Análise: Karol Conká vai de vilã a vítima em A Vida Depois do Tombo
Série do Globoplay questiona proporções tomadas pelo ódio à cantora, que justifica "animosidade" após ser rejeitada por 99,17% do público do BBB21
Publicado em 02/05/2021 às 08:00,
atualizado em 03/05/2021 às 12:14
Logo nas primeiras cenas de A Vida Depois do Tombo, série do Globoplay que estreou na última quinta-feira (29), Karol Conká fala, em uma entrevista muito antes de entrar no BBB21, de seu desejo de interpretar uma grande vilã em uma possível carreira como atriz. O papel acabou sendo desempenhado – e com louvor – na vida real, com a participação catastrófica no reality show da Globo. A experiência lhe rendeu uma eliminação com 99,17% dos votos do público, um resultado com direito a foguetório pelo Brasil e recorde de audiência à emissora.
Na série documental em quatro episódios, dirigida por Patrícia Carvalho e Patricia Cupello, a rejeição acachapante sofrida pela cantora é definida várias vezes como "onda de ódio". Esse é o tom adotado pela produção: exibir o mau comportamento da ex-sister durante o confinamento, sem jamais omitir seus erros, mas evidenciar também que, com a pretensa justiça implacável da opinião popular, Karol Conká pôde ir de vilã a vítima, a depender do partido tomado pelo espectador.
Acompanhamos seus primeiros dias fora do jogo, dominados pelo pavor de ser agredida no aeroporto ou em restaurantes. Os episódios contam com entrevistas com nomes interessados em reconstruir a imagem da artista, desde o presidente da gravadora Sony, que manteve o contrato firmado, até mãe, filho e ex-namorado da famosa, que sofreram ataques nas redes sociais desde janeiro. Vemos também os bastidores de suas aparições públicas após a eliminação, com dicas e orientações de assessores sobre o que dizer na entrevista com Faustão, por exemplo.
Karol é confrontada com cenas suas no BBB e, ao rever algumas delas, chega a chorar de vergonha. Colegas que foram alvos preferenciais da rapper, como Arcrebiano e Carla Diaz, não toparam um reencontro. Lucas Penteado gravou um vídeo, e apenas Lumena, outra "tombada" pelo público, foi abraçar a amiga e assumir uma parcela de culpa no caos instaurado. A série também aposta em bons paralelos, como o contraponto da sequência em que a ex-sister expulsa Lucas da mesa – fatal para o destino que ela teve no jogo –, seguida de um momento afetuoso em casa, chamando o filho adolescente para almoçar.
Forma como espectador lê rejeição a Karol Conká será determinante para avaliação que fará da série
A Vida Depois do Tombo surfa na popularidade às avessas adquirida por sua protagonista, o que prega algumas armadilhas à produção. Certas passagens parecem feitas para que o espectador possa ir à forra com o remorso que atormenta Karol Conká, como se a votação recorde não tivesse sido suficiente. Ainda que denuncie a chamada "onda de ódio", a série não escapa de mergulhar nela em certos momentos, como quando coloca a cantora em um cenário rodeado por cenas que, aparentemente, ela só quer esquecer.
Ao final, a forma como o espectador lê a rejeição à Karol Conká será determinante para a avaliação que fará da série. Dificilmente a nova aposta do Globoplay conseguirá, por exemplo, que um hater mude sua visão sobre a cantora. Nas sequências mais lacrimosas, a câmera será sempre o motivo de desconfiança – algo corriqueiro nos documentários e motivo de um pé ainda mais atrás em se tratando da brasileira mais odiada dos últimos meses.
É certo que, mesmo parecendo cruel em certos momentos e sem se prestar a um serviço de assessoria para a artista, A Vida Depois do Tombo presta a ela um grande serviço. "Passar a limpo" em vez de "passar pano", como prometido nos materiais de divulgação, significa colocar a postura de Karol Conká ao longo do jogo de volta ao centro das atenções após semanas de afastamento absoluto da mídia. Só que, agora, com um questionamento que faz toda diferença: tanto ódio à cantora não teria sido desproporcional?
Em várias sequências, a "animosidade" tão falada ao longo de sua participação no BBB21 é justificada por passagens de sua vida, desde o racismo enfrentado na infância à relação com o pai alcoólatra. Ainda que não se proponham a minimizar os erros cometidos pela cantora dentro e fora da casa mais vigiada do país, há uma clara intenção das diretoras em promover a redenção da personagem principal por meio da mea culpa. Um exercício que parece fundamental para que Karol Conká possa seguir em frente, longe e sob os holofotes.