Um ano depois, Roberto Cabrini relembra tragédia da Chape e fala sobre desafios da cobertura
No dia 29 de novembro de 2016, o mundo do esporte entrava em luto com queda de avião
Publicado em 29/11/2017 às 06:00
29 de novembro ficou marcado como o dia da maior tragédia do futebol mundial, ocorrida no ano passado.
O voo que levava a delegação da equipe da Chapecoense (SC) para a final da Copa Sul-Americana, que seria disputada contra o Atlético Nacional, da Colômbia, sofreu um acidente em Cerro Gordo, entre as cidades de La Unión e La Ceja Del Tambo.
A bordo estavam 76 passageiros, entre jogadores, comissão técnica e diretoria do time de Chapecó, além de tripulantes e 21 jornalistas brasileiros que fariam a cobertura da partida.
Dentre os jornalistas mais conhecidos do público estavam Victorino Chermont, Paulo Clement, Lilacio Júnior, Devair Paschoalon e Mário Sérgio Paiva. No total, foram 71 mortos.
Desde a madrugada daquele dia, veículos de todos os meios noticiavam atônitos o que havia acontecido. E o jornalista Roberto Cabrini, à frente do "Conexão Repórter", do SBT, foi o primeiro profissional da imprensa a chegar ao local onde tudo aconteceu, numa área de difícil acesso.
"Tomei conhecimento do acidente na madrugada de 29 de novembro e imediatamente tomamos um voo diurno para Medellín, na Colômbia. Não havia voo direto disponível e tivemos que fazer escala no Panamá. Chegamos no meio da tarde", contou Cabrini em entrevista exclusiva ao NaTelinha, relembrando aquele fatídico dia, que completa um ano nesta quarta-feira (29).
No domingo posterior à tragédia, em 4 de dezembro de 2016, o "Conexão Repórter" foi ao vivo com a cobertura completa e reportagens exclusivas direto da Colômbia. Em agosto último, nova matéria oito meses após o desastre, mostrando como estavam os sobreviventes. E no último domingo (26), o terceiro material onde Roberto visitou mais uma vez a família daqueles que saíram vivos da queda do avião.
Sobre os depoimentos que mais lhe emocionaram, o jornalista acredita ser difícil eleger algum específico, mas contou: "Pessoalmente apontaria dois: A localização da Bíblia que era do sobrevivente Neto em meio aos destroços e depois sua entrega a família dele em um momento de total incerteza; e a determinaçao de Suzana, viúva do zagueiro Thiego da Chape, que buscou em mim ajuda para tentar encontrar a caneleira do marido (que tinha a imagem gravada da família deles) perdida no acidente. Nos dedicamos durante meses a essa quase impossível tarefa, ainda sem resultados mas sua dedicação me comove profundamente".
Confira a entrevista que Roberto Cabrini concedeu ao NaTelinha na íntegra:
Qual a dimensão de ter participado da cobertura da maior tragédia do esporte mundial?
Roberto Cabrini - A dimensão de retratar a maior tragédia esportiva da história com múltiplas implicações e desdobramentos técnicos e humanos, além de importantes desafios logísticos para a execução da cobertura, do acesso a uma área montanhosa em um outro país ao envio de material captado a nossa central.
Dos relatos que você ouviu sobre o acidente, qual mais te emocionou nas várias reportagens produzidas?
Roberto Cabrini - Foram muitos e todos repletos de componentes emocionais. Não há como escolher um em detrimento do outro. Pessoalmente apontaria dois: A localização da Bíblia que era do sobrevivente Neto em meio aos destroços e depois sua entrega a família dele em um momento de total incerteza; e a determinaçao de Suzana, viúva do zagueiro Thiego da Chape, que buscou em mim ajuda para tentar encontrar a caneleira do marido (que tinha a imagem gravada da família deles) perdida no acidente. Nos dedicamos durante meses a essa quase impossível tarefa, ainda sem resultados mas sua dedicação me comove profundamente.
Qual foi o cuidado necessário para que a cobertura não caísse no sensacionalismo?
Roberto Cabrini - Nos ater sempre a precisão das informações técnicas mas sem jamais perder de vista o aspecto humanístico.
Você ainda deve se lembrar do fatídico dia do acidente. Como sucedeu aquele dia da cobertura? Quando você ficou sabendo do acidente, qual foi sua primeira reação. E depois, que atitude tomou?
Roberto Cabrini - Tomei conhecimento do acidente na madrugada de 29 de novembro e imediatamente tomamos um voo diurno para Medellín, na Colômbia. Não havia voo direto disponível e tivemos que fazer escala no Panamá. Chegamos no meio da tarde. No pouso de nosso voo procuramos entender bem as questões geográficas e já tratamos de documentar as dificuldades do pouso e os desafios da área. Antes de nos hospedarmos decidimos, eu o cinegrafista Cris Ienne, não perder tempo e seguir direto do aeroporto para o local do acidente enquanto a produtora Flávia iria cuidar de outros detalhes e nossa operação.
Foi um trajeto complicado, feito uma parte com carro de tração nas quatro rodas, outra com ajuda de soldados colombianos e o trecho final à pé com a assistência de mateiros do local. Em todos os momentos contamos com muita solidariedade do povo. Quando finalmente chegamos (eu e o cinegrafista Cris Ienne) cansados e picados por insetos, o sol já se punha. Dezenas de campesinos saqueavam objetos para obterem recordações enquanto outros rezavam para as vítimas. Era um cenário caótico e altamente emocional. Observarmos fragmentos retorcidos espalhados em um raio de dezenas de metros entre árvores semi-destruídas.
Os destroços estavam em duas grandes áreas separadas por uma montanha chamada "El gordo". Boa parte dos objetos dos ocupantes da aeronave já em poder de moradores locais, o que causava certa discussão entre eles. Nos concentramos em nosso principal objetivo que era registrar o estado do que sobrou das turbinas, do trem de pouso, da cabine, das poltronas, pois seriam imagens esclarecedoras para as investigações. Revelariam causas como explosões e caracteristicas do impacto. A esta altura sobreviventes e corpos haviam sido resgatados e pudemos entender bem as dificuldades desse trabalho pelas condições da região, de montanhas cercadas por mata fechada.
Você foi o primeiro jornalista a chegar até o local da queda do avião. Qual foi sua sensação?
Roberto Cabrini - A sensação de que tínhamos que impedir que o desafio de ordem emocional prejudicasse o rigor na apuração de tudo que estava a nossa volta. Experiências internacionais anteriores em guerras e tragédias de diferentes caracteristicas serviram de referência.
Você colocaria essa cobertura na lista de seus melhores trabalhos?
Roberto Cabrini - Difícil comparar coberturas, mas foi uma das mais desafiadoras, sem dúvida.
Diante do que foi ou deveria ter sido feito pelas autoridades após a queda do avião, você acha que um acidente desses poderia acontecer nessas mesmas condições novamente?
Roberto Cabrini - As causas se relacionam a um misto de ambição desenfreada pelo lucro de clientes e empresa contratada e um sistema de verificação e fiscalização corrupto e negligente instalado em diferentes países. Trata-se de um cenário recorrente no continente, o que possibilita, sem dúvida, a tendência de ocorrência de tragédias semelhantes. Um filme que se repete.
Qual é a sua análise diante das forma que a Chapecoense, LaMia e autoridades conduziram o caso?
Roberto Cabrini - As empresas e dispositivos governamentais mantêm um pacto de silêncio, de conivência e omissão.
Por que, na sua opinião, é tão difícil e raro a prisão de culpados em acidentes dessa magnitude?
Roberto Cabrini - Os culpados costumam dispor de aparatos burocráticos que se auto-protegem apostando sempre no esquecimento. A medida em que outras tragédias ocorrem, as anteriores muitas vezes caem no limbo das redes corruptas da impunidade.