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KondZilla revela preconceito antes de sucesso na Netflix: "Éramos os funkeiros”

Produtor agora capacita profissionais vindos da periferia para trabalharem com cinema, TV e streaming


Konrad Dantas, o Kondzilla, posando para foto ao lado de uma câmera
“Pegamos a molecada bombando na internet e botamos em um longa-metragem”, diz Kondzilla - Fotos: Divulgação
Por Renan Martins Frade

Publicado em 08/03/2023 às 04:30,
atualizado em 08/03/2023 às 09:24

Escola de Quebrada. Este é o mais novo filme exclusivo da plataforma de streaming Paramount+, lançado na última semana. No entanto, o título também serve para definir os responsáveis por produzi-lo. Afinal, Konrad Dantas, mais conhecido como KondZilla, pode ser qualificado como um mestre, ou professor, para muita gente que vem da periferia e que trabalha (ou sonha em trabalhar) com o audiovisual.

É que Dantas não está apenas representando (finalmente!) toda uma faixa da sociedade brasileira, mas também está formando uma nova geração de profissionais. Isso, claro, após ele próprio vencer o preconceito do mercado.

Kond, como é chamado pelos mais próximos, cresceu em um conjunto habitacional popular em Guarujá, uma cidade do litoral de São Paulo que é marcada pelas desigualdades sociais. Ele, então, criou o canal no YouTube que leva o seu apelido - o que daria origem a uma produtora de mesmo nome. Com conteúdos da “periferia pela periferia”, embalados ao som do funk, a KondZilla se transformou em um dos maiores canais do mundo na plataforma, com 66,4 milhões de inscritos.

Após produzir muita música, clipes e vídeos curtos, veio o maior salto: criar a série Sintonia, que chegou a figurar no top 10 global da Netflix. De São Paulo para todo o mundo.

“Sofremos bastante preconceito porque éramos os funkeiros que nunca tinham feito ficção. Muitas pessoas, inclusive, se negaram a trabalhar com a gente lá atrás. A gente teve que engolir bastante sapo”, revela Kond em entrevista exclusiva à coluna Mídia, Mercado e Etc. “Graças ao sucesso de Sintonia, muitas portas se abriram.”

Na última semana, a produtora deu mais um passo: lançou o primeiro longa-metragem, o já mencionado Escola de Quebrada. Diferentemente de Sintonia, que aborda temas mais adultos e amplos - incluindo a influência do PCC nas favelas paulistanas -, a nova produção é divertida e colorida. Assumidamente inspirado na série Todo Mundo Odeia o Chris, traz Luan (Mauricio Sasi) e seus amigos navegando pelos grupos, pensamentos e acontecimentos de uma escola pública na Zona Leste de São Paulo.

KondZilla revela preconceito antes de sucesso na Netflix: \"Éramos os funkeiros”

“Eu sempre amei filmes teens, eu sempre amei filmes de escola, e nunca me senti representado dentro de um filme que falasse de escola de quebrada com detalhes”, revela Kaique Alves, criador e co-diretor do longa, ao lado de Thiago Eva.

“Muita coisa desse filme vem do que eu passei dentro da escola”, complementa o cineasta - que também cresceu na ZL de São Paulo. “A gente trabalha todo dia com conteúdos para favela, para juventude, e a gente continua conectado ao que acontece no dia a dia, hoje, dentro das escolas.”

Tudo dentro do longa foi milimetricamente pensado - incluindo figurinos, gírias e o dia a dia dos estudantes, que possuem na escola o seu grande centro de convivência social, para além do estudo. Ao assistir, você vai instantaneamente aprender a importância do “boot” (tênis, quase sempre um Nike Shox) e do “look chave” (visual de quem impõe moral) na quebrada. Ou quais são os grupos que compõem o horizonte da molecada.

“Eu tive uma preocupação muito grande com isso, de trazer a galera que fala gírias, a galera que tá no dia a dia ali, para trazer uma verdade, né?”, explica o diretor. “Uma escola tem diversos perfis. Tem um cara que é o mais malandro, o nerd, tem a menina, tal, e eu quis trazer essa galera.”

Como vemos, se tem algo que marca o trabalho da KondZilla é a autenticidade. Normalmente, produções nesse contexto passam pelo olhar de pessoas que vivem em outras realidades e, quando percebem a periferia, o fazem de forma enviesada.

Uma nova linguagem

Escola de Quebrada é o ápice - no momento - de um projeto muito maior, iniciado lá atrás.

“Há uns três, quatro anos atrás, a gente começou a investir em conteúdos esquete de humor. Era já para capacitar os talentos de periferia. O nosso olhar principal ali era trazer os funkeiros para dentro das telinhas, né?”, conta Konrad Dantas, relembrando o começo da trajetória. “Encontramos alguns talentos, que faziam vídeos pelo celular, e a gente começou a fazer uma produção um pouco mais estruturada de vídeo para internet.”

Nas palavras do produtor, foi feita uma curadoria de olhar para o que era criado de forma artesanal para, em seguida, dar respaldo e plataforma para crescerem.

“Agora, nesse exato momento, que eu me dei conta: caramba, pode crer, mano, a gente pegou uma molecada que estava bombando na internet, com vídeo no Instagram, e colocamos dentro de longa-metragem. Olha a importância dessa curadoria da KondZilla.”

E não se trata apenas de quem está em frente às câmeras, mas a representatividade e a formação de profissionais englobam todos os envolvidos - incluindo a equipe técnica.

“Eu vou fazer uma analogia, para ficar mais claro: é uma linguagem de programação. É um novo idioma. Se você não ensinar as pessoas aprenderem isso, e elas aplicarem no dia a dia, isso vai meio que se perdendo no tempo”, explica Kond. “A gente - como parte da indústria, com uma mão na massa com a produção - já recruta, treina, capacita e trabalha esses profissionais que a gente fica feliz em formar para o mercado.”

KondZilla revela preconceito antes de sucesso na Netflix: \"Éramos os funkeiros”

“Dentro dessa obra, de Escola de Quebrada, temos a oportunidade de reconhecer, acolher e nutrir essa parceria de pessoas que acreditam no nosso trabalho, que gostam da gente, se dão bem com a gente”, compartilha o produtor.

“O Kond me ensinou pessoalmente a editar, a dirigir, e ainda pagou pela minha formação como cineasta, para poder estudar em Hollywood”, revela o diretor Kaique Alves. “A gente está aqui com os nossos próprios recursos, tentando ajudar essa galera. E fica um apelo para todos os canais que puderem ajudar nessa causa, eu acho que vai formar muita gente boa aí.”

KondZilla faz coro ao apelo. Para ele, outras empresas da área precisam dar respaldo à formação de talentos. De acordo com o produtor, os grandes grupos de mídia e plataformas estimulam que esse pessoal faça apenas vídeos curtos - seja para YouTube, TikTok ou Reels do Instagram, deixando de lado os formatos como séries e filmes.

“Tem uma característica diferente de fazer projetos mais longos”, conta. “Não é mole não, nem todo mundo consegue administrar essa ansiedade. É um outro tipo de emoção. Você fazer um projeto grande de três semanas é uma coisa, fazer um projeto grande, de dois anos, três anos, é outra.”

Seja qual for o formato, uma coisa podemos ter certeza: o sucesso de KondZilla mostra que há muito espaço para a periferia nas telas - tanto para se ver quanto para ser vista. Afinal, nessa escola de quebrada do audiovisual, o “prô” já está dando o tom.


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