Adolescência: precisamos falar de abandono emocional
Série coloca em xeque o diálogo entre pais e filhos

Publicado em 07/04/2025 às 09:30,
atualizado em 07/04/2025 às 10:42
Produzida pela Netflix, o fenômeno Adolescência conta a história de um garoto de apenas 13 anos acusado de matar à facadas uma colega da escola. Lançada há quase um mês, a minissérie alcançou o Top 10 da plataforma rapidamente e se mantém em primeiro lugar.
Motivos para a boa repercussão e o interesse do público não faltam. Roteiro sensível, produção impecável, atuações brilhantes... Relações familiares e sociais, aceitação, bullying... Temas mais do que necessários de serem debatidos.
Agora, pensando na trama como um todo, fica difícil identificar de cara o que a produção britânica tem de especial quando comparada a outras que também já abordaram as complexidades dessa fase da vida.
A diferença é que a série trouxe para frente das telas jovens que se escondem atrás delas. Ela ainda toca fundo em um assunto extremamente delicado que é a falta de diálogo entre pais e filhos.
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Quando se é responsável por outra vida é natural querer protegê-la, mas até que ponto essa blindagem funciona? Enquanto a casa é o primeiro lugar onde nossas crianças deveriam se sentir seguras, a escola ocupa a segunda colocação.
Só que o mundo mudou, se modernizou, e Adolescência deixa muito claro que estar fechado entre 4 paredes pode até afastá-lo da violência física, mas não impede ninguém de se deparar com o pior lado da humanidade.
É duro admitir, mas tanto as crianças quanto os adolescentes podem ser cruéis. Bullying não é mi mi mi, machismo é tóxico e o autoritarismo em excesso gera violência gratuita.
Adolescência da Netflix mostra abismo entre a Geração Z das demais
A principal abordagem de Adolescência não é o crime bárbaro, mas o que leva os jovens a cometerem brutalidades quando deveriam estar lendo um livro, assistindo a um filme com um balde de pipoca no colo, jogando bola na rua ou carteado na varanda de casa.
Infelizmente, já faz tempo que crianças e adolescentes se socializam mais com as telas do que com as pessoas. O próprio Jamie Miller (Owen Cooper) da série tem uma família amorosa, mas sem tempo para se comunicar.
O pai trabalha muito para dar conforto à esposa e filhos, a mãe cuida dos afazeres domésticos e a filha mais velha já está com o pé na faculdade. Para o menino o que resta é se trancar no quarto na companhia do computador.
Acusado de matar a adolescente, Jamie tem um perfil acima de qualquer suspeita: bom aluno, inteligente, um pouco tímido ou reservado, do tipo que não representa risco para ele ou ninguém.
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Um dos pontos altos da minissérie, aliás, retrata a morte da menina de forma rasa, passando longe do sensacionalismo com o qual estamos acostumados como, por exemplo, o corpo estirado no chão ou sangue na cena do crime, mas em momento algum é banalizada.
Tanto que em um dos diálogos entre a dupla que investiga o caso, a policial reclama que o protagonismos sempre é do assassino, nunca da vítima, e o agente a rebate dizendo que eles dois estão ali [na escola] pela menina.
Na ocasião, os parceiros vão ao colégio em busca de pistas que os levem até a arma do crime, ainda não encontrada. Depois de um choque de realidade, eles saem de lá com mais um adolescente preso e com a certeza de que o sistema é falho.
Curiosamente, o filho do policial é quem lhe dá as respostas que ele precisava para entender a motivação do crime: Incel - celibato involuntário. Deixando claro a falta de conhecimento de como a Geração Z se comporta.
Nessa hora, a série chama a atenção para a existência de um mundo paralelo onde apenas os jovens têm acesso livre, enquanto os adultos não fazem ideia de sua existência que dirá de como ultrapassar essa porta.
Cria-se, então, um abismo entre pais e filhos, professores e alunos, e isso é assustador, porque nenhum adulto ali sabe o que de fato acontece com aqueles jovens e, mesmo que involuntariamente, não demostram muito interesse em descobrir.
Assim, quando a ficha cai é um pouco tarde, o estrago já foi feito, restando os sentimentos de culpa e de remorso. A busca por respostas pode ser uma incansável tortura, mas está bem ali na sua frente: abandono emocional.
Nada justifica tirar a vida de outra pessoa, mas não dá para fechar os olhos para o ato violento do personagem ter sido resultado de uma série de fatores como baixa autoestima, bullying, grupos radicais que cultuam a masculinidade tóxica nas redes e a negligência dos pais.
Destaque para a última cena da série, quando Eddie (Stephen Graham), pai de Jamie, se cobra por não ter percebido as mudanças no comportamento do filho e cobre um ursinho de pelúcia que está na cama do garoto. É de cortar o coração!
Assista ao trailer da série: