Na prática, as histórias são carregadas como projetos pessoais dos autores. Não que falte profissionalismo, mas o envolvimento emocional em excesso pode atrapalhar uma visão mais crítica e centrada.
Publicado em 17/05/2023 às 05:11:00
Há duas reivindicações em jogo na atual greve dos roteiristas em Hollywood que podem - ou ao menos deveriam - influenciar o futuro da produção de filmes e séries em todo o mundo, inclusive no Brasil. Isso, claro, à parte da exigência principal: uma melhor remuneração.
A primeira delas é sobre a sobrevivência das salas de roteiro. Nas últimas semanas, esta coluna tem ouvido de profissionais brasileiros que o conceito - que chegou por aqui recentemente, com a ajuda das plataformas de streaming - é benéfico para audiovisual nacional como um todo. Só que, lá nos Estados Unidos, a estrutura está sob ameaça.
Mais do que um local físico, esse é um espaço colaborativo onde trocam-se ideias para que todos, juntos, escrevam a história. O conceito é muito usado em séries, mas também há lugar para a prática no cinema.
Dessa forma, showrunners (os responsáveis pelo rumo da produção), produtores, produtores-executivos, roteiristas e assistentes de roteiro definem o enredo geral, além de redigir cada episódio. Um integrante pode ser melhor com os diálogos, enquanto o outro é especialista nas cenas de ação.
O trabalho deles não acaba na pré-produção: a sala continua ativa durante as filmagens, adaptando e corrigindo o rumo do que está sendo contado na tela. Isso acontece principalmente nas comédias, quando percebe-se que uma piada não funcionou, por exemplo.
Quem assiste à Maravilhosa Sra. Maisel, do Prime Video, sabe exatamente como funciona.
Até 30 profissionais podem trabalhar em uma só sala. Dessa forma, os menos experientes aprendem com aqueles já consagrados, além de ganharem oportunidades de crescimento.
Acontece que a era do streaming mexeu com esse status quo. As temporadas foram encurtadas, indo de mais de 20 episódios para menos de 10. Os estúdios, produtoras e plataformas então introduziram as chamadas "mini salas".
Além de ter menos roteiristas, essa nova estrutura atua apenas na pré-produção. Eles acabam recebendo menos - algo que, combinado a outros fatores, causa a diminuição salarial. Para o sindicato que representa o setor, o Writers Guild of America (WGA), esse seria o primeiro passo para acabar de vez com as salas de roteiro e, no fim, com a viabilidade da função.
Inclusive, o WGA aponta que os showrunners (que são filiados a outro sindicato, que não está em greve) estão sendo pressionados para assumirem o trabalho dos grevistas.
A paralisação, portanto, é para garantir que a existência desse modelo de trabalho conste no chamado Acordo Mínimo Básico (MBA) da categoria.
A tradição é bem diferente no nosso país. Roteiristas são historicamente vistos como profissionais mais autorais, trabalhando quase sempre sozinhos - no máximo, com poucos colaboradores.
As novelas fizeram esse modelo se tornar reconhecido. Afinal, os folhetins são famosos por terem apenas um grande autor, como Glória Perez, Benedito Ruy Barbosa e Manoel Carlos.
Foi apenas nos últimos anos que essa fórmula sofreu uma mudança. Além do autor principal, outros colaboradores passaram a ser creditados. Em Terra e Paixão, que atualmente ocupa o horário das 21h na Globo, Walcyr Carrasco conta com o auxílio de outros quatro roteiristas: Vinícius Vianna, Nelson Nadotti, Márcio Haiduck e Cleissa Regina Martins.
Uma equipe ainda pequena quando lembramos que são mais de 150 episódios, exibidos de segunda a sábado em uma obra aberta com gravações em ritmo frenético.
Na prática, as histórias são carregadas como projetos pessoais dos autores. Não que falte profissionalismo, mas o envolvimento emocional em excesso pode atrapalhar uma visão mais crítica e centrada.
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Isso acaba refletindo em filmes e séries que muitas vezes soam descolados da realidade, com situações inverossímeis ou que são verdadeiros Frankensteins, nos quais trechos reescritos não se conversam com o todo - quando era mais fácil ter recomeçado tudo do zero.
Nos últimos anos, a sala de roteiristas passou a ser utilizada no Brasil. Muito por conta das produções para o streaming, feitas dentro de um conceito internacional, mas também por um maior intercâmbio com Hollywood. Há quem veja o emprego delas como um caminho para a melhora do audiovisual nacional.
Como vemos, as lutas são parecidas - apenas ocorrem em momentos diferentes em termos de maturidade de cada mercado.
Outra questão que está dividindo a indústria da TV e do cinema em Hollywood é o uso da inteligência artificial, que ficou famosa em tempos recentes com o lançamento do ChatGPT - aquele bate-papo super inteligente no qual o “computador” responde a todas as nossas dúvidas e executa tarefas.
O WGA demanda, basicamente, uma regulamentação desse tipo de ferramenta - impedindo que as AIs sejam usadas para escrever e reescrever roteiros ou como fonte de informação.
O MBA anterior já afirmava que o roteirista deveria ser uma “pessoa”. Além disso, a estrutura americana impede a contratação de quem não é filiado a um sindicato - e os robôs, como sabemos, ainda não fazem piquetes.
A isso se soma uma questão tecnológica: mesmo que estejam evoluindo constantemente, as inteligências artificiais não conseguem (no momento) produzir um escrito bom, que soe natural. Para piorar, as AIs não criam algo totalmente novo, apenas reciclam conteúdos anteriores.
Por tudo isso, essa parecia mais uma demanda simples de resolver. No entanto, a organização afirma que a Aliança dos Produtores de Filmes e Televisão (AMPTP, da sigla em inglês), que representa os estúdios, nem quis papo.
Dessa forma, o ChatGPT e correlatos entraram na mira dos grevistas. Viraram uma questão importante nos debates e nas manifestações à frente de estúdios e plataformas.
O alerta laranja não vale apenas para eles: se roteiristas podem ser substituídos, o que dizer de todas as outras profissões que trabalham com criatividade?
Aqui no Brasil estamos longe de ter uma estrutura sindical que obrigue um acordo mínimo para contratos do setor audiovisual. Na prática, a discussão nos Estados Unidos vai ditar o rumo para o que irá ocorrer no resto do mundo.
Se o WGA perder a queda de braço, inteligências artificiais que escrevem roteiros devem ficar um pouco mais próximas de serem realidade - e poderiam, sim, serem usadas em qualquer lugar, inclusive no nosso país.
Há o outro lado, caso o sindicato vença. Se os estúdios acharem que está mais caro nos Estados Unidos, com muitos custos por conta das exigências mínimas, tendem a aumentar ainda mais a produção em outros países.
Não me parece um destino feliz ser usado como mão de obra barata em troca de alguns centavos. Ou como terra livre para produções ao estilo ChatGPT.
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