Publicado em 11/06/2023 às 10:30:00
Em 2008, um grupo de pichadores invadiu a 28ª Bienal de Artes de São Paulo. O alvo das pichações foi o segundo andar da exposição, que não tinha qualquer obra e procurava discutir o “vazio da arte”. Na época, a ação chamou a atenção da imprensa e da sociedade - que, em grande parte, rotulou o ato como vandalismo.
Passados 15 anos, aqueles acontecimentos inspiram o filme Urubus, que acaba de estrear nos cinemas brasileiros. Esta coluna entrevistou os envolvidos na produção – em parte para entender se o pixo, como é chamado pelos seus praticantes, pode ser considerado arte e até transformada em mercadoria comercial.
“O pixo é uma expressão urbana que é anarquia, rabisco, depredação — dependendo do ponto de vista, por exemplo, se for um ponto de vista estético, mas é relativo — e protesto, que está no próprio ato de reivindicar o uso da paisagem no espaço público — que hoje é totalmente regido pelos interesses do poder privado. Então, não é sobre a escrita, mas sobre a atitude”, explica Djan Ivson Silva, mais conhecido como Cripta Djan, um dos responsáveis pela invasão de 2008.
Naquela Bienal, os organizadores pretendiam promover um debate sobre a crise na fundação responsável pela mostra. Para Djan, a discussão era ainda mais profunda. “Era um vazio da falta de representatividade da arte periférica. Para a gente, ocupar o vazio da Bienal, naquele momento, foi muito simbólico dessa reivindicação da arte periférica também estar participando de um espaço de reconhecimento institucional”, explica.
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Dentro da lógica em que vivemos, isso leva a um segundo pensamento: se a pichação deve ter reconhecimento, não poderia então gerar valor financeiro como um produto?
Expressões artísticas como o funk e o grafite já passaram por esse processo. Anitta, por exemplo,levou o estilo musical para o mundo por meio de sua apresentação na final da Champions League, nesse sábado (10).
“Não, não tem como ganhar dinheiro com pixo”, refuta o pichador, artista e ativista - como ele mesmo se descreve. “No único momento em que a gente está de fato pichando, [que] é legítimo, é quando a gente tá fazendo isso de forma transgressiva na rua. Quando estamos fazendo o pixo fora desse contexto vira uma representação. Quando eu estou na galeria ou museu, estou fazendo uma representação da estética, da cultura e da linguagem.”
“A gente pode vir a ter um reconhecimento fora da rua como artista oriundo do pixo e que trabalha com essa linguagem. Porém, não tem como ganhar dinheiro pichando.”
Urubus é livremente baseado nos acontecimentos de 2008. Na história somos guiados pelo olhar de Valéria (Bella Camero), uma estudante de artes que vai até o Centro de São Paulo abordar pichadores para estudar o movimento. Lá ela conhece Trinchas (Gustavo Garcez), e ambos se apaixonam.
A estudante passa então a acompanhar o grupo Urubus e as suas pichações pela cidade, registrando tudo com uma filmadora. É a partir desse olhar que a trama se desenvolve, incluindo a invasão à Bienal, a relação de amizade entre os jovens e também a violência - seja entre grupos rivais ou aquela da polícia.
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A protagonista é livremente inspirada em uma pessoa real: Caroline Pivetta, na época com 23 anos. Ela, que era uma das pichadoras, foi a única presa durante a ação na Bienal, ficando 54 dias na cadeia. No ano seguinte, foi condenada a quatro anos de prisão, em regime semi-aberto, por formação de quadrilha e destruição de bem protegido por lei.
“Eu não conheci a Carol pessoalmente. Sei da história dela e assisti a um filme muito massa sobre ela [chamado Pivetta, lançado em 2021], que um amigo fez”, conta Bella Camero. “Mas houve uma história no roteiro final, que a gente acabou fazendo, em que a Valéria não é uma pichadora. Ela é justamente uma pessoa de fora desse universo. Isso traz um contraponto para quem está assistindo que também não é familiarizado ou está dentro desse contexto.”
“O filme não traz um olhar específico sobre o movimento, glamourizando ou vilanizando a pichação e os pichadores. Apesar de ser ficção, ele mostra o universo da pichação com uma grande carga de verdade e humanidade”, explica o diretor, Claudio Borrelli.
“O papel de Urubus é realmente humanizar os pichadores, porque é uma forma de expressão muito demonizada perante a sociedade”, complementa Cripta Djan, que também assina o roteiro. “O filme vem na intenção de desconstruir muita coisa e mostrar que é apenas um movimento de expressão de uma galera que transita pela cidade fazendo intervenção, usando a arte.
“O próprio filme não tem uma gota de sangue, só tinta.”
Para trazer ainda mais veracidade para o longa-metragem, cerca de 90% das pessoas que vemos em frente às câmeras são os chamados não-atores, pessoas sem uma formação teatral, mas com a experiência de viver a realidade da obra em seu dia a dia.
“Todos os personagens pichadores tinham de ser pichadores de verdade”, explica Borrelli. “O processo de escalação foi muito difícil e tumultuado, porque aconteceu durante a prefeitura do [João] Dória [entre 2017 e 2018], que havia declarado guerra aos pichadores. Todos eles achavam que o casting era um golpe da prefeitura.”
Uma das poucas profissionais de formação na obra é justamente a intérprete de Valéria. “Durante a preparação, eu era a única atriz, indo conhecer esses meninos que iam fazer os personagens pichadores”, revela Bella Camero, que atuou em Malhação: Vidas Brasileiras e em Marighella.
Por fim, Urubus ainda faz um contraponto interessante - misturando música clássica e a pichação em uma mesma cena. “A música erudita é o que o ser humano produz de mais sofisticado e nobre. O pixo é bruto, rude, incômodo. Mas quando os dois se encontram, na mesma cena, há uma harmonia quase divina”, filosofa Borrelli.
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De acordo com o diretor, foram 15 anos entre a ideia do projeto e o lançamento do longa-metragem nos cinemas. Um tempo extremamente longo, reflexo não só das opiniões negativas sobre a pichação, mas principalmente do estado do mercado audiovisual brasileiro.
Urubus chega agora à tela grande pelas mãos da distribuidora O2 Play e com produção executiva de Fernando Meirelles, o nome por trás de Cidade de Deus. “O filme também é um pichador que impôs a sua existência”, reflete Borrelli ao revelar que a produção foi auto-financiada, sem contar com o auxílio das leis de incentivo à cultura.
Seja como for, a realidade mudou um pouco de 2008 para cá, como relata Cripta Djan: “O pixo passou a ser visto e reconhecido dentro do circuito de arte contemporânea brasileira e mundial [...]. Os pichadores ainda estão amadurecendo essa representação, mas já é uma realidade participar de exposições e mostras internacionais de bastante relevância. Ainda tem muito pra ser conquistado, mas já é um passo que foi dado.”
O que não mudou é a relação deles - e, de forma geral, das minorias e das populações da periferia - com o estado. Se não é possível gerar renda a partir da pichação, como os órgãos governamentais poderiam ao menos quebrar o ciclo de violência que persiste?
“Oferecendo mais oportunidade. No sentido de conhecimento artístico, cultural, opções de lazer e cultura. Falta isso nas periferias”, explica Djan. “Às vezes, a pichação é o único atrativo que esse cara tem porque a quebrada que ele mora é super precária, não tem quadra de futebol, não tem biblioteca. Então, muitas vezes o que resta para essa galera é o crime ou o pixo.”
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