Opinião

A volta por cima de Claudia Souto no horário das sete da Globo

Autora resgata a autenticidade e pluralidade do subúrbio carioca


Claudia Souto no cenário de Volta por Cima
Claudia Souto é a autora de Volta por Cima - Divulgação/TV Globo
Por Taty Bruzzi

Publicado em 27/01/2025 às 05:30,
atualizado em 27/01/2025 às 10:39

Assim que Volta por Cima entrou no ar, eu li uma nota sobre a novela das sete da Globo criticando o excesso de tons vibrantes nas casas dos personagens e pensei: essa pessoa, provavelmente, não conhece muito bem o subúrbio carioca.

Suburbano não é minimalista! Basta dar uma garimpada por bairros como Madureira, Oswaldo Cruz e Marechal Hermes, todos localizados na zona Norte do Rio de Janeiro, para se deparar com uma paleta de cores generosa. Verde, vermelho, azul, amarelo, rosa pink... Tem pra todos os gostos.

A volta por cima de Claudia Souto no horário das sete da Globo

Das pichações nos prédios ao grafite nos muros, a arte nesses lugares se expressa nas cores, na música, na dança e na gastronomia. Do baile charme do viaduto Negrão de Lima às rodinhas de samba espalhadas pelas regiões de Vila Isabel, Tijuca e Lapa.

Por exemplo, a lanchonete da dona Neuza (Valdineia Soriano) lembra muito as barraquinhas da Central do Brasil ou da rodoviária de Campo Grande. Reduto de trabalhadores que vivem no corre do dia a dia e mal têm tempo para fazerem uma refeição decente.

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Seja no café da manhã da estação de trem ou no lanche da tarde, na volta do trabalho, para forrar o estômago vale desde o pão na chapa com pingado até o churrasquinho "de gato".

É no coletivo que surgem histórias inspiradoras

A volta por cima de Claudia Souto no horário das sete da Globo

Claudia Souto já disse que parte da sua inspiração para Volta por Cima vem da sua memória afetiva. Criada na Tijuca, o pai da autora veio do interior enquanto que a sua mãe nasceu em Bangu, zona Oeste da cidade.

Ainda, segundo a novelista, falar sobre o subúrbio é se comunicar com todo o Brasil e ela está certa. Com uma linguagem democrática, plural e adversa, é isso o que tem feito desde a estreia da produção.

Agora, se tratando de uma história que se passa no Rio de Janeiro, muitos devem estar se perguntado: "Ué, mas cadê a praia?". A princesinha do mar até já apareceu no folhetim, mas em cenas esporádicas com Joyce (Drica Moraes) e Osmar (Milhem Cortaz).

Quem conhece a cidade e o subúrbio carioca, aliás, sabe a distância e o trabalho que dá se deslocar de um ponto ao outro. Dependendo do trânsito e das condições climáticas sair da zona Oeste a caminho do Centro pode levar o mesmo tempo ou até mais que daqui para Petrópolis, na região serrana.

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Além do mais, a cidade para ser maravilhosa não se resume ao Leblon. As maravilhas do Rio estão muito além e algumas delas podem ser observadas pelas janelas do coletivo da Viação Formosa. Experimenta ler as mensagens do Profeta Gentileza a caminho do trabalho. Elas podem mudar o seu dia e humor.

O mesmo vale para as companhias diárias dentro do ônibus. Quem viaja na mesma linha todos os dias faz amizades que vão desde o piloto [motorista] ao coleguinha que pega "carona" com você. No coletivo, rola até confraternização de aniversário ou de fim de ano.

No Carnaval, então, os transportes públicos ficam ainda mais coloridos. É o bloco dos super-heróis, das "piranhas", dos bate-bolas... Este último, um dos mais tradicionais do subúrbio carioca.

Representado na trama através do Dragões Suburbanos, confesso que estou ansiosa para ver Jão (Fabricio Boliveira) e seus amigos vestindo o macacão bem rodado e fazendo barulho no chão com as bexigas.

De crime nada perfeito às voltas que a vida dá

A volta por cima de Claudia Souto no horário das sete da Globo

Com três novelas assinadas por Claudia Souto na Globo, a primeira foi Pega-Pega (2017) e a segunda Cara e Coragem (2022), eu sempre achei a autora uma visionária.

Todo escritor contemporâneo se não é deveria ser ousado, característica que sobra nela. Seu primeiro folhetim, que abordava um assalto em um hotel de luxo, me fez lembrar demais O Grande Hotel Budapeste (2014), um dos grandes sucessos do cinema.

Já Cara e Coragem, penso que foi uma novela muito criticada e pouco compreendida pelo público. A trama falava sobre espionagem industrial e outras três atividades pouco abordadas no dia a dia: a profissão de dublê, o parkour e a dança vertical.

A volta por cima de Claudia Souto no horário das sete da Globo

Eu achava uma delícia! E como telespectadora assídua que era, fiquei muito feliz quando foi indicada ao Emmy Internacional de Melhor Novela.

Hoje, com Volta por Cima ainda no ar, penso que se alguém ainda tinha dúvidas do potencial da autora, a trama está aí para rebater qualquer teoria.

Uma novela solar, plural, divertida, rica em termos de cultura popular e que nos faz refletir sobre a complexidade das relações humanas, com seus erros, acertos e aquelas voltas que a vida sempre dá. 

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