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Teatro enfrenta situação alarmante após pandemia

Atores e produtores questionam se conseguem sobreviver do teatro

Teatros estão cada vez mais vazios - Foto: Reprodução
Por Silvio Cerceau

Publicado em 21/06/2023 às 07:56:00,
atualizado em 21/06/2023 às 10:05:05

Apesar de virar uma opção para grandes artistas que não têm mais contrato fixo com as emissoras, produtoras e streamings, o teatro enfrenta grande dificuldade em ter suas sessões esgotadas, principalmente nas casas com mais de 300 lugares.

O teatro no Brasil surgiu no século XVI e de lá até hoje muitas coisas mudaram. Já teve sua fase de ouro, porém, nas últimas décadas, embora o aumento da qualidade de textos e artistas, o segmento passou a enfrentar muitas dificuldades para sobreviver.

Após a pandemia a situação se complicou ainda mais. Produtores e artistas do teatro remam contra a maré para se manterem no palco, vivos e viajar com seus espetáculos. Em minha opinião, faltam mais incentivo público e privado, afinal, no esporte é investido milhões e milhões todos os anos. Concordo que o esporte também é essencial como entretenimento, mas porque não dividir melhor as fatias do bolo para que arte e a cultura possam cumprir seu papel que é entreter e transformar as pessoas?

Eu conversei com alguns artistas e com produtores sobre essa situação, desde a falta de público, falta de recursos a dificuldade de conseguir pauta, ou seja, conseguir datas disponíveis. 

"Teatro vai precisar passar por uma transformação"

O ator e produtor Mauricio Canguçu atua há mais de 30 anos, e ele revela: “São vários os desafios. Todos muito significativos, mas a questão de como fazer o espetáculo chegar até o público é o maior deles. A divulgação hoje é muito difusa. Temos a internet, os veículos tradicionais (TV, jornal e rádio), mas não sabemos exatamente onde acessar as pessoas. A mídia tradicional mudou e hoje é mais analítica, opinativa e as novas mídias são um mundo à parte com algoritmos, engajamentos, números de seguidores e tal”.

“Não existe hoje um canal que o produtor diga: aqui eu vou falar com o público desse projeto. A questão das pautas dos espaços que estão cada vez mais escassas, sem necessariamente termos em cartaz grandes sucessos. Após a pandemia, as temporadas ficaram mais curtas, menos dias da semana para se apresentar e, portanto, menos receita. Penso que o teatro vai precisar passar por uma transformação para achar seu público novamente. Eu sou um ator de 35 anos de carreira, que nunca saí de cena. Estou em cartaz o ano inteiro nesses anos todos, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e no interior de diversos estados. Eu vivo da minha profissão, mas é uma luta diária".

Mauricio Canguçu

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Por fim, conclui: “Mesmo assim me sinto um privilegiado, pois trabalho com aquilo que gosto, o que é raro. Tenho um público que me acompanha. Faço um grande sucesso do teatro brasileiro, a peça Acredite Um Espírito Baixou Em Mim, já foi assistida por mais de 3 milhões de pessoas e está em cartaz há 25 anos. Tenho outros trabalhos,  é o caso do Maio, Antes Que Você Me Esqueça, atualmente estamos em cartaz duas semanas no Galpão Cine Horto. Aliás, é a primeira vez que me apresento no Galpão, o que está me deixando bem feliz. A peça é um sucesso de público e crítica e as pessoas ficam muito impactadas com forma como  abordamos a doença do Alzheimer. Ficaremos em cartaz no Galpão de sexta a domingo, até dia 02/07 e os ingressos podem ser adquiridos no Sympla.

"O teatro está morrendo"

O dramaturgo e produtor Júlio Kadetti, autor das peças Lili Carabina, Luz Del Fuego e Clarisse e os Corações Selvagens, diz que a situação é mais alarmante: “O teatro brasileiro nunca passou por um momento tão difícil. As dificuldades são tamanhas que muita gente começa a questionar se, no Brasil de hoje, ainda é possível falar em teatro como profissão. Até a década de 1990 os espetáculos (muitos bancados com recursos próprios), estreavam para cumprir temporadas de  um, dois, cinco anos... com sessões de quinta a domingo”.

“Alguns espetáculos chegavam a ter cambistas na porta e, para “democratizar o teatro”, a prefeitura e os sindicatos organizavam campanhas de popularização que eram aguardadas com ansiedade pelo público de baixa renda. Hoje, aqueles que conseguem produzir um espetáculo já sabem que as temporadas serão curtíssimas. Penso que o problema não está no valor do ingresso (há muitos e bons espetáculos sendo oferecidos a preços populares e até gratuitamente), mas na Cultura do brasileiro que, nos últimos 50 anos, está sendo 'doutrinado', pelos meios de comunicação em massa para ficar em casa e diante da TV”.

Júlio Kadetti

Ele encerra dizendo que “todos os estudantes, do ensino básico ao médio, têm a disciplina Arte na grade curricular, no entanto, a grande maioria desses alunos não aprende sobre teatro nem é estimulada a assistir um espetáculo. Segundo pesquisas recentes, 88,6% da população brasileira não frequenta teatro, nunca entrou em uma sala de teatro e, no entanto, acha que teatro é chato. Eis aqui a grande dificuldade que os produtores de teatro enfrentam hoje. A situação é complexa e qualquer análise superficial só fará incendiar ainda mais a discussão, mas se, de fato,  o que alimenta o teatro é a presença do público, então é triste constatar que o teatro brasileiro (assim como muitos profissionais do teatro), está morrendo de fome”.

Crise no teatro: "As coisas estão se tornando cada vez mais difíceis"

Ilvio Amaral, ator e produtor que também faz parte do elenco da peça Maio Antes Que Você me Esqueça, fala sobre o assunto: “Uma das maiores dificuldades de produzir teatro no Brasil é pauta nas casas de espetáculos. Com o processo  das leis de incentivo à cultura, os teatros particulares estão caríssimos e os públicos com uma fila enorme de projetos a espera de datas. Infelizmente as coisas vão se tornando cada vez mais difíceis. A produção está um absurdo e o preço médio de ingresso tem que ser cada vez mais promocional para atrair o público. Para os produtores e atores que não são agraciados com patrocínio,  tudo é muito complicado.”

A produtora, atriz e escritora Rita Fisher, que em breve fará uma pequena turnê com a peça Neura, pontua: “Quando fala-se em teatro a primeira palavra que vem à mente é desafio. Sou atriz e autora e há anos dedico minha vida ao teatro. Não quero desanimar as pessoas que porventura estejam pensando em ingressar nesta arte, só quero pensar juntos para que assim possamos transformar algo. Esta é a meu ver a verdadeira função da arte”.

“No Rio de Janeiro existem pouquíssimos teatros disponíveis e os poucos que restaram ou estão lotados, ou seja, sem pauta até o final do ano, ou vão entrar em reforma. Quando você consegue entrar em cartaz, o que é caríssimo... você deixa basicamente o valor de um rim nesta empreitada, pois toda a equipe envolvida é paga pela produção. No final provavelmente não resta nem um real para o artista que faz”.

Rita Ficher

"O teatro é onde o ator se desafia"

O ator Bernado Filaretti está no elenco da série Hit Parade com direção de Marcelo Caetano, disponível no Globoplay, e já atuou nas novelas Gênesis (Record) e Além da Ilusão (Globo). No cinema, foi um dos protagonistas do filme Jardim Tropical (pós-produção), com direção de Breno Alvarenga e Luiza Garcia.

Bernardo também está no elenco de Comadres, filme especial de Natal da Globo com direção de Renata Sette, além de fazer parte do filme Marte Um, direção de Gabriel Martins, que representou o Brasil para concorrer ao Oscar. Ele nos fala da importância de atuar no teatro: “O teatro é onde o ator se desafia. É momento presente, não existe atuação igual, cada apresentação é única”.

E finaliza: “É onde ele tem o poder do improviso e se comunica indiretamente com a plateia, é mágico e acredito que todo ator deveria passar por essa experiência. Eu amo teatro, nunca vou parar de fazer, mas amo trabalhar na TV e no cinema e acredito que todo veículo tem seu lado positivo, tanto streaming quanto TV aberta/paga. Se fosse para escolher, eu viveria do cinema".

O ator está em cartaz no Rio de Janeiro com a peça As Loucuras do meu Anjo no teatro Candido Mendes, sexta a domingo, até o dia 25 de junho.



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