro Lado do Paraíso", sua antecessora, escrita por Walcyr Carrasco e de enredo tão duvidoso quanto esta, apesar de sua generosa audiência (a melhor desde Avenida). E, como se não bastasse isso, ainda pesa contra Segundo Sol a polêmica inicial da escalação de poucos atores negros para uma novela ambientada na Bahia, conhecida por sua vasta comunidade negra. Para piorar, mais recentemente, uma situação recebeu críticas do público: a vilã Rochelle (Giovanna Lancellotti), durante uma briga, fingiu ter sido agredida por Roberval (Fabrício Boliveira), situação que revoltou o público em tempos de intenso combate à violência contra a mulher – que, inclusive, é o principal mote da ótima série Assédio, que estreou recentemente no serviço on demand Globoplay.
Diante deste quadro nada favorável, é preciso perguntar: o que está acontecendo com João Emanuel Carneiro? Porque um dos autores-símbolo da renovação de roteiristas da teledramaturgia vive esta má fase criativa? Em "A Regra do Jogo", embora não justificasse totalmente, o sucesso da Record tinha lá sua contribuição para o fracasso inicial daquele enredo. Aqui isso não ocorre. Tudo que vem sendo mostrado é responsabilidade exclusiva do produto em si.
Estaria JEC preocupado com o risco de ousar demais e novamente ser incompreendido? Deve-se também levar em conta que, assim como a atual, a antecessora de Walcyr também usou e abusou das soluções fáceis e rasteiras em nome do ibope, abrindo um perigoso precedente para nivelar o horário das 9 por baixo – a ponto de indefinir a situação de “Troia”, projeto de Manuela Dias que foi adiado por ser considerado muito culto, conforme noticiado pelo Sandro Nascimento aqui no NaTelinha. Ainda assim, é difícil compreender como um autor conhecido pela inventividade, ousadia e renovação estaria sabotando sua própria obra.
João Emanuel Carneiro tem obras respeitadas e de sucesso no currículo, como as já citadas "Da Cor do Pecado", "A Favorita", "Avenida Brasil" e também a elogiada série "A Cura", de autoria dividida com Marcos Bernstein (responsável pela delicada Orgulho e Paixão, que se encerrou há duas semanas às 18h). No entanto, atualmente, JEC não vive um momento inspirado – muito pelo contrário. "Segundo Sol", por tudo que apresenta, tira de “A Regra do Jogo” o título de pior novela de sua carreira. E isso se reflete em sua audiência: média de 33 pontos, satisfatória para o horário, mas com 5 pontos a menos que “Outro Lado”. JEC precisa rever seu modo de desenvolver uma novela e saber trabalhar diferentes possibilidades. Uma novela às 23h, por exemplo, seria bem-vinda para ele. Até lá, enquanto esta oportunidade não chega, Segundo Sol segue cansativa e desinteressante, em uma reta final enfadonha.