Por que o "Melhores do Ano" do Faustão desprestigia novelas de outros horários?
Preferência exacerbada pelo horário das nove é injusta com outras faixas
Publicado em 05/11/2018 às 10:25
A Globo divulgou recentemente a lista oficial de indicações ao "Troféu Domingão - Melhores do Ano", promovido anualmente pelo "Domingão do Faustão". Como é de costume, a novela das 21h – atualmente “Segundo Sol”, de João Emanuel Carneiro – conquistou a esmagadora maioria de indicações (14 no total). A prática não é uma novidade, haja visto a maior visibilidade da faixa em termos de audiência. No entanto, uma pergunta se faz: até onde esta “preferência” pelo horário das nove é justa?
Para tanto, voltemos ao ano passado. “A Força do Querer”, de Glória Perez, conquistou um número ainda maior para apenas uma obra: 18 indicações, com oito vitórias. Em comparativo, “Novo Mundo” e “Rock Story”, exibidas às 18h e 19h, obtiveram apenas duas menções nesta lista – e nenhum troféu. A presença maciça de atores da trama das 21h tinha uma grande maioria de nomes merecedores, mas por vezes ocupava categorias inteiras, sem deixar espaço para outras obras. Um injusto desequilíbrio, por mais elogiada que tenha sido a trama.
O mesmo acontece este ano. Mesmo com menos indicações, “Segundo Sol” exerce um domínio parecido. Curiosamente, “O Outro Lado do Paraíso”, sua antecessora, ainda conseguiu obter uma razoável quantidade de atores – oito no total. E ambas dividem espaço nas principais categorias, evitando o monopólio de menções como no ano passado. Ainda assim, a lista segue uma falta de critérios impressionante.
Como se explica a indicação de Giovanna Antonelli na categoria de Melhor Atriz pela Luzia, uma das piores protagonistas da história das 21h e de sua carreira? A personagem tem um perfil absurdamente passivo e covarde, que em nenhum momento foi sequer capaz de enfrentar as vilãs Laureta (Adriana Esteves) e Karola (Deborah Secco)? Ou a escolha de Emílio Dantas para concorrer em Melhor Ator? Dantas veio de uma merecida crescente graças ao imenso sucesso de Rubinho, traficante que viveu em “A Força”, mas não teve sorte ao viver um cantor decadente que viu sua trama “morrer” antes mesmo da metade do percurso.
Nas categorias de coadjuvantes, a situação é pior ainda: a incompreensível indicação de Juliano Cazarré, presença constante no "Melhores do Ano", por um papel pífio e inexpressivo na trama de Walcyr Carrasco, em Ator Coadjuvante. Estarrecedor, bem como Anderson Tomazini, o Xodó da mesma novela, concorrendo em Ator Revelação. Difícil entender.
Enquanto isso, para se ter um exemplo, a elogiada "Orgulho e Paixão", trama das seis de Marcos Bernstein recheada de cativantes personagens e casais, recebeu a impressionante quantidade de nenhuma indicação. A novela foi solenemente – e desrespeitosamente – ignorada. Nomes como Thiago Lacerda, Nathalia Dill, Agatha Moreira, Rodrigo Simas, Christine Fernandes, Natália do Vale, Alessandra Negrini, Grace Gianoukas, Marcelo Faria, Pedro Henrique Muller (o soldado Otávio, que formou um par encantador com o mecânico Luccino, de Juliano Laham) e especialmente Gabriela Duarte não foram nem sequer mencionados.
Aliás, Gabriela é a mais injustiçada. A atriz não fazia uma novela inteira desde "Passione" (2010-11) e desde então só havia feito participações pequenas. Na pele da rainha do café Julieta, a intérprete mostrou um sensível trabalho de composição de uma mulher forte e sofrida, traumatizada pela violência do marido e que redescobriu o amor ao lado de um novo companheiro, Aurélio (Marcelo Faria) e aparou as arestas de sua relação complicada com o filho Camilo (Maurício Destri). Sua não indicação lembra o ocorrido com Vivianne Pasmanter, que no ano passado brilhou como a divertida trambiqueira Germana de “Novo Mundo” e nem foi indicada.
Outro ponto questionável é a insistência em nomes recorrentes em algumas divisões. Como explicar Mel Maia, já uma adolescente, novamente concorrendo em Ator/Atriz Mirim por "Deus Salve o Rei"? Ou Tatá Werneck, que se faz presente na categoria de Atriz Coadjuvante pela Lucrécia da mesma novela, que nada mais era do que uma versão medieval de sua personagem de "Amor à Vida" (a periguete Valdirene)?
Ainda assim, há acertos. A seleção de atrizes revelação traz dois ótimos expoentes de "Segundo Sol": Cláudia di Moura (a ex-empregada Zefa) e Kelzy Ecard (a cozinheira Nice), que quebram o estigma de que atores estreantes precisam ser necessariamente jovens. Elas concorrem com Bella Piero, que viveu a jovem Laura da trama anterior das 21h e que emocionou com a dor da personagem ao revelar que era abusada pelo padrasto.
Pelo que tem apresentado, o “Melhores do Ano” – chamado por seus críticos de “Melhores da Globo” por causa da presença unicamente de artistas da emissora carioca – deveria na verdade ser chamado de “Melhores da Atual Novela das Nove”. Fica a impressão de que outras faixas ou tramas que passaram no começo do ano praticamente inexistem, o que é injusto e extrapola a supremacia da faixa das 21h – que em condições normais é esperada por sua visibilidade.