Análise

Sem dizer a que veio, "O Sétimo Guardião" é muito barulho por quase nada


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Divulgação/ TV Globo

A estreia de "O Sétimo Guardião" foi precedida por uma série de percalços. A anunciada volta de Aguinaldo Silva ao realismo fantástico enfrentou uma acusação de plágio movida por alunos da Masterclass 3, curso de roteiro promovido pelo veterano. Em virtude das denúncias, foi adiada e chegou a ser substituída por outra sinopse, mas voltou a ser produzida, dando o ar de sua graça em novembro do ano passado. A julgar pelos bastidores, se imaginava que viria um novelão empolgante, repleto de elementos dramatúrgicos recorrentes na obra do autor. Não foi o que aconteceu.

A primeira semana da atual novela das nove parecia empolgar. Envolta em uma aura de mistério, a história dos guardiões da fonte milagrosa de Serro Azul propunha uma fuga da realidade e um convite à fantasia na faixa mais nobre da emissora. Não demorou pra que a impressão inicial caísse por terra. O enredo principal é desinteressante e o conflito amoroso entre Luz (Marina Ruy Barbosa) e Gabriel (Bruno Gagliasso) não convence ninguém – é difícil comprar a ideia de um mocinho abandonar sem mais nem menos a noiva (Laura, vivida por Yanna Lavigne) no altar, de forma semelhante ao pai (Egídio, personagem de Antônio Calloni).

O mistério em torno da chegada do novo guardião que substituirá Egídio também não consegue empolgar. Tem-se a impressão de que o tão propagado realismo fantástico se resume a citações de tramas anteriores de Aguinaldo, especialmente A Indomada – em reprise no canal Viva. A história se arrasta a cada capítulo e não sai do lugar, além de apresentar uma evidente incompatibilidade com a direção de Rogério Gomes, excessivamente pretensiosa e cult.

Os problemas também se estendem ao elenco, que em grande parte se mostra pouco à vontade em seus papeis. O caso mais evidente é o de Lilia Cabral, intérprete da vilã Valentina Marsalla. A atriz chegou a anunciar que, segundo o autor, a personagem seria a maior vilã de sua carreira. No entanto, a megera não passa de uma mulher ressentida que ladra muito e não morde quase nada. Até mesmo a própria intérprete demonstra uma interpretação automática, sem entrega, soando como uma cópia rasteira de Maria Marta, a ambígua ricaça de Império – um dos melhores papeis da atriz.

Outros que também têm seu talento desperdiçado são Tony Ramos – que tem pouco a fazer como o vilão Olavo; os já citados Bruno Gagliasso e Marina Ruy Barbosa – esta última viveu em 2018 uma fase apagada, com personagens antipáticas e que só conseguiram afastar o público; Ana Beatriz Nogueira – cuja personagem, a cafetina Ondina, também aparece bem menos do que deveria; Marcos Caruso (Sóstenes, avô de Luz) e Bruna Linzmeyer – que mais uma vez vive uma personagem intragável, desta vez a ninfeta Lourdes Maria, rival de Luz.

A situação é ainda pior nos núcleos de Afrodite (Carolina Dieckmann)/Nicolau (Marcelo Serrado) e Rita de Cássia (Flávia Alessandra)/Joubert Machado (Milhem Cortaz). Embora tenham propostas de trama diferentes, ambos seguem o modelo de “mulher exuberante e sedutora que vive às voltas com o machismo do marido valentão”. E conseguem desagradar da mesma forma, agravados pelo fraco desempenho de Marcelo Serrado e pela falta de conflitos mais atraentes. Aliás, algumas situações chegam a lembrar entrechos explorados por Walcyr Carrasco na igualmente duvidosa "O Outro Lado do Paraíso" (2017-18).

No entanto, há pontos positivos. Um deles é a boa dobradinha entre Elizabeth Savalla e Vanessa Giácomo, ótimas como a beata vilã Mirtes e a alcóolatra Stella. Os conflitos das personagens sempre rendem grandes cenas para as talentosas intérpretes, mesmo que elas também apareçam menos do que deviam. Por outro lado, Isabela Garcia, intérprete da misteriosa Judith, viu seu papel crescer e é atualmente um dos maiores destaques da confusa trama.

Ainda assim, nem os pontos positivos conseguem atenuar a complicada situação da trama de Aguinaldo, que foi objeto de um tortuoso conflito judicial que quase cancelou de vez sua exibição. Como se sabe, em virtude de denúncias feitas pelos ex-alunos do curso de roteiro promovido pelo veterano, “"O Sétimo Guardião"” trocou de lugar com “Segundo Sol”, de João Emanuel Carneiro, que passou a ser sucessora de “O Outro Lado...”. Nesse meio tempo, Aguinaldo chegou a desenvolver uma outra sinopse, intitulada Enquanto o Lobo Não Vem, mas foi convencido pela direção de dramaturgia da emissora a retomar o projeto de realismo fantástico. O imbróglio foi parcialmente resolvido quando os alunos foram creditados como coautores em uma tela exibida nos créditos da história.

O resultado da apatia do enredo se reflete diretamente na audiência, que marca números em torno dos 27 pontos, rendendo-lhe por enquanto o posto de segunda pior audiência da história do horário nobre, empatada com a também malfadada “A Lei do Amor” (2016-17) e atrás apenas de “Babilônia” (2015). Curiosamente, em Janeiro do ano passado, a história de Walcyr Carrasco, no mesmo horário, enfrentava uma realidade bem diferente, com números próximos dos 40 pontos, ainda que com um enredo de qualidade tão duvidosa quanto o atual.

Ainda há tempo para Aguinaldo virar o jogo. A trama ainda tem mais quatro meses pela frente – em maio, será sucedida por uma nova história de Walcyr, que por enquanto é chamada de Dias Felizes. O autor precisa aproveitar este tempo para dar um novo fôlego para "O Sétimo Guardião". Afinal, até aqui, a trama não tem feito jus ao barulho causado por sua discussão judicial, sendo um clássico exemplo de muito barulho por nada – ou quase nada.

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