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Domingos Montagner se sentia aprisionado como galã e queria diversificar papéis na TV

Em biografia, o escritor Oswaldo Carvalho revela que, novato na televisão aos 49 anos, ator já era disputado por duas produções na Globo


Domingos Montagner como Santo em cena na novela Velho Chico (2016), exibida na Globo
O Santo, protagonista de Velho Chico (2016), foi o último trabalho de Domingos Montagner, que morreu em intervalo das gravações - Foto: Divulgação/Globo
Por Walter Felix

Publicado em 10/06/2022 às 04:00,
atualizado em 10/06/2022 às 08:04

A paixão pelo circo e a ascensão meteórica e improvável na TV são resgatadas no livro Domingos Montagner: O Espetáculo não Para, primeira e recém-lançada biografia do ator que morreu há seis anos, em uma tragédia que comoveu o país. Com apenas cinco anos de carreira em novelas, mas com décadas de experiência no picadeiro, o artista foi alçado ao posto de galã maduro, status que ele questionava, como revela o biógrafo Oswaldo Carvalho.

“O Domingos Montagner (1962-2016) preencheu uma lacuna muito grande. O terror de todo produtor de elenco na Globo é achar esse tipo, que o José Mayer fez por muito tempo. Outros também fazem muito bem, mas são poucos os galãs de meia-idade para cima, com tarimba para pegar um papel de grande destaque”, comenta o escritor, em entrevista exclusiva ao NaTelinha.

Para o jornalista mineiro que vive na França, o passado no circo deu profundidade aos personagens de Domingos na televisão. Em sua estreia em novelas, após ser descoberto por um olheiro, ele fez o cangaceiro Capitão Herculano de Cordel Encantado (2011). Na época, aos 49 anos e com poucas participações na TV, foi disputado internamente na emissora para também integrar o elenco da série Divã (2011), em que fez par romântico com Lilia Cabral.

No ano seguinte, teve o primeiro protagonista na Globo com a minissérie O Brado Retumbante (2012). Depois, vieram papéis de destaque em Salve Jorge (2012) e Joia Rara (2013) e um novo protagonista em Sete Vidas (2015). A palhaçaria era uma vocação, mas as telas também ocupavam um lugar especial na vida do artista. “Ele sempre se interessou pela televisão. Jovem, ele era noveleiro. Também era cinéfilo, sabia tudo de cinema”, revela Oswaldo.

“Acho que o Domingos curtiu muito fazer TV, mas se sentiu aprisionado no papel de galã”, relata o biógrafo. O ator queria diversificar, com papéis cômicos e de vilão, mas não teve tempo. Em 15 de setembro de 2016, morreu afogado em Canindé de São Francisco (SE), em intervalo das gravações de Velho Chico. O episódio tem pouco espaço na biografia, cujo destaque fica por conta da trajetória de vida do biografado. “Uma história riquíssima que, inserida dentro da história do circo no Brasil, é muito importante e faz sentido ser contada.”

Leia a íntegra da entrevista com Oswaldo Carvalho, autor de Domingos Montagner: O Espetáculo não Para

Domingos Montagner se sentia aprisionado como galã e queria diversificar papéis na TV

NT: O Domingos Montagner teve uma trajetória muito incomum na TV. Ele já estreou em novelas com quase 50 anos e foi alçado ao posto de protagonista rapidamente.

Oswaldo Carvalho: Realmente, ele teve uma carreira meteórica na Globo. Desde a primeira novela, Cordel Encantado, todo mundo queria saber quem era o Capitão Herculano. Depois disso, não parou mais. Logo nesse primeiro trabalho, inclusive, ele já era disputado, porque a equipe do seriado Divã, com a Lília Cabral, também queria ele no elenco. No fim, as duas produções “venceram”, e ele participou das duas. Acho curioso que um novato tenha sido disputado por duas produções dentro da Globo. Ele ainda era um ator desconhecido do grande público brasileiro, estava mais ligado ao teatro circense paulista.

NT: Quais fatores permitiram essa ascensão improvável e meteórica?

Oswaldo Carvalho: Foram vários fatores. O primeiro realmente foi o talento do Domingos, talvez o fator principal. Quando foi descoberto, ninguém queria mais abrir mão dele. Ele tinha também uma fotogenia e algo que o Alvarenga [José Alvarenga Jr., diretor], que entrevistei para o livro, falou: a expressividade do rosto. Há também o fato de o Domingos ser um galã maduro. Era um homem bonito, alto, com porte atlético. Era um rosto novo na TV já com uma idade mais avançada. Foi uma novidade que fez bem para a telinha.

O Domingos preencheu uma lacuna muito grande. É o terror de todo produtor de elenco na Globo é achar esse tipo, que o José Mayer fez por muito tempo. Outros também fazem muito bem, mas são poucos os galãs de meia-idade para cima, com tarimba para pegar um papel de grande destaque.

O passado dele no circo também trouxe uma profundidade que ele dava aos personagens. O olho no olho foi uma coisa que todos os atores que contracenaram com ele me contaram. O palhaço também é obrigado a ter um repertório muito grande, tem que saber improvisar. Todas essas décadas no circo trouxeram uma profundidade muito grande aos papéis que ele desenvolveu na Globo.

NT: O Domingos era um artista muito ligado aos palcos e ao picadeiro. Na sua percepção de biógrafo, que lugar a televisão ocupou na vida dele?

Oswaldo Carvalho: Mesmo depois de se tornar um ator tão requisitado pelo cinema e pela televisão, o Domingos deixava muito claro que ele não ia deixar os palcos e o picadeiro. Ele nunca quis abandonar a companhia dele nem o Circo Zanni [fundado em 2004, com colegas]. Só que ele sempre se interessou pela televisão. Jovem, era noveleiro. Também era cinéfilo, sabia tudo de cinema.

A televisão é um métier em que rola estabilidade financeira para os atores. Acho que todo ator pensa um pouco nisso, porque a TV ocupa um espaço muito grande na programação cultural do brasileiro. Então isso sempre esteve no radar dele, mas ele precisou ser descoberto por um olheiro da Globo, porque nunca teve muito tempo para investir nisso.

Depois do sucesso, acho que o Domingos curtiu muito fazer TV, mas se sentiu aprisionado no papel de galã. Ele deixava muito claro que não tinha nada contra o galã, só queria diversificar. Depois de trabalhar como palhaço a vida inteira, ele queria fazer o cômico, e também um vilão, papéis mais variados.

A TV era uma oportunidade de ser mais reconhecido pelo trabalho, de divulgar a companhia dele. Era uma arte que o Domingos verdadeiramente gostava de fazer e que fazia muito bem feito, mas lhe tomava muito tempo, enquanto ele precisava se dedicar à grande paixão da vida dele, que era o circo.

Domingos Montagner se sentia aprisionado como galã e queria diversificar papéis na TV

NT: Pesquisando sobre a trajetória do ator, qual fato, característica ou episódio mais te surpreendeu?

Oswaldo Carvalho: A paixão louca que o Domingos tinha pela palhaçaria, pela comicidade física. Ele também tinha um lado incansável, de labuta, levava a sério seu trabalho. Às vezes, eu ficava cansado só de acompanhar, na minha pesquisa, o volume de coisas que ele fazia em um único ano e como se dedicava inteiramente a todas elas. Essas duas características dele se complementam.

O Domingos foi a fundo em ser palhaço. Ele estudou e pesquisou muito. Perseguindo a história dele, percebi a semelhança que havia entre ele e a figura do arlequim e com os primeiros saltimbancos da Idade Média na Itália, que eu chamo de “avós” do palhaço.

Sempre muito interessado no circo brasileiro, ele também viajou à Europa para conhecer mais a respeito, trazia fitas de videocassete para assistir com Fernando Sampaio [com quem formava dupla e criou o Grupo La Mínima, em 1997]. Ele via muito circo tradicional e contemporâneo. E eu descobri, seguindo os passos dele, a beleza que existe nessa arte de ser palhaço.

NT: Você optou por não dar tanto destaque no livro para a tragédia, o episódio da morte do Domingos. Por quê?

Oswaldo Carvalho: Desde o início, quando fiz as primeiras reuniões e entrevistas, tive muito claro que o livro seria sobre a vida e a trajetória do Domingos. A morte foi uma tragédia muito grande, uma comoção nacional, porque ele era um ator muito querido e estava ocupando o posto de maior popularidade que um ator brasileiro pode almejar: o de protagonista de novela das nove.

Queria entregar para o leitor coisas que ele não conhecesse, todo o passado de palhaço, que também atiçava a minha curiosidade. Uma história riquíssima que, inserida dentro da história do circo no Brasil, é muito importante e faz sentido ser contada.

A chegada dele na Globo, os casos de bastidores, isso tudo para mim era mais interessante do que essa morte trágica que todo mundo já conhece. Ela está no livro, mas de uma forma que não ocupa uma posição tão importante. Garanto aos leitores que não vão se decepcionar.


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